quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Crítica | Com um olhar absurdo sobre o envelhecer, "Tempo" é filosofia visual com o melhor e o pior de Shyamalan


É sempre revigorante ver como M. Night Shyamalan abraça o fantástico nos seus filmes. Um cineasta que não teme o absurdo. Que não tem medo de soar ridículo aos olhos dos ditadores do verossímil. "Tempo" é mais um representante do cinema sem amarras do realizador. É exagerado, é cheio de furos, é inventivo. É um filme de gênero empolgante. Quando um grupo de hóspedes de um hotel praiano se vê diante de um misterioso evento, o realizador cria a imersão a partir do absurdo da situação. É impossível permanecer impassível diante da originalidade com que Shyamalan constrói a sua peculiar ameaça. É terror feito à luz do dia. O que, por si só, é um desafio.

Pouco importa se a lógica do plot não faz qualquer sentido. Pouco importa se o roteiro testa a compreensão do público com soluções narrativas que beiram à tolice. Tudo é tão singular que os furos viram parte do charme da obra. Reduzir um filme como "Tempo" ao racional é um pecado. Quem se importa com explicações mirabolantes quando o simples ato de envelhecer se torna assombroso. Shyamalan esbanja originalidade ao pensar o terror num cenário paradisíaco. "Tempo" é um filme tenso. A natureza claustrofóbica em torno do evento rende uma sensação de caos coletivo hipnotizante. Num piscar de olhos tudo muda. O tempo é um "inimigo" implacável. O cineasta obriga o espectador a se manter conectado do começo ao fim. Todo detalhe importa. Ele sabe como construir a ameaça em torno do vazio.

Quando tenta filosofar através do texto, contudo, Shyamalan não consegue esconder a sua pobre interpretação sobre tempo. É frustrante perceber a falta de ideias do realizador ao explorar os efeitos do tempo na identidade dos protagonistas. Sempre que tenta tecer algum comentário sobre a nossa relação com o envelhecer, Shyamalan se rende a diálogos rasos e personagens descartáveis que soam como meras caricaturas. A vaidosa esposa troféu vivida por Abbey Lee Kershaw expõe o melhor e o pior de "Tempo". Por trás do impacto gerado pela imagem existe o nada. Existe uma tentativa de existencialismo tolo pautada por uma visão simplória sobre o tempo. Shyamalan exclui o fator experiência da equação ao confundir a deterioração com a maturação.

A dinâmica entre os personagens não faz qualquer sentido no momento em que percebemos a maneira forçosamente intuitiva com que os "ilhados" lidam com estímulos repentinos, emoções desconhecidas e vínculos superficiais. O tempo, por si só, não ensina nada. Tampouco é "o melhor remédio". O diretor frustra ao usar estes lugares-comuns para estudar o impacto do evento na intimidade dos protagonistas. O que faz um adulto se tornar um adulto não é a idade. É a vivência. Um elemento que se perde diante da inquietude narrativa de Shyamalan. 

Quando tenta racionalizar a trama, Shyamalan testa a inteligência do espectador com decisões que aniquilam a construção dramática. Nem o talentoso elenco repleto de nomes do quilate de Vicky Krieps, Gael Garcia Bernal, Rufus Sewell e Thomasin Mckenzie é capaz de elevar o nível do material. Sobra então o entretenimento descerebrado. Sobra a diversão. No fim, o melhor de "Tempo" acontece quando os personagens perdem a noção sobre ele (o tempo). Quando a efemeridade da vida se manifesta através do terror e do absurdo. Quando a deterioração física escancara a nossa pequenez diante de um adversário tão implacável. É a filosofia visual de Shyamalan. Essa sim inteligente e impactante.

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