sábado, 10 de outubro de 2020

Crítica | The Lie (Mentira Incondicional)

Casos de família

Sou do time que acredita que um roteiro problemático é capaz de arruinar qualquer filme. Por melhor que seja o diretor. Por mais dedicado que seja o elenco. Quando o texto não ajuda, a experiência tende a ser prejudicada. The Lie é mais um grande exemplo disso. No papel, a produção da Blumhouse em parceria com a Amazon Studios traz consigo elementos por si só instigantes. O que poderia ser uma angustiante crônica sobre o estrago causado superproteção parental, no entanto, é limitado por um script que prefere sempre seguir o caminho mais fácil. O tipo de obra que, na ânsia de proteger os seus segredos, sacrifica a complexidade e o estudo de personagem. 

Até onde você iria para evitar que o seu filho(a) fosse preso? A partir desta provocante questão, o thriller dirigido por Veena Sud (da ótima série The Killing) fisga ao mergulhar na rotina de um casal divorciado obrigado a se reaproximar quando a sua filha confessa ter assassinado a sua melhor amiga. Enquanto foca nas questões morais, o argumento assinado pela própria diretora intriga ao tratar com a devida complexidade o turbilhão de emoções enfrentado pelos pais. Como se não bastasse o desconforto impresso nas feições dos talentosos Peter Sarsgaard e Mireille Enos, Sud usa o mistério em torno do evento como um agente catalisador. A mentira, aqui, não só corrói os personagens. Ela é uma bola de neve. O cenário gélido, além de isolar os protagonistas, casa com o tom frio da obra. O afeto (ou a falta dele) aquece a trama.

Disposto a apagar os rastros deixados pela garota, os pais veem o seu amor colocado à prova. O que frustra em The Lie é que, neste primeiro momento, Veena Sud consegue propor uma reflexão moral consistente. A cineasta é cuidadosa ao, a partir dos atos dos pais e dos pesados desdobramentos deles, provocar o espectador. A empatia e a repulsa são separadas por uma linha tênue. A evidente falta de comunicação entre os personagens gera conflitos familiares silenciosos. As cicatrizes do passado se refletem no presente. Na reconexão forçosa. Na falta de diálogo. Nas portas fechadas repentinamente. Uma pena que, ao invés de se aprofundar na psique do disfuncional casal diante dos fatos, Sud prefere construir um tolo clima de mistério em torno da instável filha. E sem jogar limpo com o público.

Quando decide dar voz a mimada Kayla, o longa sacrifica a sua natureza crítica. O que vemos é um rascunho de arco dramático. Na ânsia de proteger a verdade a qualquer custo, a realizadora transforma a jovem numa espécie de peão narrativo. O argumento não nos permite decifrá-la. Seus atos não fazem sentido. Sua mentalidade não condiz com a sua idade. Ora ela parece uma vítima, ora uma psicopata, ora uma boba alegre. Apesar do esforço da carismática Joey King, Sud subestima a inteligência do público ao insinuar mais do que construir. Por mais que, a rigor, o plot twist seja até plausível, a complexidade da trama se esvai à medida que o script se escora em uma série de clichês e conveniências que nada acrescentam. Pistas falsas? Sério? Enfático ao questionar os limites da superproteção parental, The Lie perde inúmeras oportunidade ao se revelar um thriller tão imaturo (e antecipável) quanto a sua protagonista.

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