sábado, 6 de outubro de 2018

Deadpool 2

Mais ação, mais comédia, mais Deadpool, menos X-Force

Preciso confessar algo. O ‘hype’ me “cegou” para alguns dos problemas do primeiro Deadpool (2014). Num momento em que os filmes de super-heróis estavam começando a ficar caretas demais, foi difícil segurar a empolgação com a insana adaptação idealizada por Ryan Reynolds, uma obra precursora que ajudou a mostrar que um pouco de ousadia e agressividade não fariam mal ao gênero. E talvez pelo ineditismo o filme merecesse as quatro estrelas que eu dei na minha crítica na época do lançamento. Numa revisão futura, entretanto, as falhas ficaram mais evidentes. Enquanto comédia, na verdade, o original seguiu funcionando muito bem, principalmente por debochar do ‘status quo’ do segmento com inspiração e incorreção. Já como filme de super-herói, Deadpool ficou ligeiramente aquém das expectativas. Se deixarmos as espertas firulas narrativas de lado, o que sobra é uma aventura simples, com um vilão genérico, um arco vingativo requentado e (de fato) inventivas sequências de ação. Uma combinação (ainda assim) eficaz que fez do longa um dos mais criativos representantes do gênero na última década. Dito isso, é legal ver como o extravagante Deadpool 2 repara as pequenas falhas do seu antecessor com energia, indo além da comicidade do anti-heroico personagem título ao investir numa premissa mais engenhosa, em coadjuvantes de peso e num perspicaz\disfuncional arco familiar. Embora o fator originalidade se perca na continuação, a película agora dirigida por David Leitch (ou um dos caras que matou o cachorro do John Wick) consegue transitar entre a ação e a comédia com maior plasticidade, testando (mais uma vez) as expectativas do público ao entregar uma obra visualmente à altura do que vem sendo feito no gênero na atualidade. O resultado é uma combinação mais explosiva que, mesmo derrapando aqui ou ali, mostra astúcia ao rir de alguns velhos clichês do gênero com o padrão Deadpool de ironia. 



Confesso, porém, que cheguei a me preocupar com o rumo que o longa tomaria durante o irregular primeiro ato. E não propriamente por causa do Deadpool. Assim como no filme original, ele segue uma figura engraçadíssima, enfileirando piadas e gráficas sequências de ação com enorme fluidez. O problema parecia ser o rumo que o roteiro assinado por Rhett Reese, Paul Wernick e pelo próprio Ryan Reynolds escolheria tomar. Consciente da fragilidade do arco central no antecessor, o trio decidiu requentar alguns velhos clichês dos quadrinhos numa história de vingança\redenção mais sólida, tirando o inconsequente mercenário da sua “zona de conforto” ao mostrar que ele não era tão invulnerável assim. Ainda que, assim como no primeiro longa, a introdução dos conflitos do protagonista tenha sido feita com muito dinamismo, Ação e Comédia se confundem em cena com energia, por um momento eu cheguei a temer que o argumento fosse se levar a sério desta vez. O que seria, indiscutivelmente, um equívoco fatal. Até porque, eu não gastei o meu suado dinheiro para ver Deadpool, logo ele, reclamando das suas falhas e decisões. A dobradinha DC\Warner com Batman, Superman e Mulher Maravilha tem tentado fazer isso há tempos e o resultado não deu muito certo. Menos mal que, felizmente, logo o iminente problema se transforma no grande trunfo desta sequência. Isso porque, David Leitch é astuto ao subverter requentadas fórmulas a seu favor, usando alguns (inocentes) clichês do segmento apenas como um agente catalisador da história. Como o elo entre os seus sacanas personagens. Na trama, após sofrer um atentado, Deadpool recebe abrigo do gigante cromado Colossus e a chance de se tornar um X-Men. Mesmo diante de tamanho voto de confiança, o desbocado mercenário não demora muito para decepcionar o seu “amigo”, o que o leva a uma prisão de segurança máxima para mutantes. Nesse meio tempo, Deadpool conhece o raivoso Russel (Julian Dennison), um jovem criado num orfanato para mutantes que decide se vingar do administrador do local. Vendo no jovem a chance de se redimir, o anti-herói decide permanecer ao seu lado, sem sequer desconfiar que um caçador vindo do futuro, o mutante Cable (Josh Brolin), queria ver o garoto morto.


