quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Crítica | I Think We’re Alone Now

A insensibilidade do novo normal


Poucos filmes dialogam tão bem com o momento que vivemos hoje como o subestimado I Think We’re Alone Now. Lançado sem grande alarde via streaming Brasil, o drama ‘indie’ pós-apocalíptico intriga ao debater a solidão dentro de um contexto extremo, mas reconhecível. Embora parta de um lugar comum dentro do gênero, o longa dirigido por Reed Moreno (da série The Handmaid's Tale) impacta ao discutir o vazio que criamos para nós mesmos e a nossa relação com ele. “Eu era mais sozinho quando mil e seiscentas pessoas viviam nesta cidade”, diz o protagonista, o único sobrevivente de uma pandemia de um vírus letal. 


A solidão, aos olhos dele, ganha uma perspectiva paradoxal. Ele deixou de se sentir só quando todos ao seu redor partiram. Na pele do introspectivo Del, Peter Dinklage interioriza os conflitos do seu personagem com intensidade. Sem nunca apelar para a exposição gratuita, Moreno é habilidosa ao, a partir da rotina dele, compreender o seu estado de espírito. O vazio, de certa forma, lhe trouxe plenitude. Ele finalmente foi capaz de dominar o caos social que o cercava e se reconectar com a comunidade. Um elo lúgubre, mas respeitoso. A reação de alguém sensível ao cenário que está inserido. Isso até cruzar o caminho da radiante Grace. A elétrica jovem vivida Elle Fanning surge como um novo choque de realidade. Embora perca algumas oportunidades no que diz respeito ao estudo das feridas emocionais dos personagens, Moreno compensa ao notar as sequelas do isolamento enquanto investiga os laços que nunca foram criados. O hábito do protagonista de guardar fotos “furtadas” das casas dos mortos reflete um misto de humanidade e amargor que merecia um tratamento mais profundo do script. O roteiro trata o isolamento como um mecanismo de proteção dele dentro de um mundo impiedoso. 


É na transição para o último ato, porém, que o drama invade a nossa realidade com um comentário potente. Apesar de abrupta, a reviravolta proposta pelo esperto argumento potencializa a alegoria pensada ao atacar o outro lado da moeda. Talvez o maior agente da solidão. Aqueles que fazem da socialização algo vazio. Na era dos filtros das redes sociais e da simulação da felicidade, a cineasta é contundente ao questionar a nossa postura “anestesiada” diante das mazelas que nos cerca. Para Reed Moreno, o novo normal não existe. Se o isolamento é uma defesa, a fuga é uma espécie de alienação. I Think We’re Alone Now trata a solidão dentro de um contexto amplo ao sugerir que não é preciso ser antissocial para se desconectar da realidade. 

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