Inspirado numa história real,
Operação Final é um thriller dramático competente, mas que subaproveita o seu
próprio potencial. Disposto a revelar os bastidores da operação liderada por
Israel para capturar o nazista foragido Adolf Eichmann nos anos 1960, o longa
dirigido por Chris Weitz (Um Grande Garoto) não se mostra incisivo o bastante ao
retratar o estado de espírito dos judeus sobreviventes neste jogo de gato e
rato quinze anos após o término da Segunda Guerra Mundial, se distanciando das
feridas mais íntimas ao investir em elementos mais recorrentes dentro do
gênero. Na verdade, o grande problema, aqui, está no desequilibrado roteiro,
que, na ânsia de criar um clima de tensão mais universal, peca ao não dar o
valor necessário para as passagens mais instigantes da história, principalmente
quando o assunto são os crescentes conflitos mais íntimos durante o processo de
captura. Ou seja, estamos diante de uma obra charmosa, com um elenco talentoso,
um visual de época fidedigno, mas uma abordagem exageradamente convencional
sobre um assunto (o destino dos nazistas fugitivos) frequente em Hollywood.
Com roteiro assinado pelo inexperiente
Matthew Orton, Operação Final inegavelmente frustra ao tentar tornar tudo o
mais cinematográfico possível. Um problema que, verdade seja dita, tem se
tornado muito comum dentro do segmento. Recentemente, aliás, o vencedor do
Oscar Argo (2012) seguiu um caminho bem parecido, criando um desfecho “apoteótico”
que passou longe de existir na vida real. Sim, a operação era muito perigosa.
Sim, um passo em falso e tudo poderia ruir. Não, não houve aquela “perseguição”
final pensada justamente para potencializar o clima de tensão. Por mais que,
aqui, o argumento seja bem mais contido ao criar a sensação de ameaça, a
impressão que fica é que falta maturidade ao abordar um tema tão complexo e
espinhoso. A começar, por exemplo, pela representação unidimensional dos
nazistas escondidos em solo estrangeiro. Ainda que, no pós-guerra, a Argentina
tenha se tornado um dos abrigos “prediletos” dos militares do alto escalão do Terceiro
Heich, a ideia que eles ainda eram ameaçadores coletivamente, que se reuniam,
bradavam contra os judeus e tinham poder junto as autoridades locais soam um
tanto quanto conveniente. Redundante. De fato, a Argentina relutava em extraditar os
nazistas escondidos em seus domínios. A presença clandestina dos agentes do
Mossad, inclusive, gerou um incidente diplomático, uma crise de soberania que
persistiu até o desfecho do caso. Mas a luz dos fatos não me deixa mentir. Muito
do que é mostrado em tela não aconteceu da forma como o filme tenta retratar.
Com a intenção de apimentar o clima de tensão em torno da engenhosa missão ultrassecreta
liderada por Isser Harel (Lior Raz) e Peter Malkin (Oscar Isaac), Chris Weitz flerta
com o maniqueismo do viés vilanesco ao criar uma ameaça mais impactante,
mais ativa, investindo em soluções narrativas convencionais na tentativa de reforçar
o senso de urgência. Uma opção até funcionaria se o ‘mise en scene’ pensado pelo
diretor fosse realmente instigante. Ao contrário de Argo, a falta de pulso
narrativo se revela um dos grandes problemas da produção, o que fica claro na
cena da extração, culminando em
sequências frias e pouco criativas. Menos mal que o foco, em nenhum momento,
está na ação em si, mas na sensação de perigo iminente que cerca a missão.
Neste sentido, Weitz faz um trabalho eficaz, realçando o aspecto mais
sorrateiro dos nazistas com propriedade.
