segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Crítica | The Rental

A infidelidade mata

O cinema de horror, em especial os ‘slasher movies’, costumam andar de mãos dadas com o moralismo. Isso não é novidade alguma. Uma abordagem, de fato, até bem saturada por inúmeras franquias e realizadores. Tanto que, nos últimos anos, tem sido mais comum ver títulos subvertendo este conceito (como os ótimos O Segredo da Cabana e A Morte Te dá Parabéns). Eu entendo, inclusive, que um dos motivos da derrocada do subgênero nos últimos anos se deve ao esgotamento desta fórmula. Ora e vez, por outro lado, alguns títulos conseguem resgatar o viés punitivo com esperteza. The Rental, definitivamente, está entre eles. 

No seu longa de estreia, o ator Dave Franco (o brother mais novo de James Franco) reoxigena uma estrutura batida ao enxergar além do horror pelo horror. Embora com evidentes problemas de ‘timing’, o que, de certa forma, reflete a inexperiência deste versátil realizador, o thriller estrelado pelos talentosos Dan Stevens, Alisson Brie, Sheila Vand e Jeremy Allen White fisga ao tratar a vocação inquisidora do segmento dentro de um contexto mais complexo. No papel, Vigiados (título no Brasil) parte de uma premissa reconhecido. Dois casais decidem alugar uma casa isolada para tirar um final de semana. Lá, porém, descobrem que existe alguém os observando. A partir deste fiapo de argumento, Franco surpreende ao não se render facilmente às convenções dos ‘slashers’. O roteiro se preocupa em estabelecer a dinâmica entre os protagonistas, a natureza das relações, as certezas e as dúvidas. Não sei até que ponto os fãs mais conservadores do segmento aceitarão está visão mais pés no chão. 

É fato, porém, que ela é fundamental para os desdobramentos que virão a seguir. O caos nasce da intimidade dos casais. Antes da tensão tomar conta vem o desconforto. O isolamento, aos olhos do cineasta, abre portas para que sentimentos repentinos\reprimidos tornem tudo mais tênue. Nas entrelinhas, Franco é inteligente ao tratar o preconceito, a insegurança e a infidelidade como o combustível da trama. Ele testa as expectativas\empatia do público. Numa sacada perspicaz, a subjetividade do invasor se confunde com a do espectador. Nós, ao contrário dele, só podemos assistir. Um elo incômodo valorizado pela condução seca e crua de Dave Franco. Quando o horror toma conta, o diretor entrega agressividade, um antagonista impactante e alguns inesperados ‘jump scares’. 

O que falta a The Rental, no entanto, é um fio condutor capaz de unir o drama dos personagens ao terror que os cerca. O filme pisa no acelerador tardiamente. O roteiro assinado pelo próprio diretor, ao lado de Joe Swanberg, vacila ao subaproveitar elementos como a sensação de paranoia, de vigilância e até mesmo o sentimento de culpa que torna tudo mais nebuloso. Franco, na transição para o último ato, meio que banaliza as brechas morais tão bem construídas até então. O vilão surge para matar a natureza complexa do conflito entre os amigos. A experiência, por sua vez, sobrevive. Sai machucada, ferida pelos clichês, mas viva. Com um olhar punitivo para os erros dos seus personagens, Vigiados é eficaz ao usar a vulnerabilidade emocional\afetiva\física deles para turbinar a atmosfera de perigo crescente. Um ‘slasher movie’ com substância capaz de usar o moralismo à serviço terror.

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