terça-feira, 21 de setembro de 2021

Crítica | Produzido por Sam Raimi, “Noitários de Arrepiar” é terror pensado para criançada que diverte


É inegável que o cinema de horror passa hoje por uma crise de identidade. Num movimento até bem natural, o desgaste de alguns saturadas fórmulas aproximou o segmento de outras vertentes. O que, à princípio, não deveria ser um problema. Por puro desconhecimento, porém, uma nova geração de espectadores (e de diretores também) entendeu esse processo como algo novo e superior artisticamente. Assim nasceu uma safra de filmes com medo de sujar as mãos. Com vergonha de assumir a sua real face. Neste contexto, títulos como Noitários de Arrepiar surgem como um sopro de esperança. Com uma deliciosa vibe Convenção das Bruxas (1990), o longa dirigido por David Yarovesky (do subvalorizado Brightburn) e produzido pelo mestre Sam Raimi (Evil Dead) se volta para o público infantil com a clara intenção de formar uma nova geração de fãs do segmento.


O que vemos é um filme de terror feito com paixão. Uma obra capaz de resgatar velhas convenções para defender o poder do cinema de gênero. O solitário jovem escritor de histórias de terror Alex (Winslow Fegley) resolve queimar os seus textos com a esperança de mudar o seu status quo. Isso até ele ser raptado por uma perversa bruxa fascinada por contos assustadores. É preciso deixar claro que Noitários de Arrepiar é um filme pensado para a criançada. Yarovesky investe numa trama pueril projetada para aliar o terror à aventura. O que pode soar tolo para muitos. No momento em que entramos no espírito da brincadeira, porém, o resultado se revela uma grata surpresa. Sabe o episódio da bruxa do Chaves? O diretor remete àquele tipo de imersão lúdica ao usar a imaginativa promessa do terror para instigar. 

O roteiro invade os imaginativos espaços da casa para construir o clima de tensão sem deixar de se conectar com os dilemas dos protagonistas. Por trás do medo existe a angústia infantil. Por trás do medo existe também a verdade. Numa das lições da sua raptora, a tal bruxa fan de histórias de terror com finais pesadas, Alex é desafiada a expor o seu lado mais triste. Aí deixar-se levar pelos seus sentimentos para assustar. O roteiro é cuidadoso ao, a partir do desajuste social do menino, usar o cinema de gênero para propor uma bela mensagem de aceitação. É fascinante ver como o longa trata o bullying. O diretor, a partir da subaproveitada Yas (Lydia Jewett), ataca a vergonha imposta pelo meio. Para se adaptar, Alex, tal qual o cinema de horror moderno, precisou se desconectar daquilo que o definia. Um processo torturante combatido com afinco pelo longa. 

Noitários de Arrepiar busca referências nos filmes certos para alçar o terror ao centro da trama. Embora fiel à vocação infantil da obra, Yarovesky reverência hits do cinema e da literatura como Coraline, Frankenstein, Evil Dead, Contos da Escuridão, Convenção das Bruxas, Os Garotos Perdidos, Alien e outras inúmeras produções a fim de defender o horror em suas múltiplas faces. Impulsionado pela arrasadora performance de Kristen Rytter, perversa e irritadiça na pele da vaidosa bruxa, o cineasta é criativo ao resgatar as cores do terror. O gore, aqui, tem “gosto” de doce. A bruxa tem a “cara” dos Irmãos Grimm. Os efeitos práticos coexistem com o cartunesco CGI numa óbvia concessão a hiperestimulada visão de entretenimento dos mais jovens. A fotografia alia o gótico ao fluorescente numa mistura curiosa.

Escondido na aparência lúdica existe um filme de terror convicto. Embora frustre ao nunca abordar a estrutura de contos com o devido esmero (o conceito visual das poucas histórias é até bem interessante), Noitários de Arrepiar é cinema de gênero com raízes sólidas. É a esperança de um futuro em que o público volte a respeitar o segmento pelo que ele é e não pelo que ele tenta parecer ser. Confesso que esperava uma obra bem mais inofensiva...

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