quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Crítica | "Los Lobos" comove ao usar o drama de uma família de imigrantes para expor o vazio criado pela ilusão do "sonho americano"

Trazer a realidade do imigrante para a tela grande é sempre um desafio. Não somente pela responsabilidade assumida ao retratar a angústia de muitos. É difícil pensar o cinema a partir da rotina. A partir de uma história tantas vezes contadas. A partir de um contexto por si só pouco imagético.

Em "Los Lobos'', por exemplo, grande parte da trama se passa num quarto minúsculo esvaziado pela condição financeira de uma família mexicana recém-chegada aos EUA. A premissa segue uma lógica infelizmente reconhecível. Abandonada pelo marido, uma jovem mulher e seus dois filhos, os sonhadores Max e Leo (vividos pelos expressivos irmãos Maximiliano e Leonardo Najar Márquez), resolvem tentar a sorte no país vizinho. Enquanto as crianças sonhavam em ir para a Disney, Lúcia tinha total consciência do pesadelo que iria enfrentar.

É encantador ver como "Los Lobos'' expõe a rotina desta família de imigrantes ilegais num filme crítico, mas que se recusa a perder a ternura. Uma obra que crê não na ilusão da "terra das oportunidades", mas na união de uma comunidade que se reconhece no abandono e na exploração. Para isso, o sensível longa dirigido por Samuel Kishi rompe com a ideia de "capitalizar" em cima do drama. O vazio do quarto se torna um terreno fértil para um cineasta que precisa de pouco para dizer muito.

Embora o foco esteja no micro, mais precisamente na relação fraternal entre os pequenos e na reação ao "abandono" imposto por uma estrutura social insensível, "Los Lobos'' expande os seus horizontes ao buscar nos detalhes a dor que os três personagens evitavam expressar. Enquanto Lúcia revela a sua raiva ao limpar um fogão ou ao amassar uma foto, Leo e Max canalizam as suas frustrações através dos desenhos. A verve naturalista do longa (uma mistura de "Nomadland" com "Projeto Flórida") é interrompida sempre que a animação enche a tela nos lembrando da pureza daqueles meninos.

Kishi, a partir da perspectiva deles, se recusa a banalizar o esforço desta comunidade. Uns podem acusar o filme de flertar com a utopia. Uma visão cínica de mundo de quem não vive a realidade de uma família (entre tantas) que resiste na busca da dignidade tomada por um sonho.

O estetoscópio na mala de Lúcia sugere que estamos diante de alguém que vivia outra realidade no México. A opressora bandeira dos EUA em um galpão de uma megastore expõe a real posição daquela matriarca num país que prospera na base do suor do imigrante. A rotina é essa. Nós que perdemos a capacidade de nos importar. "Los Lobos'' é enfático nas suas sutilezas ao revelar o impacto de uma rotina disfuncional gerada por um modelo capitalista capaz de consumir quase tudo, menos o sonho de uma criança.


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