terça-feira, 9 de novembro de 2021

Crítica | Um spin-off com ambição, "Os Muitos Santos de Newark é um filme de máfia omisso incapaz mergulhar na origem de Tony Soprano


Quando a HBO Max anunciou um spin-off sobre Família Soprano foi difícil conter as expectativas. Imaginar um retorno ao universo implacável criado por David Chase quase duas décadas depois do início da produção prometia demais. O que todos queriam ver era a origem de Tony Soprano. Do mafioso corpulento consumido por uma vida no crime. Os Muitos Santos de Newark tem muito de The Sopranos e ao mesmo tempo nada. Os personagens seguem ricos. O contexto segue pulsante. Os desdobramentos seguem imprevisíveis. O longa dirigido por Alan Taylor, porém, carece daquilo que consagrou a série também: o peso da consequência.

A crise, aqui, não é de ansiedade. O filme, ao contrário de Tony, sofre de crise de prioridade. É difícil estudar as intenções do roteirista David Chase ao revisitar este fascinante universo com um senso de superficialidade que torna tudo estranhamente banal. Como se, no fundo, o filme revelasse uma dose de ambição incompatível com uma obra que, à princípio, deveria existir como o complemento de um arco tão bem estruturado. Os Muitos Santos de Newark é uma produção inchada. Taylor se esforça para adaptar a tridimensional proposta narrativa da série para o cinema, mas não chega perto de tornar qualquer um dos novos personagens minimamente sólidos.

A ideia era estudar a corrupção moral de Tony a partir da relação do então jovem (e doce) rapaz com o clã Moltisanti. Uma dinâmica que, seguindo a lógica de sopranos, tinha tudo para ser quente. Na prática, contudo, o que vemos é uma construção de vínculo frágil sustentada apenas pela ambição de Chase em estabelecer um personagem ausente que ele considerava fundamental dentro da série, o influente Dickie Moltisanti (Alessandro Nivola). Em Os Muitos Santos de Newark, Alan Taylor parece mais preocupado em olhar para a intimidade de Dickie do que para o elo que justifica este spin-off. O que explica a falta de foco da obra. Na ânsia de ganhar vida própria, longa se desconecta perigosamente do arco central ao tentar entender a cabeça de mais um homem frágil. O que torna tudo redundante.

Sob a perspectiva de Dickie, interpretado com energia por Alessandro Nivola, personagens somem e reaparecem com descuido. A crise moral deste homem carismático perde vigor à medida que o longa parece simplesmente replicar a fórmula de Família Soprano. Dickie tem até um "analista" para chamar de seu, o tio presidiário vivido por Ray Liotta. Chase até cria um sólido paralelo entre os arcos do Dickie do passado e de Tony do futuro, uma relação de causa e consequência reveladora, mas se esquece de mergulhar no presente dos personagens. O que torna a experiência arrastada e confusa. Nem o fato de Michael Gandolfini, o cativante filho de James Gandolfini, viver o personagem do seu saudoso pai engrandece um roteiro determinado a preencher lacunas sem qualquer imaginação.

Quando Os Muitos Santos de Newark funciona? A resposta é simples. Quando foca nos personagens que amamos odiar. Esqueça o pai de Tony vivido por Jon Bernthal. Um mero coadjuvante aqui. Quem rouba a cena são os ardilosos tio Júnior (Corey Stoll) e Livia Soprano (Vera Farmiga, irreconhecível). Os dois surgem para nos lembrar da genialidade ambígua de Família Soprano. Da aura traiçoeira que consagrou a série. No momento em que olha para eles (e só para eles) Chase nos permite entender por que Tony virou o que virou.

Com personagens demais para uma obra tão presa a referências gratuitas e um olhar superficial para o contexto racial, Os Muitos Santos de Newark se omite enquanto filme de máfia ao nunca nos fazer temer aqueles que influenciaram Tony Soprano. O opaco longa (a fotografia em tons acinzentados só torna tudo mais sem vida) usa a desculpa do spin-off para pensar um novo futuro. Só isso explica o espaço dado ao gangster vivido pelo talentoso Leslie Odom Jr. Um personagem promissor largado à sua própria sorte que sintetiza os deméritos de uma obra determinada a desafiar o poder dos seus verdadeiros protagonistas. 

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