quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Operação Final

Uma história real que merecia um filme mais maduro

Inspirado numa história real, Operação Final é um thriller dramático competente, mas que subaproveita o seu próprio potencial. Disposto a revelar os bastidores da operação liderada por Israel para capturar o nazista foragido Adolf Eichmann nos anos 1960, o longa dirigido por Chris Weitz (Um Grande Garoto) não se mostra incisivo o bastante ao retratar o estado de espírito dos judeus sobreviventes neste jogo de gato e rato quinze anos após o término da Segunda Guerra Mundial, se distanciando das feridas mais íntimas ao investir em elementos mais recorrentes dentro do gênero. Na verdade, o grande problema, aqui, está no desequilibrado roteiro, que, na ânsia de criar um clima de tensão mais universal, peca ao não dar o valor necessário para as passagens mais instigantes da história, principalmente quando o assunto são os crescentes conflitos mais íntimos durante o processo de captura. Ou seja, estamos diante de uma obra charmosa, com um elenco talentoso, um visual de época fidedigno, mas uma abordagem exageradamente convencional sobre um assunto (o destino dos nazistas fugitivos) frequente em Hollywood. 



Com roteiro assinado pelo inexperiente Matthew Orton, Operação Final inegavelmente frustra ao tentar tornar tudo o mais cinematográfico possível. Um problema que, verdade seja dita, tem se tornado muito comum dentro do segmento. Recentemente, aliás, o vencedor do Oscar Argo (2012) seguiu um caminho bem parecido, criando um desfecho “apoteótico” que passou longe de existir na vida real. Sim, a operação era muito perigosa. Sim, um passo em falso e tudo poderia ruir. Não, não houve aquela “perseguição” final pensada justamente para potencializar o clima de tensão. Por mais que, aqui, o argumento seja bem mais contido ao criar a sensação de ameaça, a impressão que fica é que falta maturidade ao abordar um tema tão complexo e espinhoso. A começar, por exemplo, pela representação unidimensional dos nazistas escondidos em solo estrangeiro. Ainda que, no pós-guerra, a Argentina tenha se tornado um dos abrigos “prediletos” dos militares do alto escalão do Terceiro Heich, a ideia que eles ainda eram ameaçadores coletivamente, que se reuniam, bradavam contra os judeus e tinham poder junto as autoridades locais soam um tanto quanto conveniente. Redundante. De fato, a Argentina relutava em extraditar os nazistas escondidos em seus domínios. A presença clandestina dos agentes do Mossad, inclusive, gerou um incidente diplomático, uma crise de soberania que persistiu até o desfecho do caso. Mas a luz dos fatos não me deixa mentir. Muito do que é mostrado em tela não aconteceu da forma como o filme tenta retratar. Com a intenção de apimentar o clima de tensão em torno da engenhosa missão ultrassecreta liderada por Isser Harel (Lior Raz) e Peter Malkin (Oscar Isaac), Chris Weitz flerta com o maniqueismo do viés vilanesco ao criar uma ameaça mais impactante, mais ativa, investindo em soluções narrativas convencionais na tentativa de reforçar o senso de urgência. Uma opção até funcionaria se o ‘mise en scene’ pensado pelo diretor fosse realmente instigante. Ao contrário de Argo, a falta de pulso narrativo se revela um dos grandes problemas da produção, o que fica claro na cena da extração, culminando em sequências frias e pouco criativas. Menos mal que o foco, em nenhum momento, está na ação em si, mas na sensação de perigo iminente que cerca a missão. Neste sentido, Weitz faz um trabalho eficaz, realçando o aspecto mais sorrateiro dos nazistas com propriedade.


Errático ao tentar ficcionalizar os fatos, Operação Final também vacila ao explorar o potencial dramático dos seus coadjuvantes. Quando o foco está nos personagens de apoio, Chris Weitz mostra superficialidade ao investigar as feridas da guerra nos agentes. Por mais que, em alguns momentos, o argumento encontre as brechas para estabelecer os seus traumas e o impacto das suas dolorosas perdas, o realizador não vai muito além disso, subaproveitando a rixa comportamental\moral que nasce à medida que eles são obrigados a dividir a sua “casa” com um membro do alto escalão da SS. Figuras como a apática médica vivida pela talentosa Mélanie Laurent e o carismático agente vivido por Nick Kroll soam ocos, com apenas uma pequena colaboração narrativa, o que comprova a ineficiência do roteiro em trabalhar as individualidades dos militares judeus. Em contrapartida, quando resolve se concentrar nos protagonistas, Operação Final alcança um resultado bem mais interessante. No momento em que resolve se ater aos fatos, Weitz é cuidadoso ao mostrar o embate mental entre um fragilizado Adolf Eichmann e os angustiados agentes durante os nove dias em que eles foram obrigados a dividir o mesmo teto. Embora o impacto desta nebulosa figura junto aos judeus seja bem explorado ao longo do íntimo segundo ato, o longa acerta ao se concentrar na irritadiça figura de Peter e na sua perigosa tentativa de conquistar a confiança de um dos maiores “inquisidores” do seu povo. Com diálogos inteligentes, o realizador acerta ao não só “humanizar” a figura do nazista, como também ao construir o crescente jogo de manipulação entre os dois, alimentando as dúvidas do público quanto a real intenção deles.


É interessante ver como, contrariando os seus próprios sentimentos, Peter decide “dar corda” ao algoz da sua família, ouvi-lo, jogar o seu jogo, se expondo numa perigosa busca por respostas e pelo controle da situação. Enquanto o agente, para conseguir fazer jus a operação, precisa ceder emocionalmente num complexo processo de persuasão, o agora prisioneiro, na tentativa de narrar a sua perspectiva dos fatos, decide aceitar a sua posição de inferioridade. Uma relação perigosa, valorizada pela capacidade do roteiro em não se permitir acreditar nos gestos dos respectivos personagens. Sem medo de errar, é aqui que Operação Final realmente se garante como um bom entretenimento, principalmente por valorizar os bastidores, por expor a identidade de uma figura que num passado não muito distante foi capaz de atos tão atrozes. Um predicado, indiscutivelmente, valorizado pelas performances de Oscar Isaac e Ben Kingsley. Um dos novos rostos mais versáteis e talentosos de Hollywood, o ator guatemalteco convence como um homem andando no fio da navalha, uma figura abalada dividida entre a vingança e a justiça. Ora emotivo, ora explosivo, Isaac traduz com intensidade o estado de espírito de um judeu vítima do holocausto. Do outro lado da moeda, Kingsley entrega o seu melhor na construção de um nazista frágil e ao mesmo tempo dúbio. Com a fala mansa e um olhar frio de quem viu a face mais horrenda da Segunda Guerra, o veterano usa a voz da experiência ao dar vida a um tipo persuasivo, um agente do caos disposto a revelar a sua verdade.


Somado a isso, Chris Weitz capricha no visual de época do longa. Impulsionado pelo delicado trabalho da equipe de direção de arte, o realizador faz, em especial, um elegante uso do figurino, conferido uma interessante aura ‘noir’ a produção. Outro ponto que agrada, e muito, é a participativa trilha sonora de Alexander Desplat, eficaz ao ampliar o clima de tensão e dramaticidade em momentos chave da trama. Por fim, mesmo escorregando no terreno do sentimentalismo na sua última cena, Operação Final se revela um thriller funcional, uma obra envolvente que, embora subaproveite o seu próprio arco dramático em prol de soluções maniqueístas, consegue revelar a verdade sob uma perspectiva densa e intimista.


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