O peso de uma vida
Muito mais do que um thriller de espionagem, Decisão de Risco joga uma
luz sobre os dilemas morais por trás da guerra tecnológica. Com personagens
multidimensionais e uma premissa naturalmente espinhosa em mãos, o diretor
Gavin Hood (Infância Roubada) eleva o nível de tensão ao reproduzir os
bastidores de um complexo ataque a uma célula terrorista. Disposto a questionar
a frieza dos números quando o assunto são as vítimas inocentes, o realizador
sul-africano é inteligente ao valorizar o fator humano por trás desta missão,
colocando o espectador no centro de um 'mise en scene' político humano e totalmente
realístico.
Inserido num contexto bélico bem atual, o argumento assinado por Guy
Hibbert transita por temas delicados ao narrar a investida liderada pela
Coronel Katherine Powell (Helen Mirren). Após seis anos de muita investigação,
a militar britânica finalmente encontra a brecha necessária para capturar a
terrorista Susan Danford (Lex King), uma cidadã inglesa que comandava uma
célula terrorista de um grupo extremista em Nairobi. Em parceria com os
governos do Quênia e dos EUA, Powell contava com o apoio do alto escalão do
parlamento e do exército inglês, incluindo o aval do General Frank Benson (Alan
Rickman). Tudo muda, porém, quando um drone não tripulado descobre a existência
de uma pesada carga de explosivos no local da extração. Sem tempo a perder,
Powell decide lançar um ataque nas instalações terrorista, mas a situação ganha
contornos ainda mais complexos no momento em que o responsável pelo tiro, o
especialista Steve Watts (Aaron Paul), percebe a presença de inocentes na
região do ataque.
Impecável ao se apropriar das novas tecnologias bélicas, incluindo
microcâmeras, drones e naves não tripuladas, Gavin Hood esbanja categoria ao explorar
as questões morais em torno deste novo modelo de combate. Sem nunca soar
unidimensional, o realizador avalia com plenitude as inúmeras possibilidades em
torno deste ataque, permitindo que o espectador enxergue com clareza as
diferenças políticas, os dilemas midiáticos e o fator humano em torno de uma
decisão deste nível. Numa sacada de mestre, Hood opta por reduzir a escala da
missão ao colocar uma criança no meio do caos, adotando uma abordagem simbólica
e intimista ao revelar as consequências de um bombardeio em meio à inocentes.
Através de diálogos profundos e personagens multifacetados, o roteiro levanta
as questões certas, na hora certa, dando aos envolvidos a missão de expor as
racionais opiniões por trás do processo de decisão. Nas entrelinhas, inclusive,
Hood é igualmente perspicaz ao estabelecer os distintos 'modus operandis' dos
governos britânicos e norte-americanos, um tema importante que pontua a trama
com sutileza ao longo do instigante segundo ato.
E como se não bastasse isso, o talentoso elenco absorve com elegância e
rara inspiração os conflitos éticos dos seus personagens. Como de costume em
sua carreira, Helen Mirren mostra o seu reconhecido vigor ao capturar o
pragmatismo da Coronel Powell, uma militar obstinada e fria que não parece
incomodada em lidar com os riscos. Já o saudoso Alan Rickman dá uma verdadeira
aula interpretar o comedido General Benson. Responsável por intermediar as
questões mais diplomáticas por trás desta missão, o talentoso ator adiciona uma
faceta extremamente humana ao militar, se esquivando dos clichês ao criar uma
figura densa e sensível às possibilidades em trono deste ataque. Sem querer
revelar muito, as duas cenas finais são estupendas, um desfecho coerente com a
proposta crítica da película. Assim como Rickman, Aaron Paul também se destaca
ao reproduzir o turbilhão de emoções enfrentado pelo seu personagem, o último
homem entre as ordens dos seus superiores e o gatilho da nave não tripulada.
Num todo, aliás, o restante do elenco cumpre a sua missão ao nos fazer enxergar
o desconforto em torno da situação, vide as realísticas atuações de Barkhad
Abdi (Capitão Philips), de Monica Dolan (Orgulho e Esperança) e da pequena
Aisha Takow.
Conduzido com intensidade por Gavin Hood, Decisão de Risco é, ainda, um
filme muitíssimo bem dirigido. Com um excelente senso de simultaneidade e uma
câmera sempre posicionada no centro da ação, o diretor sul-africano é
habilidoso ao realçar o clima de tensão em torno deste episódio, uma atmosfera
potencializada pela afiada montagem e pelos intimistas enquadramentos e pela
pulsante trilha sonora. Por fim, mesmo diante de alguns pequenos equívocos, a
maioria deles envolvendo a conveniente utilização dos pouco factíveis gadgets
espiões, Decisão de Risco se revela um relato denso sobre a ascensão da guerra
tecnológica e as consequências deste confronto "silencioso" na rotina
dos inocentes. Um longa reflexivo capaz de questionar e envolver sem nunca
abdicar da sua vocação realística.
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