segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Revigorado pelo cinema indie, Bill Murray completa 70 anos como o personagem mais fascinante de Hollywood



Indecifrável, Bill Murray é uma espécie de esfinge do humor. O tipo de ator repleto de surpresas. Daqueles que insiste em não ser tipificado. Genioso para uns, gentil para outros. Dedicado para uns, relapso para outros. Genial para uns... Não. Genial para todos! Com o seu senso de humor único, Murray construiu em 70 anos uma das filmografias mais expressivas dentro da comédia americana. Uma trajetória marcada pela versatilidade. Transitou das produções escrachadas às mais alternativas. Viveu um caçador de fantasmas, um homem preso no tempo, um ator decadente no Japão e até um gato que odeia segundas-feiras. Sempre com o seu DNA cômico. Sempre com a sua saborosa presença sarcástica.


É fácil entender porque Bill Murray se destacou em grandes trupes de comédia no início da sua carreira. Nascido Evanston, Illinois, no dia 21 de setembro de 1950, o jovem ator cresceu numa família numerosa. É difícil roubar a cena quando você tem oito irmãos. Entre eles os também atores John Murray (Trânsito Muito Louco), Joel Murray (Mad Men) e Bryan Doyle-Murray (Quanto Mais Idiota Melhor). Foi através deste último, aliás, que ele se mudou para Chicago para integrar o elenco da trupe The Second City. A sua primeira grande experiência na comédia. Antes disso, porém, Bill Murray aprontou. O seu senso de humor quase custou caro. No dia em que completava 20 anos, o ator foi detido no aeroporto O’Hare com 4,5 kg de maconha. Tudo porque resolveu fazer uma piada que estava portando uma bomba na sua bagagem. Ele foi condenado, mas sentenciado a cumprir a pena em liberdade condicional. Ufa! Quatro anos depois, Murray mudava para Nova Iorque. A convite de John Belushi, o ator foi contratado para integrar o The National Lampoon Radio Hour. O programa de rádio da trupe cômica mais ácida da época capitaneado por nomes como Harold Ramis, Chevy Chase e Gilda Radner.


Logo veio o convite que mudou a sua carreira. Em 1976, após a saída de Chevy Chase, Bill Murray foi contratado para fazer parte do elenco do Saturday Night Live. Ali nascia o astro da comédia que o mundo aprendeu a amar. Ele precisou de pouco tempo para alçar voos maiores. Em 1979, Murray estreava como protagonista no influente Almondegas. No ano seguinte, arrancou risadas do público americano ao roubar a cena com um insano caddie no popular Clube dos Pilantras (1980). Escrito pelo seu irmão Bryan Doyle, o longa faturou expressivos US$ 40 milhões nas bilheterias americanas, o que ajudou a catapultar a carreira de Murray. Curiosamente, o ator trabalhou como caddie na adolescência. A essa altura, Bill Murray já era um dos nomes mais peculiares desta geração. Sem nunca se levar a sério, ele se tornou um personagem dentro de fora dos sets. Sua irreverência se tornou notória. “Faço isso porque é divertido”, disse ao The Guardian. Não à toa, após estrelar o sucesso Recrutas da Pesada (1981), Murray foi convidado para ser o entrevistado de abertura de um dos maiores talk shows dos EUA:  o Late Show with David Letterman (1983). A sua postura indolente, porém, quase custou um dos maiores papeis da sua carreira.


Após dar a sua palavra para os amigos Harold Ramis e Ivan Reitman que iria estrelar Os Caça Fantasmas, Bill Murray simplesmente não aparecia para fazer a leitura do roteiro. Após inúmeras tentativas frustradas, os dois tiveram que fazer uma “intervenção” no aeroporto de Nova Iorque e praticamente sequestraram o ator. “Fomos de carro para La Guardia e Bill chegou em um avião particular, uma hora atrasado, e passou pelo terminal com uma buzina de estádio - um daqueles megafones que toca 80 canções de luta diferentes - e ele estava se dirigindo a todos que estavam à vista com isso coisa e tocando uma música. Nós o arrastamos para fora de lá e fomos a um restaurante no Queens”, confessou Ramis. Só assim Bill Murray leu o script. Só assim entrou no projeto mais lucrativo da sua carreira. Como se não bastassem os US$ 296 milhões nas bilheterias, Os Caça-Fantasmas (1984) se tornou um fenômeno pop. Murray, porém, não ficou totalmente feliz. Isso porque, antes de rodar Ghostbusters, o ator estrelou e roteirizou o drama No Fio da Navalha (1984). Um projeto um tanto pessoal que, por iniciativa da Columbia Pictures, foi lançado depois do blockbuster e se tornou um enorme fracasso. Magoado, Murray chegou a parar de atuar por quatro anos. Neste meio tempo, ele foi estudar filosofia na Universidade Sorbonne.