Errático ao tentar ficcionalizar
os fatos, Operação Final também vacila ao explorar o potencial dramático dos
seus coadjuvantes. Quando o foco está nos personagens de apoio, Chris Weitz
mostra superficialidade ao investigar as feridas da guerra nos agentes. Por
mais que, em alguns momentos, o argumento encontre as brechas para estabelecer
os seus traumas e o impacto das suas dolorosas perdas, o realizador não vai
muito além disso, subaproveitando a rixa comportamental\moral que nasce à
medida que eles são obrigados a dividir a sua “casa” com um membro do alto
escalão da SS. Figuras como a apática médica vivida pela talentosa Mélanie
Laurent e o carismático agente vivido por Nick Kroll soam ocos, com apenas uma
pequena colaboração narrativa, o que comprova a ineficiência do roteiro em
trabalhar as individualidades dos militares judeus. Em contrapartida, quando
resolve se concentrar nos protagonistas, Operação Final alcança um resultado
bem mais interessante. No momento em que resolve se ater aos fatos, Weitz é
cuidadoso ao mostrar o embate mental entre um fragilizado Adolf Eichmann e os
angustiados agentes durante os nove dias em que eles foram obrigados a dividir
o mesmo teto. Embora o impacto desta nebulosa figura junto aos judeus seja bem
explorado ao longo do íntimo segundo ato, o longa acerta ao se concentrar na
irritadiça figura de Peter e na sua perigosa tentativa de conquistar a
confiança de um dos maiores “inquisidores” do seu povo. Com diálogos
inteligentes, o realizador acerta ao não só “humanizar” a figura do nazista,
como também ao construir o crescente jogo de manipulação entre os dois,
alimentando as dúvidas do público quanto a real intenção deles.
É interessante ver como,
contrariando os seus próprios sentimentos, Peter decide “dar corda” ao algoz da
sua família, ouvi-lo, jogar o seu jogo, se expondo numa perigosa busca por
respostas e pelo controle da situação. Enquanto o agente, para conseguir fazer
jus a operação, precisa ceder emocionalmente num complexo processo de
persuasão, o agora prisioneiro, na tentativa de narrar a sua perspectiva dos
fatos, decide aceitar a sua posição de inferioridade. Uma relação perigosa, valorizada
pela capacidade do roteiro em não se permitir acreditar nos gestos dos
respectivos personagens. Sem medo de errar, é aqui que Operação Final realmente
se garante como um bom entretenimento, principalmente por valorizar os
bastidores, por expor a identidade de uma figura que num passado não muito
distante foi capaz de atos tão atrozes. Um predicado, indiscutivelmente,
valorizado pelas performances de Oscar Isaac e Ben Kingsley. Um dos novos
rostos mais versáteis e talentosos de Hollywood, o ator guatemalteco convence
como um homem andando no fio da navalha, uma figura abalada dividida entre a
vingança e a justiça. Ora emotivo, ora explosivo, Isaac traduz com intensidade
o estado de espírito de um judeu vítima do holocausto. Do outro lado da moeda,
Kingsley entrega o seu melhor na construção de um nazista frágil e ao mesmo
tempo dúbio. Com a fala mansa e um olhar frio de quem viu a face mais horrenda
da Segunda Guerra, o veterano usa a voz da experiência ao dar vida a um tipo
persuasivo, um agente do caos disposto a revelar a sua verdade.
Somado a isso, Chris Weitz
capricha no visual de época do longa. Impulsionado pelo delicado trabalho da
equipe de direção de arte, o realizador faz, em especial, um elegante uso do
figurino, conferido uma interessante aura ‘noir’ a produção. Outro ponto que
agrada, e muito, é a participativa trilha sonora de Alexander Desplat, eficaz
ao ampliar o clima de tensão e dramaticidade em momentos chave da trama. Por
fim, mesmo escorregando no terreno do sentimentalismo na sua última cena, Operação
Final se revela um thriller funcional, uma obra envolvente que, embora
subaproveite o seu próprio arco dramático em prol de soluções maniqueístas, consegue
revelar a verdade sob uma perspectiva densa e intimista.
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