segunda-feira, 28 de junho de 2021

Cinco Filmes | O vampirismo e o pioneirismo na representação lésbica no Cinema


Hoje é dia de Sessão Cult especial. A comunidade LGBTQIA+ sempre sofreu com a má representação no cinema de horror. Até bem pouco tempo era comum ver grandes filmes usarem os impulsos sexuais de personagens reprimidos como um traço de psicopatia. Grandes títulos como Vestido para Matar e O Silêncio dos Inocentes não me deixam mentir. É interessante notar, entretanto, como os populares filmes de vampiro nadaram contra a corrente neste aspecto. Numa época de grande repressão e conservadorismo, alguns cineastas encontraram na subversão da mitologia masculinizada do segmento uma oportunidade de tocar em temas caros dentro do universo queer. Com destaque para o foco na relação entre mulheres. Os filmes de vampiras lésbicas se tornaram populares nos anos 1970 graças ao viés ‘exploitation’. Uma representação voltada para o prazer masculino que pouco tem a acrescentar aqui. É um erro, contudo, reduzir a importância deste subgênero no processo de afirmação do cinema LGBT ao redor do mundo. Alguns destes filmes se tornaram marcos. Quebraram tabus ao usar o mitológico para discutir a realidade. Deram voz ao feminino como poucos títulos da sua geração conseguiram. Entre eles os cinco hits cult listados abaixo.

- A Filha do Drácula (1936)


Imagine você, em 1936, um grande estúdio investir numa personagem com um claro teor LGBTQ+. Em A Filha de Drácula, a Universal Studios resolveu tirar do papel uma sequência indireta do clássico estrelado por Bela Lugosi desta vez estrelada por uma mulher. Uma vampira que, após a morte do seu “pai”, resolve fazer de tudo para tentar se livrar da sua “maldição”. O vampirismo, aqui, ganha uma conotação repressora. O diretor Lambert Hiliyer funde o horror ao drama ao acompanhar a triste jornada de uma mulher solitária cansada de viver nas sombras. As insinuações são quase explícitas. A protagonista quer resistir aos seus impulsos, ela se sente obrigada pelo meio em que vive, mas simplesmente não consegue. O terror reflete o aprisionamento da icônica da Condessa Zaleska de Gloria Hoden. Uma abordagem que dialoga com o segundo grande representante desta lista.

- Rosas de Sangue (1960)


- Rosas de Sangue (1960)

Com um vigor estético fascinante, Rosas de Sangue extrai um novo sentido do vampirismo ao analisar a perda de identidade de uma mulher lésbica às avessas com a repressão estrutural e a dos sentimentos não correspondidos. O longa dirigido por Roger Vadim é maduro ao fundir horror e dor numa obra gótica carregada de símbolos. A primeira grande adaptação do conto Carmilla, de Sheridan Le Fanu, o longa estreado por uma estonteante Annette Stroyberg mergulha na psique de uma jovem carente dividida entre o passado ilusório e o presente aflitivo. O pseudo triângulo amoroso é apenas uma desculpa para Vadim traduzir o efeito da descoberta sexual na rotina de Carmilla. O ambíguo jogo de sedução entre ela e a futura esposa (Elsa Martinelli) do seu querido primo dá ao diretor a chance de invadir a intimidade desta mulher. A alegoria vampiresca esconde a frustração, a raiva alimentada pela rejeição, a esperança fragilizada pelo meio. A partir de algumas impressionantes soluções visuais, a sequência do transe é carregada de múltiplas conotações, Vadim usa a metamorfose sugerida pela mitologia para enxergar a depressão no vazio. O vampirismo enquanto patologia. O que começa com uma explosão termina com uma explosão. Um senso de efemeridade opressor que faz de Rosas de Sangue um filme trágico por natureza.

- Carmilla: A Vampira de Karnstein (1970)

Nem todo representante do cinema exploitation deve ser vilanizado. Muito pelo contrário. A sexualização em Carmilla: A Vampira de Karnstein diz muito sobre o senso de liberdade da protagonista. Talvez o cult mais “popular” da lista, a produção Hammer estrelada por Ingrid Pitt contorna o viés apelativo ao acompanhar o jogo de sedução de uma sobrevivente. Carmilla ataca para se alimentar. Isso ela consegue com os homens. Carmilla se aproxima das mulheres em busca de afeto, amizade e até amor. Um sentimento puro, mas distorcido. Adaptação da obra de Sheridan le Fanu, o estiloso longa dirigido por Roy Ward Baker usa a violência para canalizar a raiva de uma mulher perseguida. Uma pessoa impossibilitada de viver um relacionamento saudável sem “ferir” os costumes da sua época. Carmilla é a última da sua geração. Carmilla é a sobrevivente. Carmilla escolher atacar para não ser engolida pela solidão. 


- Escravas do Desejo (1971)

Em Escravas do Desejo, o diretor Harry Kummel também uso o vampirismo para refletir a angústia de uma mulher lésbica. A diferença, no entanto, está nas intenções desta personagem. A condessa Bathory interpretada por uma sedutora Delphine Seyrig não queria mais fugir. Nem esconder os seus sentimentos. Ela queria ter aquilo que julgava seu por direito. Sem apelar para o exploitation, o cineasta usa o senso de erotismo creep para realçar os obstáculos em torno de uma jornada inglória. O horror é uma defesa, mas também um ato de desespero. A luz, no fim, é uma imposição. Se expor, dentro do contexto LGBTQIA+, pode ser trágico tão trágico quanto na mitologia vampiresca. Num meio repressor, viver o amor gay em liberdade é perigoso. 

- Fome de Viver (1981)

Num cenário bem mais aberto, Fome de Viver fecha esta seleta lista trazendo a bissexualidade para o centro da equação. O elegante longa dirigido por Tony Scott enxerga o trágico processo de solidão de uma mulher prestes a perder o amor de uma vida. Como se não bastasse o chamariz em torno do sensual triângulo amoroso vivido por Catherine Deneuve, Susan Sarandon e David Bowie (que elenco!), o sinistro drama foca nas sequelas da repressão na construção de um novo e tortuoso relacionamento. A protagonista reluta em se “assumir” como vampira. Viver nas sombras é perigoso e pode custar caro. Scott contrasta a eternidade do amor heterossexual com a fragilidade de um relacionamento gay. Contrasta também a libertação da vampira secular com a rigidez da humana reprimida. Tudo para, no fim, finalmente libertar a sua protagonista das sombras. 

Artigo originalmente postado no Instagram. Me siga por lá: @blog_cinemaniac.

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