quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Crítica | Fiel à realidade, “O Pai Que Move Montanhas” demole expectativas num filme de resgate anti-Hollywood


Esqueça a cartilha hollywoodiana. Esqueça a figura do herói sofrido. Esqueça o senso de bravura altruísta frequentemente vendido pelo cinema americano. O Pai que Move Montanhas demole expectativas ao enxergar na angústia em torno de uma missão de resgate a oportunidade para repercutir o efeito da impotência a partir da perspectiva de um homem pretensamente poderoso. O longa romeno dirigido por Daniel Sandu troca o teor inspirador por uma abordagem realista. O foco como o título antecipa está na figura de Mircea (Adrian Titieni), um ex-agente da inteligência tomado pela aflição ao descobrir que o seu querido filho desapareceu numa gélida montanha. Em Hollywood, este seria mais um filme sobre a paternidade virtuosa. Sobre o homem forte e determinado capaz de mover uma montanha para realizar um resgate miraculoso. Confesso que, por um momento, achei que o veterano (e fora de forma) protagonista fosse se tornar o Liam Neeson da vez. O que seria bem frustrante...

Essa, contudo, não é a trilha que o longa escolhe pegar. Nem podia, já que estamos diante de uma obra baseada em desoladores fatos. O Pai que Move Montanhas opta por investir no caminho mais íngreme dramaticamente. O roteiro assinado pelo próprio diretor é inclemente ao estudar o efeito do desespero na figura de um tipo poderoso. Sandu mergulha no terror gerado pela situação a fim de expor a mentalidade deste homem sob o efeito de um estresse extremo. Na busca pelo paradeiro do filho, Mircea resolve “ desafiar” a montanha por meios moralmente discutíveis. Limites são quebrados. Tudo em prol de uma manifestação de força distorcida. 

O cineasta é cuidadoso ao traduzir o processo de deterioração física/ética/emocional do protagonista com a intenção de torná-lo mais humano. Um estudo de personagem complexo carregado de empatia. Os mesmos atos odiosos que revelam o egoísmo de alguém contaminado pela mentalidade da elite, expõem também a dor de um pai disposto a tudo para encontrar o seu filho. Sandu escancara os desvios dele sem julgá-lo. Ele deixa isso a critério do público. Diante de Mircea está uma força que nem o mais rico dos homens poderia controlar. O que você faria no lugar dele?

O Pai que Move Montanhas cresce à medida que diminui o protagonista. Daniel Sandu testa as nossas expectativas ao flertar com as convenções dos miraculosos filmes de resgate hollywoodianos para logo em seguida defender a realidade em torno de um frustrante processo. A Netflix pregou uma grande peça no seu público alvo ao investir num filme com uma estética enlatada, um plot potencialmente lacrimoso, mas uma abordagem seca fiel à natureza dos fatos. O que é sempre digno de elogios.

No momento em que se desconecta do protagonista, contudo, a expressiva produção romena se dispersa. Os desdobramentos familiares ficam em segundo plano diante da falta de espaço para o feminino dentro da trama. O diretor tenta resolver em poucas cenas o que o roteiro deveria trabalhar com mais profundidade. Por trás da inconsequência de Mircea existia a dor de uma mãe/ex-mulher solitária (Elana Purea) e as dúvidas de uma nova esposa (Judith State) prestes a ter um filho. Uma crise de prioridade que impede que o retrato sobre a impotência masculina proposto se torne ainda mais complexo.

Com um olhar maduro sobre o drama humano, O Pai que Move Montanhas rompe com a estética comercial ao respeitar a ‘via crucis’ de um homem perante o vazio gerado pela força da natureza. Desistir, aqui, pode ser sinônimo de abandono e também de altruísmo. Um dilema dilacerante que norteia a construção de uma obra imune a concessões. A realidade não permite isso.

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