sábado, 14 de abril de 2018

Diretor de Um Estranho no Ninho e Amadeus, Milos Forman morre aos 86 anos


O mundo do cinema perdeu uma das suas mais imponentes vozes. Faleceu na noite da última sexta-feira (13), aos 86 anos, o talentoso (quiçá genial) diretor Milos Forman. De acordo com a esposa do realizador, Martina Zborilova, "sua partida foi calma, e ele estava rodeado por toda sua família e seus amigos mais próximos". Nascido na República Checa, Forman construiu uma filmografia marcante. Embora valorizasse a grandiosidade cênica nos seus projetos, o cineasta era um mestre na arte de realçar o elemento humano, a força motora dos seus singulares personagens. Órfão da Segunda Guerra Mundial, a sua mãe morreu em Auschwitz em 1943, o seu pai em Bunchenwald em 1944, o cineasta desenvolveu um olhar inquieto e realístico, uma visão geralmente irônica sobre a loucura que nos cerca. Roteirista formado na Prague Film Academy, Formam ganhou os holofotes ainda na antiga Tchecoslováquia com as comédias Os Amores de uma Loira (1965) e O Baile dos Bombeiros (1967). Indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro com os dois projetos, Formam ganhou status em Hollywood, o que lhe rendeu o convite para dirigir Os Amores de uma Adolescente (1971). Recebido de maneira morna nos EUA, o longa teve sorte melhor no Reino Unido, conquistando seis indicações ao Bafta, o Oscar do cinema inglês.



Foi no seu projeto seguinte, porém, que Milos Forman se colocaria entre os gigantes da Sétima Arte. Um dos filmes mais influentes da sua época, Um Estranho no Ninho (1975) se revelou um relato primoroso sobre o indomável espírito humano. Crítico, cômico e naturalmente envolvente, o longa encantou plateias ao redor do mundo ao narrar a jornada de um homem incorrigível diagnosticado como louco. Além de catapultar de vez a carreira de Jack Nicholson, a inspiradora comédia dramática conquistou a crítica especializada, se tornando apenas o segundo filme na história ao levar os cinco principais prêmios do Oscar (Melhor Filme, Direção, Ator, Atriz e Roteiro). Quatro anos mais tarde, Forman voltaria aos holofotes ao traduzir o espírito de uma geração no cultuado Hair (1979). No auge da Guerra do Vietnã, o realizador mostrou a sua sagacidade temática ao adaptar este musical da Broadway sobre um jovem encantado por um grupo de ‘hippies’ às vésperas do embarque para o combate. Recheado de fantásticos números musicais, o longa conseguiu capturar o espírito libertário deste movimento, presenteando o público com uma obra ainda hoje influente. Já em 1981, o cineasta voltou para o início do século XX no grandioso Na Época do Ragtime. Numa crônica sobre a realidade da época, Formam se insurgiu contra a injustiça social e o preconceito, mostrando o impacto da segregação sob um prisma raivoso e questionador. Uma obra audaciosa.


Enfileirando sucessos, Milos Forman decidiu simplesmente tentar capturar a genialidade do legendário Mozart no fantástico Amadeus (1984). E ele conseguiu com louvor! Referência quando o assunto é o universo das cinebiografias, o longa estrelado por Tom Hulce transportou o espectador para o século XVIII ao se encantar pela excentricidade genial do maestro, ao mostrar as suas rixas, a sua obstinação, a sua imponência e o virtuosismo artístico de um homem que entregou a sua vida em prol da sua arte. Contrariando as expectativas, Forman se distanciou do retrato convencional ao entender Mozart sob a perspectiva do seu “rival”, o inconformado Antonio Salieri (F. Murray Abraham), uma opção enérgica que ajudou a fazer de Amadeus uma genuína obra prima vencedora de oito Oscars. Um filme à altura do legado do seu biografado. Após voltar ao drama de época no morno Valmont (1989), o realizador voltou as suas irônicas origens ao levar para a tela grande a história do criador da revista Hustler no ótimo O Povo Contra Larry Flint (1996). Com Woody Harrelson numa performance memorável, o longa se encantou pela expansividade irreverente de Flint, que, devido a sua verborrágica postura questionadora e a infame linha editorial da sua revista, entrou na mira da justiça norte-americana numa batalha que custou muito mais do que alguns milhões de dólares. Num relato íntimo, Forman se encantou pela persona excêntrica de Flint, pelos seus vícios e virtudes, nos brindando com um instigante filme de tribunal.


Acostumado a dar vida a tipos excêntricos, Milos Forman sentiu na pele o impacto da excentricidade durante as caóticas filmagens de O Mundo De Andy (1999), talvez o seu último grande trabalho em Hollywood. Numa cinebiografia inspirada na vida e na obra do comediante Andy Kaufman, o cineasta experimentou uma situação rara na sua carreira ao trabalhar com o então astro Jim Carrey e o seu estrambólico método de atuação. Disposto a sumir dentro do seu personagem, a estrela de O Máskara e Ace Ventura resolveu agir como se fosse Kaufman, a viver como ele, a andar como ele, a reproduzir seus maneirismos, a sua personalidade. Durante as filmagens, inclusive, Carrey começou a agir também como o infame alter-ego do humorista, o desagradável Tony Clifton. Com um comportamento completamente fora do normal, o ator levou todos ao limite da sanidade com piadas, atitudes agressivas e muito bullying. Forman, porém, com quase quarenta anos dedicados ao cinema, não só não condenou a postura de Carrey, como também o incentivou, comprou a “brincadeira”, extraindo o máximo do seu comandado numa cinebiografia que envelheceu muitíssimo bem. Todo o inusitado processo de filmagens, aliás, foi dissecado com intimismo no extraordinário documentário Jim e Andy, um recorte precioso sobre os bastidores desta improvável produção. Apesar do êxito de O Mundo de Andy, entretanto, os últimos anos de Milos Forman foram marcados por poucos e medianos trabalhos. Enquanto em 2006 o realizador dirigiu Os Fantasmas de Goya, em 2009 ele voltou a sua terra natal para filmar o musical Dobre placená procházka.


Em entrevista ao Jornal O Globo, em 2014, Milos Forman falou sobre a sua aposentadoria e culpou a idade pela falta de trabalhos mais expressivos na fase final da sua carreira. “Quem tem dois Oscars (o outro foi por Amadeus) na estante consegue filmar sempre, mesmo quando os projetos não são muito comerciais. Dinheiro sempre aparece. O que não aparece mais é a juventude. (...) Quero me aposentar porque acabou o desejo. Fazer cinema é como amar: você tem que sentir um frio na barriga a cada nova paixão. Eu não sinto mais essa sensação. Então não há o que contar. E, no meu caso, se não há desejo, não há como dar prosseguimento ao tipo de obra que eu construí, centrada no embate entre o indivíduo e as instituições. do espectador, do crítico. (...) É a sensação de que não há mais interesse pela verdade individual. Ninguém mais quer se debruçar sobre o ponto de vista de um autor e dissecar seus sentimentos. E cinema para mim é compartilhar verdades minhas e trocá-las pelas verdades dos outros, a verdade do crítico, a verdade do espectador”, sintetizou ainda em vida um realizador consciente da força da sua obra. Um realizador encantado pela natureza humana dos seus personagens, Milos Forman construiu uma filmografia singular ao longo de oito décadas de vida, nos brindando com uma visão de cinema\mundo enérgica e particular. Indiscutivelmente, um gigante da Sétima Arte. O que fica bem claro com as manifestações de carinho e a reverência de outros grandes realizadores de Hollywood.

- Ron Howard (Uma Mente Brilhante)

Um dos maiores cineastas do mundo. Descanse em paz Milos Forman. Vejam a sua filmografia e assistam a um dos seus filmes neste final de semana em sua honra."

- James Mangold (Logan)

“Triste em saber da morte de um dos grandes professores da minha vida, Milos Forman. Ele deixou uma bela e artística coleção de filmes comoventes e outros estudantes tocaram sua generosidade, charme e brilho. Descanse em paz”.

- Mia Farrow (A Rosa Púrpura do Cairo)

“Prova que até o mais brilhante dos cineastas pode ser infalivelmente generoso, bondoso e leal. Muito obrigado Milos Forman.”

- Antonio Banderas (A Pele que eu Habito)

“Milos Forman nos deixou. Gênio da cinematografia e mestre em retratar a condição humana. Descanse em paz”.

- Edgar Wright (Em Ritmo de Fuga)

“Muito triste ouvir que o grande diretor Miloš Forman faleceu. Ele tinha uma grande filmografia que documentava o coração rebelde e o espírito humano. Eu vi Um Estranho no Ninho vezes o suficiente para ser capaz de dubla-lo silenciosamente junto com o filme. Rip.”

- Jim Carrey (Todo Poderoso)

“Outro grande passa pela porta. Milos Foreman. Que força. Um homem adorável. Fico feliz por termos trabalhado juntos. Foi uma experiência monumental. ;^)”

- Danny DeVito (Um Estranho no Ninho)
"Milos, o magnífico! Honrando a sua memória fumando um cigarro, erguendo um drink e gritando 'Hovno, hovno, hovno'"

- M. Night Shyamalan (O Sexto Sentido)
"Descanse em paz Milos Forman. Um verdadeiro ícone do cinema e um herói para mim. Tive a honra de jantar com ele uma vez. Ele foi tão gentil comigo."

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