Um sensível e doloroso reencontro
Conduzido com enorme sutileza pelo diretor espanhol Cesc Gay (O que os Homens Falam), Truman se desvencilha dos melodramas fáceis ao narrar uma comovente história de afeto e amizade. Mesmo flertando a todo momento com elementos recorrentes dentro do gênero, o longa estrelado pelo astro latino Ricardo Darín (Relatos Selvagens) cativa pela objetividade com que acompanha a jornada de um paciente terminal disposto a encarar a morte de peito aberto. Arrancando risos e lágrimas de maneira honesta, esta intensa comédia dramática demonstra rara inspiração ao acompanhar o reencontro de dois amigos unidos para uma dolorosa e absolutamente sensível despedida. Uma prova que, nas mãos de realizadores talentosos, até uma premissa aparentemente requentada pode ganhar uma roupagem altamente singular.
Sem qualquer tipo de floreio ou sentimentalismo, Truman é direto ao abordar situações inegavelmente espinhosas. Potencializado pelo sarcasmo mórbido do protagonista, o espirituoso argumento assinado por Gay, ao lado de Tomàs Aragay, cultiva uma interessante atmosfera naturalista ao mostrar a inusitada rotina Julian (Ricardo Darín), um ator com câncer de fígado que decide abrir mão de um novo tratamento. Aparentemente preparado para a morte, ele acaba surpreendido com a visita do zeloso Tomás (Javier Camara), um amigo de infância que chega a Madri com a intenção de convencê-lo a reiniciar as sessões de quimioterapia. Após perceber que Julian estava irredutível quanto a esse assunto, Tomás resolve aproveitar esta rápida visita para ajudar o amigo a solucionar algumas importantes questões, entre elas os conflitos com a inconformada prima Paula (Dolores Fonzi), a distante relação com o filho Nico (Oriol Pla) e o destino do fiel cão Truman. Um último apoio para que o velho parceiro conseguisse aparar as arestas da sua própria vida.
A partir de um argumento incrivelmente simples, que em nenhum momento se rende a dilemas genéricos ou a reflexivas discussões sobre a vida, Truman é sensível ao abraçar única e exclusivamente o presente. Adotando uma rara praticidade ao abordar a relação do protagonista com a sua própria morte, Cesc Gay esbanja categoria ao construir este comovente reencontro, injetando delicadeza e uma afiada dose de humor na pesada rotina destes dois amigos. Apesar do foco recair quase que por completo sobre o convicto Julian, o envolvente roteiro é sutil ao valorizar os pormenores em torno dos seus personagens, evidenciando através de diálogos objetivos e das expressivas atuações o verdadeiro sentimento por trás desta revigorante amizade. Entre visitas a hospitais e funerárias, chama a atenção o misto de orgulho e sofrimento com que Tomás encara a postura natural de Julian diante da sua decisão, o que rende sequências absolutamente particulares. Numa contida mistura de emoções, lágrimas e risos se confundem, comprovando a habilidade do Gay para se esquivar dos melodramas baratos e dos populares clichês das 'dramédias'. Até a relação entre cão e dono, geralmente um prato cheio nas mãos dos realizadores mais sentimentalistas, é desenvolvida com extrema sutileza, pontuando de maneira adorável esta dinâmica parceria. Por outro lado, ainda que coerente, o clímax é marcado por algumas soluções mais previsíveis, que só não reduzem o peso da película devido as poderosas atuações.
No seu segundo trabalho com o diretor Cesc Gay, Ricardo Darín impressiona ao compor o complexo Julian. Em ótima forma, o ator passeia pela vasta gama de sensações experimentadas por seu protagonista com incrível naturalidade, convencendo tanto como um sarcástico e convicto paciente terminal, quanto como um homem fragilizado por sua angustiante condição. Basta olhar para expressão de Darín para perceber o desgaste físico e emocional do seu personagem. Uma performance magnífica que, verdade seja dita, é acompanhada de perto pelo seu companheiro de cena Javier Cámara. Com um tipo menos elaborado em mãos, o ator entrega um desempenho tocante ao interpretar o resignado e completamente solicito Tomás. Esbanjando uma enorme química com Darín, Cámara se torna uma espécie altruísta de cúmplice, tentando ajudar da melhor maneira possível o seu amigo enfermo. E por mais que o roteiro não se aprofunde no passado dos dois amigos, a dupla de protagonistas imprime uma enorme dose de intimidade a esta madura relação, exibindo um misto de pesar e ternura que enche a tela de sentimento.
Mesmo subaproveitando a latente tensão sexual entre Tomás e Paula, interpretada com intensidade e charme por Dolores Fonzi (O Crítico), Truman cativa ao falar sobre a morte com tamanha singeleza. Marcada pelas expressivas atuações, esta afetuosa comédia dramática sensibiliza ao não banalizar as emoções dos seus personagens, se distanciando dos clichês do gênero ao reproduzir com equilíbrio e sinceridade a alegria, a tristeza e a dor por trás do inspirador reencontro entre dois carismáticos amigos.
Filme assistido na 17ª Edição do Festival do Rio.
Filme assistido na 17ª Edição do Festival do Rio.
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