segunda-feira, 16 de abril de 2018

Dez Ótimos Filmes sobre o Drama dos Imigrantes ao Redor do Mundo


Sírios, venezuelanos, africanos, latinos, o drama dos imigrantes ao redor do mundo tem tomado conta dos principais telejornais nos últimos anos e causado uma justa comoção social. Para fugir da guerra, de governos totalitários, da desigualdade social e\ou da miséria, muitos decidiram se arriscar em uma degradante jornada, buscando melhores condições em países que nem sempre estão aberto a presença estrangeira. O resultado são imagens chocantes, notícias desoladoras, uma enxurrada de fatos que, logicamente, não passou despercebido pelo faro de alguns grandes realizadores. Lá em 1917, por exemplo, o genial Charles Chaplin resolveu expor as mazelas enfrentadas pelos resilientes viajantes com o seu afiado senso de humor no extraordinário O Imigrante. Anos mais tarde, os expoentes da Nova Hollywood Frances Ford Coppola e Brian de Palma usaram os clássicos O Poderoso Chefão – Parte II (1974) e Scarface (1983) para refletir sobre a falta de oportunidades dos imigrantes em solo norte-americano em duas verdadeiras pérolas sobre a consolidação do crime organizado. Já o veterano Martin Scorsese voltou no tempo para defender a importância estrangeira na construção da identidade norte-americana no agressivo Gangues de Nova Iorque (2002). Nos últimos anos, porém, alguns filmes decidiram abordar a crise da imigração sob um prisma mais contemporâneo. Recentemente, em especial, o extraordinário O Outro Lado da Esperança (2017) conseguiu colocar o dedo na ferida ao tratar o desdém governamental para com a figura do refugiado, nos brindando com uma obra densa, irônica e genuinamente humanitária. Diante deste tema tão urgente, neste artigo confira uma lista com dez ótimos filmes sobre a dramática situação dos imigrantes em território estrangeiro. 

- Rio Congelado (2008) 


Forte e envolvente, Rio Congelado é um drama áspero que não merece cair no esquecimento. Com uma atmosfera gélida e propositalmente desconfortável, o longa dirigido por Courtney Hunt instiga ao narrar a jornada da amoral Ray, uma mãe solteira com problemas financeiros que encontra o seu "pote de ouro" ao se tornar uma espécie de "coiote" na fronteira dos EUA com o Canadá. Impulsionada pela estupenda performance de Melissa Leo, impecável ao dar vida a uma mulher audaciosa engolida por um perigoso "esquema”, Hunt é habilidosa ao explorar o ar preconceituoso da personagem, um elemento potencializado com o surgimento da nativa Lila (Misty Upham). A partir desta conturbada relação, a realizadora brilha ao realçar o fator humano na crescente interação entre as protagonistas, duas mulheres de origem distinta, mas com dilemas muito semelhantes. Além disso, na transição do segundo para o último ato, o argumento ganha uma generosa dose de tensão ao trazer as questões morais para o centro da trama, culminando num clímax denso e desconcertante. Numa abordagem realísitca, o longa é incisivo ao mostrar a situação de indignidade e vulnerabilidade do imigrante durante a travessia do México para os EUA, um relato cru potencializado pela direção nervosa de Hunt. Em suma, com diálogos intensos, uma fotografia gélida nebulosa e marcantes personagens, Rio Congelado instiga ao valorizar as nuances e a frieza em torno da espinhosa jornada das suas protagonistas. Quando o assunto é realidade dos mexicanos em solo americano, aliás, outro filme que merece destaque é o comovente Uma Vida Melhor (2011). Com Damiam Bichir na pele de um imigrante preocupado com o futuro do seu filho, o longa avança na equação ao mostrar a realidade uma geração de latinos nascidos nos EUA, expondo a desigualdade e a influência do crime organizado na rotina de muitos jovens. 

- Deus Branco (2014) 


