sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Crítica | Evil Eye (Mau-Olhado)

Representatividade e decepção

A violência doméstica é um tema urgente que precisa ser debatido em todos os setores da nossa sociedade. No cinema, recentemente, a releitura do clássico O Homem Invisível trouxe uma abordagem singular sobre este reconhecível mal. Nem todo longa que se dispõe a tocar em um tema necessário, porém, merece o crédito por isso. Produzido pela mesma Blumhouse do hit acima, Evil Eye espanta (negativamente) ao se aproveitar de um contexto trágico para construir um pseudo thriller deslocado da realidade. Com base no audiobook do também roteirista Madhuri Shekar, o longa dirigido por Elan e Rajeev Dassani é do tipo que dedica tudo a sua mensagem.

Esqueça a construção narrativa. Esqueça a atmosfera de tensão. Esqueça o desenvolvimento de personagens. O problema, aqui, vai além da superficialidade. A dupla de cineastas realmente acredita que imagens aleatórias de violência contra a mulher, flashbacks estilizados desconectados e um fiapo de trama envolvendo reencarnação era o bastante para construir um arco dramático. A rica cultura indiana é empobrecida num plot que a todo momento subestima a inteligência do público com superstições gratuitas e um destoante tom folhetinesco. Ao invés de estudar as sequelas deste problema dilacerante, Elan e Rajeev preferem a dramatização. Ao invés de analisar o estrago causado por homens como Sandeep, a dupla prefere construir o mistério.

O suspense surge para desacreditar a vítima, a traumatizada Usha (interpretada com afinco por Sarita Choudhury). Quando ela vê a sua filha (Sunita Mani, limitada pela personagem) envolvida com um homem de passado nebuloso, feridas nunca cicatrizadas voltam a se abrir. No papel, uma premissa extremamente atual. Na prática, um argumento que, na ânsia de construir a tensão em torno da natureza do novo pretendente, erra feio ao fantasiar a realidade. Elan e Rajeev Dassani sacrificam a universalidade da crítica ao enxergar o mal como algo puro e unidimensional. O hinduísmo serve como uma “desculpa” para a construção de um ‘plot twist’ oco, repentino e previsível. O que ajuda a explicar a fragilidade narrativa da produção. O tipo de obra que sacrifica o desenvolvimento dramático para impactar através de uma reviravolta. 

Paupérrimo também esteticamente, as conversas entre mãe e filha por um Skype imaginário escancaram a falta de ideias da direção, Evil Eye é um thriller com alma de ‘soap opera’ que se sustenta minimamente na representatividade. Como é legal ver um filme da Blumhouse formado majoritariamente por indianos. Como é frustrante ver o talentoso elenco desperdiçado numa obra refém das afetações do gênero e da falta de assinatura visual.  

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