Uma fábula mágica para
adultos e crianças
Do visionário estúdio Laika, o mesmo dos excepcionais A Noiva Cadáver
(2005), Coraline e o Mundo Secreto (2009) e Paranorman (2012), Kubo e as Cordas
Mágicas é uma fábula comovente e esteticamente exuberante que fascina por sua
inesperada densidade. Por trás da típica jornada do herói, o longa dirigido por
Travis Knight esconde uma poderosa mensagem de amadurecimento, um argumento
capaz de lidar com temas como a morte, a dor da perda, a fé e a responsabilidade
precoce sob um ponto de vista lúdico e universal. Sem nunca subestimar a
inteligência do espectador, o longa faz um excelente uso da rica cultura
japonesa ao investir numa trama aventureira, mas recheada de simbolismos,
permitindo que adultos e crianças possam criar uma sincera conexão com o
pequeno Kubo. E como se isso não fosse o bastante, Knight nos presenteia com
uma das animações mais belas e engenhosas deste respeitado estúdio, um trabalho
mágico e imponente que faz jus às mais elogiadas produções do aclamado e
nipônico Hayao Miyazaki.
Bebendo da
fonte de algumas das mais icônicas produções do estúdio Ghibli, entre elas o
magnífico A Viagem de Chihiro (2001), Kubo e as Cordas Mágicas presta uma
espécie de homenagem ao clássico de Miyazaki. Assim como na animação japonesa,
o argumento assinado por Marc Haimes, Chris Butler e Shannon Tindle esbanja
sutileza ao se apropriar do tom fabulesco, dando contornos mais profundos a uma
premissa aparentemente inofensiva. Numa comparação livre, enquanto A Viagem
fala sobre a chegada da vida adulta sob o curioso prisma de uma garotinha
mimada, Kubo se volta para questões mais íntimas e dolorosas, temas espinhosos
desenvolvidos com substância ao longo da imaginativa jornada do protagonista.
Na trama conhecemos o pequeno Kubo, um cativante menino que utilizava a sua
criatividade para sustentar a sua depressiva mãe. Ainda abalada pela morte do
marido, um lendário samurai, ela encontrava forças somente para narrar os
feitos do seu grande amor, abastecendo o jovem com altruístas histórias
envolvendo batalhas contra criaturas espirituais e gestos de bravura. Obrigado
a voltar para casa sempre antes do anoitecer, a rotina do pequeno Kubo é abalada
quando ele descobre que as histórias da sua mãe eram reais e que forças
maléficas estavam dispostas a leva-lo para um mundo de sombras e desesperança.
Despreparado e sozinho, ele se une a uma protetora macaca e a um desastrado
besouro na busca pelas peças da antiga armadura do seu pai, um artefato
poderoso que poderia significar a sua vitória contra estas implacáveis
criaturas.
Se analisado a grosso modo, Kubo e as Cordas Mágicas parece uma
daquelas singelas histórias envolvendo o mito da jornada do herói. Apesar da capacidade
do protagonista em manipular o papel, o que, diga-se de passagem, se revela uma
inspirada homenagem ao lado mais artesanal por trás da técnica stop-motion,
temos um garoto comum, com uma rotina pacata que repentinamente se vê no centro
de uma trama com criaturas espirituais, artefatos mágicos e oponentes
superpoderosos. Uma fórmula tradicional que, quando bem utilizada, costuma render
grandes histórias, vide o sucesso de franquias do porte de Star Wars, O Senhor
dos Anéis e Harry Potter. O que, de fato, acontece aqui. Com o ímpeto
necessário para traduzir as consequências deste embate, Travis Knight se
esquiva do teor condescendente ao criar uma aventura mágica, mas realística, um
longa corajoso e visualmente primoroso que se sustentaria facilmente nas
desventuras deste pequeno guerreiro.