Recebido com entusiasmo na edição 2014 do Festival de Cannes, onde faturou, inclusive, o concorrido prêmio na mostra Un Certain Regard, Deus Branco é um daqueles trágicos relatos que parecem se antecipar aos fatos. Isso porque, um ano depois do lançamento do longa, a Hungria se viu no centro da crise dos refugiados sírios, uma situação calamitosa que rendeu uma série de relatos desoladores, entre eles a amplamente divulgada agressão de uma cinegrafista a um dos expatriados. Não se engane, porém, com a aparente especificidade do enredo. Conduzido com intensidade por Kornél Mundruczó, o longa esbanja originalidade ao propor um corajoso duelo de classes dentro de um cenário absolutamente singular. Ainda que a temática em questão não seja propriamente uma novidade, o realizador coloca o dedo na ferida ao expor sob um primitivo ponto de vista o impacto da violência e da desigualdade na rotina dos marginalizados, utilizando o "melhor amigo do homem" como o instrumento para a construção de uma mensagem universal e naturalmente devastadora. Numa sacada de mestre, ao invés de retratar esta dolorosa realidade dentro de uma perspectiva mais tradicional, Mundruczó volta a sua inventiva mira para o universo canino, escancarando através destes simpáticos animais a faceta mais hostil e desprezível dos seres humanos. No que diz respeito as fábulas, aliás, não podemos deixar de citar o igualmente fantástico Distrito 9 (2009), uma poderosa crítica social sobre a situação dos negros em solo africano. Numa metáfora sagaz, Neil Blomkamp usa um grupo alienígenas como um símbolo, apontando a sua mira para o fantasma do Aparthaid ao discorrer sobre a condição de um marginalizado (imigrante, refugiado, segregado) num contexto indiscutivelmente atual. 

- Brooklyn (2015) 


Belo e revigorante, Brooklyn é um filme apaixonante, um romance delicado e genuinamente feminino que surgiu como um radiante facho de luz no acinzentado radar de Hollywood. Fiel ao padrão de qualidade do cinema britânico, reconhecidamente uma fonte de inspiração dentro deste desgastado segmento, o longa dirigido por John Crowley se revela uma história extremamente humana, um relato comovente sobre uma jovem dividida entre a razão e a emoção. Sem nunca julgar as atitudes dos seus personagens, o realizador irlandês esbanja sensibilidade ao falar sobre o amor no seu sentido mais amplo, indo além dos açucarados clichês românticos ao valorizar sentimentos tão puros. Impulsionado pelo fantástico roteiro e pela acolhedora atmosfera cinquentista, Crowley constrói uma película recheada de predicados estéticos e narrativos, uma obra com natureza otimista capaz de nos fazer enxergar o melhor do ser humano. Além disso, o longa é inteligente ao acompanhar a ascensão de uma independente figura feminina, a origem do arquétipo da mulher moderna, um arco relevante defendido com maestria pela talentosa jovem Saoirse Ronan. E isso dentro de um contexto extremamente atual, a delicada situação de uma imigrante em solo estrangeiro, o que faz de Brooklyn um relato precioso sobre os obstáculos enfrentados por àqueles que só queriam ter uma chance para viver o tão comentado “sonho americano”. Outro filme interessante sobre o tema, aliás, é o comovente Terra dos Sonhos (2002), um drama delicado sobre o processo de adaptação de uma família irlandesa diante da miséria e do desamparo. 

- Era uma Vez em Nova Iorque (2013) 


Recebido de forma apática no Festival de Cannes 2013, o novo longa do diretor James Gray mostra sobriedade ao recriar as dificuldades durante o processo de imigração nos EUA, na década de 1920. Neto de imigrantes russos judeus, que se submeteram a essa mesma situação no início do século XX, Gray tenta em Era uma Vez em Nova York questionar o processo de aceitação dos estrangeiros em terras norte-americanas, colocando em cheque a fábula do sonho americano. Para isso, o realizador aposta numa bela fotografia de época, na própria experiência familiar, e no reconhecido talento do ator Joaquin Phoenix, juntos em seu terceiro trabalho. Através de um envolvente triângulo amoroso, o realizador é elegante ao expor o frágil panorama de uma bela imigrante, refletindo sobre questões atuais ao mostrar o impacto da prostituição e da degradação na personalidade de uma mulher que só queria fugir da miséria. Um relato incrementado pela errática presença de Marion Cottilard, esquálida ao interiorizar os contrastantes sentimentos de uma figura castigada. 

- Dheepan: O Refúgio (2015) 


O mundo tem se chocado dia após dia com os dolorosos relatos envolvendo o drama dos refugiados sírios. Numa crise sem precedentes, marcada pela guerra civil e pela pobreza, milhões de habitantes resolveram se arriscar em perigosas viagens rumo à Europa, mesmo sem saber se encontrarão abrigo em países como a Grécia, a Hungria, a Áustria e principalmente a Alemanha. Inserido neste cenário desolador, Dheepan: O Refúgio se revela um relato precioso sobre o processo de integração dos imigrantes em um novo país. Conduzido com extrema categoria por Jaques Audiard (do ótimo Ferrugem e Osso), o longa promove uma abordagem naturalista ao acompanhar a dinâmica relação de uma "família" do Sri-Lanka em solo francês. Estrelado por três rostos desconhecidos, este intenso drama é competente ao construir um argumento recheado de personagens multidimensionais em dilemas totalmente humanos. Colocando em cheque a reconhecida xenofobia do povo francês, o argumento assinado pelo próprio Audiard, ao lado de Thomas Bidegain e Noé Debré, é inspirado ao criar uma atmosfera veladamente explosiva. Com astucia e contundência, o realizador francês demonstra objetividade ao evidenciar a posição de inferioridade do imigrante em uma nova e naturalmente hostil sociedade. Barreira do idioma, desemprego, preconceito, violência, esses e alguns outros desafios pontuam a trama de maneira honesta, incrementando a jornada de Dheepan (Jesuthasan Antonythasan). O resultado é um relato realista e naturalista que culmina num clímax impactante. 