Um período que ajuda a explicar a mudança de tom na sua carreira. No seu “retorno”, Bill Murray começou a experimentar mais. Após estrelar o divertido Os Fantasmas Contra-Atacam (1988) e o popular Os Caça-Fantasmas 2 (1989), o ator adicionou elementos novos ao seu “personagem” no subestimado Não Tenho Troco (1990) e no afiado Nosso Querido Bob (1991). Uma iniciativa que ficou mais claro no aclamado Feitiço do Tempo (1993). Um hit com muito a dizer sobre o momento de Murray. Na pele de um homem preso no tempo, o ator, dentro do set, entregou uma das performances da sua carreira. Fora dele, porém, Murray tornou tudo difícil com o seu comportamento irritadiço e relapso. Tanto que, logo após as filmagens, ele e o velho amigo Harold Ramis (o diretor do filme) romperam a relação por mais de duas décadas. “Às vezes, Bill era irracionalmente mesquinho e indisponível; ele estava constantemente atrasado no set. O que eu gostaria de dizer a ele é exatamente o que dizemos aos nossos filhos: 'Você não precisa ter acessos de raiva para conseguir o que deseja. Basta dizer o que quiser”, expos o cineasta. Só em 2014, num gesto tão repentino como o que os separou, Murray procurou o ex-parceiro com um pedido de desculpas. Ramis faleceu meses depois vítima de uma vasculite autoimune. 


Na segunda metade dos anos 1990, Bill Murray já não era um astro de comédia tão rentável assim. Títulos como Uma Herança da Pesada (1996) e o impagável O Homem Que Sabia de Menos (1997) deram pouco retorno nas bilheterias. No cinema alternativo, porém, ele reencontrou o vigor. Por apenas US$ 9 mil aceitou estrelar o aclamado Três é Demais (1998). Um sucesso de crítica que, além de catapultar a carreira de Wes Anderson, marcou o início de uma longa e frutífera parceria consagrada com títulos como Os Excêntricos Tenenbaums, A Vida Marítima de Steve Zissou e Ilha de Cachorros. Já sob a batuta da jovem Sofia Coppola, ele conquistou plateias ao redor do mundo ao estrelar o romance Encontros e Desencontros (2003). Murray sequer assinou contrato para protagonizar o longa. Avesso ao mundo virtual, o ator tem o costume de ser bem inacessível. Reza a lenda que, durante a pré-produção do longa, Coppola chegou a temer que ele não parecesse. O filme, segundo a própria, “não existiria sem Bill Murray”. Tanto que, num misto de insegurança e desespero, a jovem realizadora procurou pegar algumas dicas com Wes Anderson. “Se ele disser que vai fazer isso, ele vai aparecer”, disse o cultuado diretor para Sofia na tentativa de tranquiliza-la. Algo que só aconteceu mesmo quando, há poucos dias do começo das filmagens, Murray desembarcou em Tóquio.


Na virada para os anos 2000, Bill Murray passou a enxergar os filmes pipoca como um grande contracheque. Títulos como As Panteras (2000), Garfield (2004), Zumbilândia (2008) e Agente 86 (2008) se tornaram o “sustento” da sua carreira no cinema indie. Um comportamento que se refletiu nos sets. Em As Panteras, por exemplo, ele quase apanhou de Lucy Liu ao dizer que “ela não sabia atuar”. Os motivos que o levaram a Garfield, por sua vez, são bem mais cômicos. Muitas vezes inacessível, Murray topou dar voz ao sarcástico gato achando que o roteiro da animação seria assinado por Joel Coen (O Grande Lebowski) quando o autor era Joel Cohen (A Creche do Papai 2). “Tive uma experiência hilária com Garfield. Eu só li algumas páginas dele, e eu meio que queria fazer um filme de desenho animado, porque eu tinha visto o roteiro e dizia “Joel Cohen” nele. E eu não estava pensando com clareza, mas estava escrito Cohen, não Coen. Eu amo os filmes dos irmãos Coen. Acho que Joel Coen é uma mente cômica maravilhosa. Então, eu realmente não me preocupei em terminar o roteiro, pensei “ele é ótimo, eu farei isso”, confessou o ator ao Reddit. Murray admitiu também que, após a descoberta, teve que trabalhar duro dar a sua personalidade ao script. Uma letrinha faz toda a diferença...


Foi com nomes como Wes Anderson, Jim Jamursch (Flores Partidas e Os Mortos Não Morrem) e Sofia Coppola, porém, que Murray encontrou o seu porto seguro. “Lembro-me que um amigo me disse há um tempo: 'Você tem uma reputação.' E eu disse: 'O quê?' E ele disse: 'Sim, você tem a reputação de ser difícil de trabalhar.' Mas eu só ganhei essa reputação de pessoas com quem não gostava de trabalhar, ou de pessoas que não sabiam trabalhar, ou o que é trabalho. Jim, Wes e Sophia, eles sabem o que é trabalhar e entendem como se deve tratar as pessoas. As pessoas pensam que porque te contrataram podem tratá-lo como um ditador (...) E isso sempre foi um problema para mim. Abrir a porta para alguém atrás de você é tão importante quanto projetar um edifício”, exclamou Murray ao The Guardian. Genial e genioso, o astro da comédia se tornou o rosto de realizadores igualmente inquietos. Agora aos 70 anos, ele segue levando o estrelato com despretensão e leveza. Segue mostrando a sua verdade através do humor. Segue atraindo os holofotes com promessas de grandes filmes. On The Rocks, de Sofia Coppola, The French Dispatch, de Wes Anderson, e Ghostbusters: Mais Além, de Jason Reitman, não me deixam mentir. É Bill Murray no melhor estilo Bill Murray.

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