- Rosas de Sangue (1960)
Com um vigor estético fascinante, Rosas de Sangue extrai um
novo sentido do vampirismo ao analisar a perda de identidade de uma mulher
lésbica às avessas com a repressão estrutural e a dos sentimentos não
correspondidos. O longa dirigido por Roger Vadim é maduro ao fundir horror e
dor numa obra gótica carregada de símbolos. A primeira grande adaptação do
conto Carmilla, de Sheridan Le Fanu, o longa estreado por uma estonteante Annette
Stroyberg mergulha na psique de uma jovem carente dividida entre o passado
ilusório e o presente aflitivo. O pseudo triângulo amoroso é apenas uma
desculpa para Vadim traduzir o efeito da descoberta sexual na rotina de
Carmilla. O ambíguo jogo de sedução entre ela e a futura esposa (Elsa
Martinelli) do seu querido primo dá ao diretor a chance de invadir a intimidade
desta mulher. A alegoria vampiresca esconde a frustração, a raiva alimentada
pela rejeição, a esperança fragilizada pelo meio. A partir de algumas
impressionantes soluções visuais, a sequência do transe é carregada de múltiplas
conotações, Vadim usa a metamorfose sugerida pela mitologia para enxergar a
depressão no vazio. O vampirismo enquanto patologia. O que começa com uma
explosão termina com uma explosão. Um senso de efemeridade opressor que faz de
Rosas de Sangue um filme trágico por natureza.
- Carmilla: A Vampira de Karnstein (1970)
Nem todo representante do cinema exploitation deve ser vilanizado. Muito pelo contrário. A sexualização em Carmilla: A Vampira de Karnstein diz muito sobre o senso de liberdade da protagonista. Talvez o cult mais “popular” da lista, a produção Hammer estrelada por Ingrid Pitt contorna o viés apelativo ao acompanhar o jogo de sedução de uma sobrevivente. Carmilla ataca para se alimentar. Isso ela consegue com os homens. Carmilla se aproxima das mulheres em busca de afeto, amizade e até amor. Um sentimento puro, mas distorcido. Adaptação da obra de Sheridan le Fanu, o estiloso longa dirigido por Roy Ward Baker usa a violência para canalizar a raiva de uma mulher perseguida. Uma pessoa impossibilitada de viver um relacionamento saudável sem “ferir” os costumes da sua época. Carmilla é a última da sua geração. Carmilla é a sobrevivente. Carmilla escolher atacar para não ser engolida pela solidão.
Em Escravas do Desejo, o diretor Harry Kummel também uso o
vampirismo para refletir a angústia de uma mulher lésbica. A diferença, no
entanto, está nas intenções desta personagem. A condessa Bathory interpretada
por uma sedutora Delphine Seyrig não queria mais fugir. Nem esconder os seus
sentimentos. Ela queria ter aquilo que julgava seu por direito. Sem apelar para
o exploitation, o cineasta usa o senso de erotismo creep para realçar os
obstáculos em torno de uma jornada inglória. O horror é uma defesa, mas também
um ato de desespero. A luz, no fim, é uma imposição. Se expor, dentro do
contexto LGBTQIA+, pode ser trágico tão trágico quanto na mitologia vampiresca.
Num meio repressor, viver o amor gay em liberdade é perigoso.
- Fome de Viver (1981)
Num cenário bem mais aberto, Fome de Viver fecha esta seleta lista trazendo a bissexualidade para o centro da equação. O elegante longa dirigido por Tony Scott enxerga o trágico processo de solidão de uma mulher prestes a perder o amor de uma vida. Como se não bastasse o chamariz em torno do sensual triângulo amoroso vivido por Catherine Deneuve, Susan Sarandon e David Bowie (que elenco!), o sinistro drama foca nas sequelas da repressão na construção de um novo e tortuoso relacionamento. A protagonista reluta em se “assumir” como vampira. Viver nas sombras é perigoso e pode custar caro. Scott contrasta a eternidade do amor heterossexual com a fragilidade de um relacionamento gay. Contrasta também a libertação da vampira secular com a rigidez da humana reprimida. Tudo para, no fim, finalmente libertar a sua protagonista das sombras.
Artigo originalmente postado no Instagram. Me siga por lá: @blog_cinemaniac.
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