terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

A Teoria de Tudo

Seguindo a cartilha do Oscar, longa se concentra na história de amor entre Hawking e Jane

Os opostos (definitivamente) se atraem. Ainda que a Lei de Coulomb não faça parte das teses concebidas por Stephen Hawking, ela diz muito sobre o belo e inocente A Teoria de Tudo. Inspirado no drama biográfico "Travelling to Infinity: My Life with Stephen", da ex-esposa e companheira de vida Jane Hawking, o longa deixa os feitos científicos deste físico teórico em segundo plano para se concentrar na relação amorosa entre o ateu Stephen e a religiosa Jane. Seguindo à risca a cartilha do Oscar, o diretor James Marsh (O Equilibrista) dá a esta história de amor contornos edificantes ao explorar de maneira elegante o esforço do casal em torno das limitações físicas impostas pela doença de Hawking. Por mais que a falta de contundência em torno dos dilemas desta relação seja um ponto destoante, a sublime entrega física de Eddie Redmayne, o apaixonante carisma de Fellicity Jones e a atmosfera fascinante criada por Marsh conseguem dar ao longa uma irresistível aura de conto de fadas. 
Na verdade, por piores que tenham sidos os obstáculos superados pelos dois, James Marsh opta por promover uma abordagem extremamente otimista ao narrar as idas e vindas deste casal durante quase três décadas. Embalado pela classuda trilha sonora de Jóhann Jóhannsson (Os Suspeitos), pela iluminada fotografia de Benoît Delhomme (O Menino do Pijama Listrado) e pela primorosa direção de arte, o realizador demonstra certo encantamento ao conduzir a relação de Stephen (Redmayne) e Jane (Jones). Procurando se equilibrar ao máximo entre o drama e o romance, o roteiro assinado por Anthony McCarten é singelo ao apresentar de forma quase mágica o início do caso de amor entre duas figuras de personalidades completamente opostas. Ele era aluno de física, ateu, e tímido. Ela estudava artes, era católica e extremamente carismática. Apesar das diferenças, os dois rapidamente se aproximam, iniciando uma relação nos arredores da Universidade de Cambridge. Quando tudo parecia perfeito, no entanto, Stephen é diagnosticado com uma grave doença degenerativa, tendo, segundo os médicos, somente mais dois anos de vida. Deprimido com a sua falta de perspectivas, o então futuro gênio da cosmologia encontra no amor de Jane a força para não só concluir a sua primeira tese, mas também para se reerguer perante as sequelas físicas do mal de Lou Gehrig.


Ainda que as discussões a cerca das teorias de Stephen fiquem em segundo plano, o que não chega a ser surpreendente já que o longa é inspirado nos relatos da ex-esposa, o argumento merece elogios ao retratar de maneira sóbria não só as sequelas em torno do processo de degradação física de Stephen, mas principalmente o impacto delas na relação com Jane. Procurando sempre capturar as expressões destes dois personagens, o que se torna um grande trunfo conforme a condição de Stephen fica mais afetada, James Marsh é cuidadoso ao fazer com que os dois tenham o mesmo espaço dentro da trama. Para isso, ao mesmo tempo em que se aprofunda nas mazelas em torno da rotina do físico, destacando as dificuldades perante o seu processo de criação, o realizador faz questão de também desenvolver as nuances em torno de Jane, braço direito de Hawking e a personagem mais complexa do longa. Se concentrando na afetuosa relação do casal, Marsh constrói um ágil primeiro ato, marcado pela envolvente atmosfera romântica e por mostrar o lado acadêmico de Stephen. Nesse sentido, aliás, mesmo de forma rasa o realizador encontra algumas soluções espertas para tentar elucidar estas teses, com destaque para a cena em que uma xícara de café é usada para explicar uma das teorias em torno do Buraco Negro.


À medida que a condição clínica de Hawking vai se complicando, no entanto, o longa parece perder um pouco do seu rumo, pecando pela falta de contundência ao expor os conflitos em torno deste casamento. Apostando no poder da sugestão, Marsh deixa no ar questões importantes envolvendo os anseios de Jane, que praticamente abdicou de sua vida para cuidar dos filhos e do marido, e a frustração do físico diante deste cenário. Num determinado momento, a impressão é que Stephen se torna um coadjuvante da sua própria biografia, perdendo espaço para a promissora, porém redundante "amizade colorida" entre Jane e o amigo da família Jonathan (Charlie Cox). A entrada da carismática Maxine Peake (Silk) na trama, no entanto, desfaz esta sensação, dando novos contornos ao casamento dos dois. Vivendo a cuidadora Elaine, ela resgata o lado mais espirituoso de Stephen Hawking, trazendo para o último ato o vigor e a fluidez da primeira metade do longa. Esta personagem, aliás, é o pivô de uma cena memorável, onde o casal de protagonistas mostra o impacto de suas atuações em uma sequência repleta de intimidade e sensibilidade.

Por falar nas atuações, Eddie Redmayne emociona por sua estupenda entrega física, se mostrando assustadoramente semelhante ao Stephen Hawking da vida real. Carregando uma intensa expressividade no olhar, o desempenho do ator britânico só melhora à medida que o seu personagem fica mais afetado pela falta de mobilidade, recriando de maneira brilhante este processo de degradação motora. Se comunicando muitas vezes através dos olhos e do farto sorriso, como na relação com a carismática Elaine, Redmayne conseguiu arrancar elogios até mesmo do próprio cosmólogo, que admitiu publicamente ter se enxergado por diversas vezes na tela do cinema. E como "por trás de todo homem, existe uma grande mulher", Felicity Jones encarna como poucas o peso desta personagem. Além da espetacular química com Redmayne, a atriz está apaixonante na pele do primeiro amor de Hawking. Num papel cheio de nuances, Jones hipnotiza não só como uma jovem apaixonada disposta a tudo para ajudar o marido, mas também como uma mulher madura e frustrada lidando com sentimentos completamente contrastantes. Um desempenho extremamente humano, que comove através do ar contido de sua Jane. Apesar dos dois serem os pilares do filme, vale destacar ainda os desempenhos de Charlie Cox (Stardust), numa atuação melhor que o seu papel, David Thewlis (Harry Potter), sempre competente como um dos professores, e Harry Lloyd (Game of Thrones), hilário como o amigo alto astral de Stephen.


Ainda que peque por algumas "licenças poéticas" e pela forma superficial com que aborda algumas questões interessantes, como os embates religiosos ou as geniais teorias sobre o universo, James Marsh faz de A Teoria de Tudo um relato humano e inspirador sobre a intimidade do casamento de Jane e Stephen. Seguindo a risca a cartilha estética das grandes premiações, este drama biográfico encontra nas atuações de Eddie Redmayne e Felicity Jones a alma necessária para homenagear dignamente uma das mentes mais brilhantes do século XX. Um verdadeiro milagre de vida chamado Stephen Hawking.

2 comentários:

Anônimo disse...

É um belo filme cheio de atuações incríveis. Mas a vida de Stephen Hawking merecia algo muito mais grandioso.

http://filme-do-dia.blogspot.com.br/

thicarvalho disse...

Eu acho que talvez mais ousado Kahlil, algo mais condizente a personalidade brilhante deste gênio. Mas é inegável que, independente de algumas falhas, A Teoria de Tudo funciona como filme. Grande abs.