quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Magia ao Luar

No ritmo do Jazz, Woody Allen encontra a verdadeira mágica no talento dos protagonistas

Mantendo a qualificada média de um grande lançamento por ano, o cultuado Woody Allen volta a viajar pela Europa em Magia ao Luar. Após realizar um tour por Londres em Match Point (2005) e Scoop (2006), por Barcelona, em Vicky Cristina Barcelona (2008), por Paris, em Meia Noite em Paris (2011) e por Roma, em Para Roma com Amor (2012), o diretor encontra no interior da França o cenário perfeito para construir uma despretensiosa comédia romântica sobre os limites da lógica humana. Apostando em uma narrativa extremamente inocente, quase previsível, Allen usa o humor ao analisar a necessidade de se crer em algo além da razão para suavizar os dilemas da vida. Por mais que boa parte dos reflexivos diálogos funcionem, e que o impecável visual nos leve diretamente para a década de 1920, a verdadeira mágica de longa acaba ficando pelas carismáticas atuações. Méritos para a encantadora Emma Stone, o racional Colin Firth e a inusitada relação entre uma médium e um caçador de charlatões. 
Apostando numa atmosfera cheia de charme, embalada pelo perfeitamente encaixado Jazz, direção de arte primorosa e pela irretocável fotografia de Darius Khondji (Meia Noite em Paris, Era Uma Vez em Nova Iorque), Woody Allen escolhe o caminho aparentemente mais previsível para conduzir essa comédia com pontuais toques de romance. Ainda que a primeira metade se mostre pouco surpreendente, se destacando pelos interessantes diálogos e os envolventes personagens, a segunda parte mostra toda a criatividade do realizador enquanto roteirista. Explorando os dilemas envolvendo a razão (cabeça) e a emoção (coração), Allen narra a história da carismática Sophie (Emma Stone), uma médium que através de seu dom conseguiu encantar uma família de ricaços. Demonstrando a capacidade de prever o futuro, ter visões do passado e falar com os mortos, a jovem desperta o amor do herdeiro bem sucedido, o meloso Brice (Hamish Linklater), e o afeto de sua mãe, a viúva Grace (Jacki Weaver).


Preocupados com a aproximação da jovem, de sua mãe (Marcia Gay Harden), e com as verdadeiras intenções da dupla, alguns parentes mais próximos resolvem contratar os serviços de Stanley (Colin Firth), um ilusionista especialista em desvendar possíveis encenações de charlatões. Convidado à passar alguns dias com essa família, no interior da França, o ceticista e egocêntrico especialista parece determinado a desmascarar a carismática Sophie. Pouco a pouco, no entanto, essa postura vai sendo alterada pela impressionante capacidade da jovem, o que começa a levantar uma série de dúvidas na cabeça do experiente ilusionista. Sem saber que a verdadeira magia estava mais próxima do que ele esperava, Stanley acaba ficando entre colocar a sua racionalidade em cheque, ou se manter fiel as suas crenças.


Desenvolvendo com habilidade a personalidade dos criativos personagens, Woody Allen mostra a usual competência na concepção dos divertidos e emblemáticos diálogos. Por mais que o processo de analise do "modus operandi" da médium seja realmente pouco inspirado, incluindo a rápida aceitação do especialista, a trama ganha um rumo muito mais atrativo com a mudança ideológica do sarcástico Stanley. Trabalhando muito bem a linha tênue entre a magia e a ilusão, Allen mostra sagacidade ao explorar o pragmatismo racional do frio inglês, discutindo o que é realmente magico na cabeça de um homem que tem a razão como a sua única crença. Enfatizando o tom reflexivo nos diálogos, principalmente nas discussões entre os completamente opostos protagonistas, a questão paranormal acaba em segundo plano diante dos perspicazes embates ideológicos. Uma opção que reduz a aura mágica do longa, mas que potencializa a inusitada relação dos protagonistas.


Demonstrando grande leveza ao conduzir a relação de Stanley e Sophie, Allen aposta no lado cômico para os construir. Ainda que as experientes Eileen Atkins e Jacki Weaver se destaquem, a grande química entre Colin Firth e Emma Stone salva a película em seus momentos mais claudicantes. Com personalidades bem definidas, e desenvolvidas, Firth está impecável como o racional Stanley. Acostumado a interpretar tipos nobres, o ator transforma esse reconhecido ar polido em algo naturalmente hilário. Preciso ao ressaltar o racionalismo metódico do especialista, Firth desconstrói e reconstrói o seu personagem com grande destreza, com destaque para a incapacidade em externar os seus próprios sentimentos. A atmosfera divertida desta relação, no entanto, ganha magnetismo graças a carismática presença de Emma Stone. Demonstrando a sua reconhecida versatilidade, a atriz encanta o espectador desde a primeira cena, o que explica as reações de Stanley. Conduzindo com habilidade o lado paranormal de Sophie, que também rende momentos divertidos, a atriz repete aqui a personalidade decidida de boa parte de suas personagens. Postura que, nas mãos de um realizador conhecido por criar grandes mulheres, simboliza o estopim da verdadeira magia aos olhos de Woody Allen.


Ressaltando que a mágica não se resume a meros truques, Magia ao Luar nos apresenta a um original cenário ao colocar frente a frente um homem que só age com a cabeça e uma mulher que enxerga na magia uma possibilidade de amenizar os males da vida. Ainda que o ritmo do longa seja realmente oscilante, mas nunca desinteressante, o cultuado diretor compensa alguns momentos mais lentos com belíssimas cenas, tirando um ótimo proveito da primorosa fotografia de uma França bucólica. Mesmo sem figurar entre os melhores trabalhos da carreira de Woody Allen, a qualidade criativa do realizador permite que o longa ganhe - ainda assim - um rótulo diferenciado dentro da atual safra de comédias românticas.


Nenhum comentário: