Longa é espirituoso ao narrar a historia de um dos mais significativos e subestimados heróis da Segunda Guerra
Trazendo
no currículo oito indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme, Diretor,
Ator e Atriz, O Jogo da Imitação segue um caminho inusitado ao narrar
uma vergonhosa história de intolerância. Apostando numa narrativa
espirituosa, que se apropria com perícia do humor em torno deste
dramático episodio, o diretor Mortem Tyldum coloca o seu nome no mapa
ao nos apresentar a jornada do matemático Allan
Turing. Empurrado pela magistral atuação de Benedict Cumberbatch,
brilhante ao explorar as nuances do seu complexo personagem, este elegante drama realmente impressiona ao questionar de maneira sóbria os
tabus sexuais em torno deste heroico personagem da Segunda
Guerra Mundial. Um gênio que apesar da significante participação neste conflito, desvendando um dos maiores
códigos do exército nazistas, não conseguiu vencer a sua guerra pessoal contra o conservadorismo do governo britânico.
Deixando a frieza dos números em segundo plano, o roteiro assinado por Graham Moore, inspirado no livro Alan Turing: The Enigma, de Andrew Hodges, é impecável ao mostrar não só o impacto das extraordinárias realizações de Turing, mas principalmente ao se aprofundar no estudo de sua personalidade. Narrado praticamente em três linhas temporais, que se cruzam paralelamente com fluidez, o argumento foge dos clichês ao explorar inicialmente o humor por trás desta paradoxal figura. Um homem que, embora não demonstre qualquer habilidade na simples interação social, conseguiu descriptografar a indecifrável máquina de comunicação nazista conhecida como ENIGMA. Flertando com a comédia ao rir do egocentrismo, da inocência e da falta de tato deste gênio, O Jogo da Imitação narra a trajetória do professor Allan Turing (Benedict Cumbebatch), um racional matemático que parece disposto a criar uma máquina para decifrar de vez o código nazista. Mesmo entrando em rota de colisão com o Comandante Denniston (Charles Dance) e com o companheiro de equipe Hugh (Matthew Goode), Allan ganha a confiança do alto escalão e passa a liderar este projeto. Inicialmente sem recursos, o matemático recorre a ajuda da brilhante Jane (Keira Knightley), uma jovem prodígio que se torna a peça que faltava para essa engrenagem funcionar.
Apesar da aparente leveza do primeiro ato, o diretor Morten Tyldem demonstra perícia ao conduzir a transição entre os gêneros, se aprofundando com contundência nas nuances comportamentais de Allan Turing. Procurando sempre conciliar fatos históricos à detalhes mais íntimos sobre a rotina do matemático, o realizador encontra nestes saltos temporais uma maneira original para conseguir mostrar como a repressão, seja sexual, seja emocional, moldou esta personalidade fria e racional. Por mais que a trama se concentre no esforço do genial professor na construção da máquina, Tyldem mostra como a juventude problemática do então estudante, alvo de frequentes casos de bullying por ser considerado "diferente", e a decadente fase pós-guerra, influenciada pela latente intolerância sexual daquele período, o conduziu a um injusto e vergonhoso desfecho. Apostando em gradativas doses de tensão, que envolvem o espectador desde a primeira cena, o realizador norueguês constrói uma narrativa densa e extremamente madura, que prefere se aprofundar no virtuoso lado humano do "pai da computação", do que se contentar na exaltação dos seus feitos heroicos. Uma opção valorizada não só pela caprichada direção de arte, impecável ao reconstruir o cenário da época, como também pela qualidade do elenco.
Enigmático desde a primeira cena, Benedict Cumberbatch foge completamente do tom caricatural ao reproduzir com naturalidade o aspecto contido do seu personagem, construindo um Allan Turing crível e genioso. Habilidoso ao explorar a arrogância do matemático, Cumberbatch brilha não só nos momentos mais cômicos, principalmente na falta de senso social no relacionamento com os igualmente competentes Charles Dance (Game of Thrones) e Mathew Goode (Watchmen), como também nas sequências mais intensas, quando a pressão por resultados parece insuportável. Se o ator chama a atenção por sua intensidade, Keira Knightley encanta através de uma personagem vibrante e radiante. Com a sua corriqueira categoria, a atriz constrói uma Jane forte e carismática, mostrando a força feminina diante de um cenário amplamente masculino. Demonstrando ótima química com Cumberbatch, a relação entre Jane e Allan se torna um dos pontos altos do longa. O grande ladrão de cenas, no entanto, acaba sendo o jovem Alex Lawther. Dando vida a versão mais nova de Turing, o ator impressiona por sua entrega ao reproduzir a repressão em torno da fase estudante do matemático. Um desempenho que merece elogios, com destaque para a esclarecedora performance na sua última grande cena.
Intercalando presente, passado e futuro com precisão, quase sempre numa reação de causa e consequência, O Jogo da Imitação se mostra um relato relevante e lamentavelmente verídico sobre um dos maiores gênios da matemática britânica. Evitando se resumir a já reconhecida figura heroica do matemático, que segundo estudiosos teria salvo mais de 14 milhões de vidas com a sua invenção, Mortem Tyldum mostra equilíbrio ao narrar a vida de um personagem fascinante. Um homem que, em função da sua opção sexual, optou por sobreviver automatizando as suas emoções, tal qual uma de suas tão estimadas e significativas máquinas.
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