quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Crítica | Um espetáculo visual representativo, "Vingança e Castigo" empodera com estilo num filme que carece de sentimento


Você não verá um filme mais imagético em 2021 do que Vingança e Castigo. No seu longa de estréia na direção, o músico Jeymes Samuel (irmão do cantor Seal) exalta o viés representativo do Western da Netflix num espetáculo visual de encher os olhos. Um balé de cores, texturas e ritmos conduzido por uma voz com apetite para criar algo só seu. Influenciado pelo Blacksploitation e pela estética pop\pulp de Quentin Tarantino, o realizador ousa sempre que possível na forma ao enxergar a música nos movimentos de câmera. A montagem por vezes pulsa no ritmo da trilha que passeia pelo Rap, pelo R&B e até pelo Reggae com originalidade. Os planos e enquadramentos invadem o espaço dos atores guiados por acordes que antecipam perigo. Vingança e Castigo estiliza o faroeste a fim de colocar o poder em novas mãos.

É revigorante ver como o diretor usa o gênero mais americano do cinema para defender com orgulho uma mudança de curso em Hollywood. Estamos diante de um filme produzido pela Overbook Entertainment, companhia fundada pelo astro Will Smith, dirigido por um cineasta negro, estrelado por um elenco majoritariamente negro. Isso é representatividade! No momento em que enxergamos além da modernizada casca, contudo, Vingança e Castigo se revela um filme imaturo. O problema não está naquilo que vemos em tela, mas naquilo que não vemos. Ou melhor, naquilo que não sentimos. Falta a Samuel experiência para desenvolver elementos tão bem estabelecidos no pulsante primeiro ato. É revelador notar que entre a antológica cena de abertura e o pesado choque de forças no empolgante clímax existe um longa que troca a construção dos sólidos arcos dramáticos por firulas estéticas.

Vingança e Castigo não é uma obra vazia. Os personagens possuem uma identidade visual própria. A jornada de vingança que catalisa a trama ganha nuances interessantes à medida que o roteiro estuda a visão de mundo dos protagonistas. O vilão vivido por Idris Elba traz um misto de raiva e consciência social que logo se revela intrigante. O jovem cineasta, porém, encontra dificuldades para invadir a intimidade dos fora da lei seguindo a lógica estilizada proposta. Ao ponto de enfraquecer as motivações dos pistoleiros.

Na busca por sequências de ação gráficas, Samuel esvazia a trajetória dos coadjuvantes. Ele se contenta em trabalhar com arquétipos definidos muitas vezes por traços de personalidade. Temos o pistoleiro orgulhoso rápido no gatilho. O atirador silencioso. O assassino traiçoeiro. O xerife casca grossa. A 'bad-ass' empreendedora. Meros rascunhos que afastam o longa do caminho da grandeza.

O banho de sangue brilhantemente orquestrado pelo diretor perde peso quando não entendemos pelo que os dois lados estão brigando. Ao longo das desritmadas 2 h e 15 min de projeção, só a diluída vingança de Nat Love (Jonathan Majors, radiante) não se revela o bastante para sustentar um argumento que flerta com discussões sociais barra/raciais, mas se contenta em manter a problemática numa confortável zona neutra. Todo o segmento na "pálida' cidade dos brancos (uma ótima gag visual, por sinal) expõe as oportunidades perdidas por um longa que depende demais dos atores para alcançar notas mais complexas.

Para a sorte de Samuel, o fantástico elenco eleva o nível de um roteiro apenas funcional ao interiorizar os sentimentos dos seus personagens com um senso de verdade empoderador. O que não chega a ser surpresa quando vemos nomes como Idris Elba, Regina King, Lakeith Stanfield, Zazie Beetz e Delroy Lindo em tela. A energia reprimida da atriz Danielle Deadwiller, em especial, é de saltar aos olhos. Um vislumbre de profundidade numa obra que permanece tempo demais na superfície. Com uma direção de arte impressionante, Vingança e Castigo enxerga a afirmação no estilo numa produção que se orgulha de levar as raízes black para o velho Oeste. Uma visão por si só ousada prejudicada por uma abordagem por vezes refém do seu ideal imagético de representatividade.

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