- Um Conto Chinês (2011) 


Versátil, Ricardo Darín mostrou um afiado 'timing' cômico no excelente Um Conto Chinês. Na pele de um ranzinza e pragmático vendedor, o experiente ator argentino se tornou a alma do longa dirigido e roterizado por Sebastián Borensztein. Numa comédia que flerta constantemente com o absurdo, Darín interpreta Roberto, o dono de uma loja de ferragens que vê a sua metódica rotina virar de cabeça para baixo quando um chinês (Ignacio Huang) é "abandonado" perto da sua loja. Inicialmente relutante, ele resolve hospedar o assustado asiático na sua casa, sem saber que aquele solitário homem poderia mudar a sua vida de uma vez por todas. Impecável ao explorar as diferenças culturais e as falhas de comunicação entre o argentino e o chinês, o longa arranca sinceras risadas ao compor esta improvável parceria. Entrosados em cena, Darín e Huang seguram o filme sem qualquer dificuldade, dando vida a uma relação de amizade marcada pelas constantes brigas e pela crescente cumplicidade entre os dois. Além disso, o filme tece um leve e delicado comentário sobre a situação de desamparo de um imigrante, sobre alguns dos problemas mais recorrentes neste cenário, entre eles a falta de emprego, as barreiras linguísticas, a solidão e os traumas passados que os levaram a tal mudança. Em suma, Um Conto Chinês é uma comédia original e despretensiosa que se tornou um dos grandes sucessos comerciais da carreira de Ricardo Darín, levando mais de um milhão de pessoas aos cinemas argentinos. 

- Biutiful (2010) 


Embora não seja um filme propriamente sobre um imigrante, Biutiful causa desconforto ao revelar a devastadora situação destas famílias estrangeiras numa grande capital. Sob a crítica batuta de Alejandro G. Iñarritu, o longa estrelado pelo intenso Javier Bardem coloca o dedo na ferida ao narrar a desventurada jornada de um doente terminal que decide fazer dinheiro no submundo dos negócios ilegais para deixar os seus queridos filhos numa condição melhor. Numa crônica contundente, Iñarritu usa este personagem como uma espécie de interlocutor, o elo entre o público e esta degradante realidade. Através dos seus olhos percebemos o quão vulnerável é a situação dos imigrantes, enxergamos a falta de oportunidades, o desleixo estatal e os interesses escusos por trás da entrada destes imigrantes. Tráfico, mão de obra barata, exploração, este e outros temas permeiam a trama com propriedade, expondo uma verdade que alguns, infelizmente, insistem em renegar. Assim como Biutiful, aliás, outros filmes usaram o drama dos refugiados\imigrantes como um incisivo pano de fundo para suas histórias, com destaque para títulos do porte de A Promessa (1996), Senhores do Crime (2007) e o recente A Garota Desconhecida (2016) trouxeram o tema dentro de um contexto assustadoramente atual. 

- Filhos da Esperança (2006) 


Uma obra com inúmeras camadas e interpretações, Filhos da Esperança é, possivelmente, o melhor filme desta lista. Sob a batuta crítica de Alfonso Cuarón, o longa nos levou para um futuro distópico em que o ser humano perdeu a capacidade de ser reproduzir. Com o Reino Unido em colapso, um ex-ativista incrédulo vê a sua rotina ganhar um novo sentido no momento em que encontra uma jovem negra e imigrante grávida. Numa crítica poderosa, o realizador mexicano aponta a sua mira para as grandes metrópoles ao refletir sobre a crise moral e humanitária, transformando os marginalizados num símbolo de esperança e resistência. Recheada de sequências assombrosas, Filhos da Esperança conquistou o público e a crítica ao tratar este espinhoso tema como uma espécie de guerra civil, discorrendo sobre as nossas responsabilidades diante deste dramático cenário. Um filme poderoso recheado de cenas impactantes e um dos mais memoráveis planos sequências da história recente do cinema. 

