sábado, 22 de abril de 2017

Do Fundo do Baú (Um Estranho no Ninho)

Um dos três* únicos filmes a levar para a casa as cinco principais estatuetas do Oscar, entre elas a de Melhor Filme e Direção, Um Estranho no Ninho (1975) é um drama com o selo de insanidade do extraordinário Jack Nicholson. Antes de brilhar na pele de um instável pai em O Iluminado (1980), como o icônico Coringa em Batman (1989), como um metódico vizinho em Melhor é Impossível (1997) e como um excêntrico mafioso em Os Infiltrados (2006), este inestimável nome do cinema americano abraça a loucura ao entregar uma das performances mais humanas da sua carreira. Sob a batuta do excelente Milos Forman, do épico musical Amadeus (1984), Nicholson enche a tela de energia ao dar vida a um homem capaz de enxergar toda a crueldade presente numa instituição para doentes mentais. Mais do que um grito de alerta envolvendo a maneira inacreditável com que os pacientes eram tratados na época, Um Estranho no Ninho é um longa sobre companheirismo e igualdade. Um relato comovente potencializado pelas extraordinárias atuações e pela honestidade com que aborda um tema tão delicado. 



Inspirado no livro de Ken Kesey, um ex-funcionário de um centro psicológico que usou as suas experiências na instituição como base para a sua obra, Um Estranho no Ninho narra as desventuras de McMurphy (Nicholson, excepcional como um expansivo prisioneiro), um homem brigão que é tratado como louco e levado para um hospital para doentes mentais. Detido num regime bem mais "confortável", ele resolve comprar a ideia e não faz qualquer esforço para modificar a impressão dos superiores. Ao lado do retraído Billy (Brad Dourif, brilhante ao capturar a postura acuada e a gagueira do interno), do complexado Cheswick (Sydney Lassick, comovente ao traduzir os surtos do seu frágil personagem), do calado Chefe Bromdem (Will Sampson, impecável ao absorver o misto de serenidade e fidelidade do nativo americano), do simpático Martini (Dany DeVitto, hilário) e do ressabiado Harding (William Redfield), o novo interno não demora muito para se adaptar ao local, criando uma forte conexão com os seus parceiros de sanatório. A sua nítida influência sobre eles, entretanto, logo se torna um problema para venenosa enfermeira Ratched (Louise Fletcher, positivamente detestável), uma mulher intransigente que vê a sua imposição perder força no momento em que os seus pacientes começam a experimentar um novo e amistoso tratamento: a compreensão. 


Conduzido com maestria por Milos Forman, o longa, num primeiro momento, é propositalmente frio ao introduzir este cenário triste e doloroso. Numa sacada inspirada, incrementada pela asseada fotografia acinzentada de Haskell Wexler (No Calor da Noite), o realizador checo é perspicaz ao expor os internos como a instituição os via, realçando a loucura, a instabilidade e o completo distanciamento deles. Inserido neste ambiente, o indomável McMurphy surge como um agente catalisado, uma figura humana que não demora muito para enxergar os conflitos mais íntimos dos seus colegas e trata-los como iguais. Com um ritmo envolvente e um excelente texto, Forman utiliza o protagonista como uma espécie de interlocutor, o homem capaz de mudar a nossa perspectiva sobre aquele universo. 


Através do olhar deste "estranho", o diretor é cuidadoso ao investigar os anseios dos seus principais personagens, ao extrair a realidade presente neste ambiente opressor, permitindo que o espectador não só se encante pela forte relação de amizade entre eles, como também compreenda o que os levaram aquela determinada situação. Somado a isso, mais do que tecer uma corajosa crítica envolvendo o grosseiro 'modus operandi' das instituições mentais na década de 1970, o que fica bem claro dentro do surpreendente clímax, Forman parece interessado em defender uma solução terapêutica mais humana e igualitária. Em sua mais pura essência, portanto, Um Estranho no Ninho se revela então um filme sobre o poder do diálogo, sobre a capacidade de compreender e ser compreendido. 

(*) Os outros dois são Aconteceu Naquela Noite (1934) e O Silêncio dos Inocentes (1991).

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