Indo de encontro ao longa anterior, Deadpool 2 é bem melhor resolvido quanto a utilização do seu ‘plot’. Curiosamente, entretanto, David Leitch esbanja perspicácia ao não se prender exageradamente ao arco central, utilizando o ‘background’ dos protagonistas apenas como uma descompromissada “desculpa” para reuni-los numa nova e violenta jornada. Sim, por mais que Deadpool, Cable e Russel sejam personagens com motivações bem mais sólidas\dramáticas que no original, e que elas sejam decisivas para o bom andamento da trama, o argumento entende, a meu ver acertadamente, que a força (e a originalidade) do filme estava basicamente na dinâmica entre os mutantes. Neste sentido, como não gargalhar, por exemplo, com a impagável relação homoafetiva entre o mercenário e Colossus, a conflituosa interação entre Deadpool e (a sua escada cômica) Cable e a instável amizade com Russel. Confiante na qualidade do texto e no poder de improviso do entrosado elenco, Leitch não se sente obrigado em construir uma continuação maior e mais impactante, mas em valorizar aquilo que melhor funcionou no longa anterior. O que não quer dizer que Deadpool 2 não tenha uma história funcional. Pelo contrário. Na comparação com o primeiro, a continuação entrega uma aventura “familiar” (ok, nem tão familiar assim) bem melhor desenvolvida, principalmente pela capacidade dos roteiristas em subverter alguns clichês típicos das sequências, entre eles a necessidade de ter um antagonista mais imponente, uma trama mais sóbria e a construção de um supergrupo. Tudo isso acontece aqui, mas não da forma como nós esperávamos. Se num primeiro momento o longa parecia apontar para um caminho seguro e extremamente previsível, aos poucos Leitch é sagaz ao quebrar as nossas expectativas, fugindo do lugar comum ao reciclar fórmulas com inventividade e uma destemida presença de espírito. O que fica bem claro, por exemplo, quando o assunto é a improvável utilização da X-Force, ou a sempre arriscada ausência de um vilão clássico dentro da história. A envolvente rixa entre Deadpool, Russel e Cable, por si só, é bem mais interessante do que qualquer arqui-inimigo genérico, como o esquecível Ajax, ou qualquer ameaça superpoderosa. Neste sentido, aliás, é nítido que Deadpool 2 busca referência no revigorante Guardiões da Galáxia Vol. 2 (2016), investindo numa descomplicada e cada vez mais rara estrutura episódica.


Não adianta. Por melhor (e mais bad-ass) que seja o Cable do “trincado” Josh Brolin. Por mais engraçado que seja o revoltado Russel do promissor Julian Dennison. A alma de Deadpool 2 está, mais uma vez, na sacana comicidade do anti-herói e na radiante performance de Ryan Reynolds. Indo além das constantes quebras de quarta parede e do impagável deboche metalinguístico, David Leitch surpreende ao entregar gags ainda mais insanas, se deliciando com o humor gráfico e de referência ao tirar do papel situações surtadas e genuinamente engraçadas. Como não citar, por exemplo, a sequência “das perninhas”, ou a desbocada relação “não correspondida” entre Deadpool e Russel. Óbvio que nem todas as tiradas funcionam, mas, diante da insana repetição de situações cômicas, é indiscutível Reynolds (e o versátil elenco de apoio) tem um índice de aproveitamento digno de nota. Não se engane, porém, com o constante viés cômico. Oriundo de uma das melhores franquias de ação da atualidade, Leitch não decepciona no que diz respeito aos embates entre os heróis. Com uma assinatura bem mais autoral, o realizador nos brinda com pelo menos três memoráveis sequências de ação, esbanjando dinamismo ao valorizar os confrontos físicos em detrimento das grandes batalhas. Vide a engenhosa cena do caminhão, um embate fluído e impactante potencializado pelas criativas coreografias e pela entrega da dupla Reynolds\Brolin. Não posso deixar de citar, aliás, a incrível presença da atriz Zazie Beets, que, na pele da sortuda Domino, protagoniza algumas das melhores e mais empolgantes cenas da película. Quando o assunto é o CGI, porém, a continuação segue aquém, ficando abaixo dos demais títulos do gênero tanto na composição dos personagens digitais, quanto na concepção dos repetitivos superpoderes.


No embalo da fantástica trilha sonora pop, as referências aos musicais, em especial, são estupidamente engraçadas, Deadpool 2 se revela uma continuação à altura da incorreção do original. O que, por si só, é um baita elogio. Embora tenha um primeiro ato relutante e perca (obviamente) no quesito originalidade, o longa compensa ao valorizar a zoeira entre os personagens, usando a sua competente trama a serviço de uma inusitada trupe de heróis numa transloucada sucessão de inteligentes subversões narrativas. Um improvável filme “family friendly” para adultos.

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