- O Visitante (2007) 


Crítico e extremamente humano, O Visitante rompe com qualquer estereótipo envolvendo a figura do imigrante ao trata-lo como parte integrante de uma nova sociedade. Sob a batuta do talentoso Tom McCarthy, o longa, lançado no final da Era Bush, é delicadamente realístico ao mostrar a dura realidade dos estrangeiros ilegais sob um prisma íntimo e respeitoso. Estrelado pelo talentoso Richard Jenkins, um ator de papéis coadjuvantes que, aqui, tem a oportunidade de evidenciar a sua intensidade em cena, o longa envolve ao narrar a jornada de um solitário professor que, ao voltar para o seu velho apartamento em nova-iorque, descobre que ele foi “invadido” por dois imigrantes, o comunicativo Tarek (Haaz Sleiman) e a batalhadora Zainab (Danai Guria). Comovido pela situação dos dois, ele decide compartilhar o seu teto com os inesperados ocupantes, iniciando uma sincera relação de amizade e companheirismo. Sem a intenção de esconder do público a realidade dos estrangeiros, McCarthy esbanja sutileza ao mostrar a rotina dos imigrantes, ao revelar as suas raízes, o seu trabalho e a sua vulnerável situação diante da opressiva presença dos órgãos de imigração norte-americana. Tarik e Zainab se revelam personagens tridimensionais, com anseios, medos, responsabilidades. São dois estrangeiros comuns buscando apenas levar a sua vida da maneira mais digna possível nos EUA. Não demora muito, porém, para o realizador expor a sua crítica contra as rígidas leis de imigração norte-americana. Quando necessário, McCarthy parte o nosso coração ao escancarar tanto a desoladora situação dos já adaptados estrangeiros ilegais, quanto a desorganizada política de deportação do país, nos brindando com um clímax singelo e ao mesmo tempo revoltante. Ao atribuir uma identidade própria aos dois, o longa reforça a dor da separação, dos vínculos sumariamente rompidos, o triste destino de muitas famílias diante do falacioso fim do sonho americano. Na verdade, muito mais do que um belo drama, O Visitante encanta justamente por dar esta voz aos “esquecidos”, àqueles que, pelos pecados de uma ínfima minoria, viram a sua estabelecida realidade ser virada de cabeça para baixo de maneira cruel, indigna e autoritária. E quando o assunto é a política imigratória norte-americana, o drama Olhos Azuis (2009) merece uma menção, principalmente por mostrar o impacto de uma análise injusta na vida de um homem comum. 

- O Porto (2011) 


“Milagres acontecem. Doutor, onde eu moro não existem milagres.” O diretor Aki Kaurismäki pode não crer em milagres (no sentido religioso), mas acredita na bondade humana. Mais do que isso. Em seus projetos, o realizador finlandês tenta exaltar o melhor do ser humano numa sociedade tóxica e desigual, usando o seu singular senso de humor em prol de histórias humanas e comoventes. O que fica bem claro no cativante O Porto, um relato esperançoso (e um tanto quanto utópico) sobre a crise dos refugiados em solo Europeu. Com a sua crítica visão de mundo, o diretor nos brinda com uma obra revigorante, um filme simples e incisivo sobre um humilde engraxate que, contrariando as suas expectativas financeiras, decide ajudar um jovem imigrante africano a encontrar a sua mãe. Apesar da roupagem ‘feel good’, Kaurismaki é cuidadoso ao encarar o problema de frente, ao traduzir não só o altruísmo de um grupo de “marginalizados”, como também o misto de dor, vulnerabilidade e revolta dos envolvidos. Com um autoral senso de direção, o finlandês interfere constantemente na ação ao permitir que os atores olhem diretamente para a câmera, capturando com intimismo os sentimentos dos personagens num tom quase documental. Na verdade, eles estão olhando para gente, clamando por ajuda diante da inércia social para temas tão urgentes. Neste sentido, aliás, Marcel Marx (André Wilms) surge como um herói comum, um tipo obstinado e compreensivo que parece ter herdado a veia humanitária de alguns personagens dos gênios Charlie Chaplin e Frank Capra. Assim como em Outro Lado da Esperança, porém, o realizador se preocupa também com o senso de entretenimento. Sempre que possível, ele encontra brechas para investir em situações naturalmente irônicas, extraindo o máximo do seu entrosado elenco ao estreitar o vínculo entre os personagens através do humor. O resultado é uma obra corajosa, um filme disposto a sacudir o público ao defender simplesmente o valor das boas ações.

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