Impulsionado pelo virtuoso trabalho da equipe de animadores, o
realizador esbanja categoria ao compor tanto as cenas em menor escala, como as
lúdicas apresentações em origami do pequeno Kubo, quanto às sequências em grande
escala, como a espetacular luta no navio de papel ou o embate do trio contra um
gigantesco esqueleto. Indo da ação aos momentos mais densos com extremo domínio
narrativo, Knight constrói uma série de sequências memoráveis, momentos capazes
de gerar um misto de emoção, empolgação e fascínio até no espectador mais
experimentado. O diretor, aliás, é igualmente inventivo ao explorar os vastos e
coloridos cenários, uma ambientação engenhosa e genuinamente nipônica que se
torna facilmente um dos pontos altos do longa. Além disso, como se não bastasse
a expressiva modelagem dos personagens, um predicado que se torna evidente nas
cenas em que o ar debochado do protagonista se aflora, Travis Knight alcança
um patamar poucas vezes visto no gênero no que diz respeito a mobilidade dos
protagonistas e a relação deles com as detalhistas paisagens. Por diversas
vezes, inclusive, me peguei pensando que estava diante de uma animação da
Dreamworks, tamanha a fluidez e o ritmo ágil dos confrontos físicos nos momentos
mais grandiosos.
O que diferencia Kubo e as Cordas Mágicas dos demais títulos do gênero,
no entanto, é o teor metafórico desta fábula. Por mais que o arco envolvendo o
amadurecimento do personagem seja óbvio, nas entrelinhas o argumento é sutil ao
transitar por temas mais delicados. Numa interpretação profunda, é possível
perceber que o longa fala com propriedade sobre temas como a morte, a perda da
infância e a dor do luto. Ao estabelecer o pequeno Kubo como uma figura
imaginativa, Travis Knight adiciona uma bem vinda ambiguidade ao filme,
permitindo que o público enxergue a jornada do garoto como uma espécie de
alegoria, a luta de uma criança amedrontada que tenta encontrar neste mundo de
magia as forças para superar este momento turbulento. Através de diálogos preciosos e sequências
intimistas, o realizador é habilidoso ao estabelecer os dilemas do
protagonista, entre eles a sua sensível relação com a mãe, escondendo neste
universo de samurais lendários e criaturas espirituais uma série de questões
complexas. Sem querer revelar muito, o último ato culmina num clímax
extremamente humano, um desfecho capaz de satisfazer tanto àqueles que
abraçaram o viés mágico da premissa, quanto àqueles que captaram os simbolismos
por trás da trajetória do menino. Na hora de tirar um dez, porém, o roteiro
peca pela precipitação. Com nítidos problemas de acabamento, o argumento falha
ao subaproveitar as interessantes reviravoltas, reduzindo inexplicavelmente o
peso de algumas das mais incisivas cenas dramáticas. Somado a isso, o
atrapalhado besouro se mostra um genérico alívio cômico, uma figura carismática
desenvolvida de forma preguiçosa ao longo da película.
Em suma, apesar destes pequenos deslizes, Kubo e as Cordas Mágicas é o
trabalho mais artisticamente inventivo do estúdio Laika desde o estupendo
Coraline. Ainda que as referências aos principais trabalhos do estúdio Ghibli
sejam evidentes, vide o visual inexpressivo das assustadoras tias (foto acima), que, quase
que instantaneamente, me fizeram recordar do fantasma sem face de A Viagem de
Chihiro, Travis Knight consegue construir uma obra com personalidade própria.
Um longa intenso, com um subtexto realístico, que encanta não só pelo seu
impressionante virtuosismo estético, como também pela delicadeza com que transita
por temas tão densos e universais.
Um comentário:
Desde que vi o elenco imaginei que seria uma grande produção, já que tem a participação de atores muito reconhecidos de Hollywood, como Matthew McConaughey. Eu recomendo em Ouro E Cobiça, é um ótimo filme de drama, acho que o ator principal fez um trabalho excepcional e demonstrou suas capacidades, é um filme que vale muito a pena ver. Espero poder seguir de pertos seus próximos projetos para a evolução do seu trabalho. Realmente recomendo!
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