segunda-feira, 8 de junho de 2020

Os 70 anos de Sônia Braga, o expressivo rosto do cinema brasileiro no mundo


"Antes de ser atriz, sou trabalhadora. As pessoas não compreendem a arte como uma profissão". Não é exagero constatar que Sônia Braga ajudou a construir a identidade do cinema nacional. Sua presença exuberante, combinada com o talento e a personalidade forte, fizeram dela um ícone. Um status que, ao contrário do que acontece com muitos, nunca a limitou. Sua beleza singular abriu portas. E ela soube o que fazer com isso. Soube defender através das suas personagens a libertação feminina, o empoderamento, a espontaneidade. Ela se acostumou a quebrar tabus. Poucas vezes uma subida ao telhado para pegar uma pipa foi tão emblemática quanto a inesquecível sequência de Gabriela (1975). Poucas vezes um protesto num tapete vermelho de um festival como o de Cannes foi tão enfático como o realizado na estreia mundial de Aquarius (2016). Ao longo de sete décadas de vidas, Sônia Braga escreveu (e ainda escreve) uma página ímpar na arte brasileira com grandes filmes, grandes atuações e uma dose de ousadia que poucas (bem poucas) tiveram a coragem de experimentar. 


Nascida no dia 8 de Junho, em Maringá, no Paraná, Sônia Maria Campos Braga se tornou nos anos 1980 a mais popular estrela internacional do cinema brasileiro. Com personagens intensos e muitas vezes sensuais, a atriz ganhou status de símbolo sexual. Ao longo da sua infância, porém, ela sofria bullying (pasmem) por sua “feiura”. Seus irmãos a apelidaram maldosamente de Zezé Macedo (A Escolinha do Professor Raimundo), uma atriz que ganhou fama por sua beleza exótica. A “criança magra com olhos enormes” teve uma infância complicada. Sônia Braga perdeu o pai aos 8 anos. Viúva, sua mãe teve que trabalhar num posto de gasolina para sustentar os sete filhos. Logo cedo ela teve que assumir um papel desafiador. “Foi uma crise absoluta. Aos nove anos, eu me sentia velha, com muitas responsabilidades. Acordava às 5h, ia para a escola, deixava os meus dois irmãos pequenininhos na creche, limpava a casa e só depois fazia o dever", confessou Sônia na foto acima com 16 anos.

Sônia Braga estreou como atriz aos 14 anos. Graças ao seu irmão, Hélio Braga, ela ganhou um papel de princesa no programa infanto-juvenil Jardim Encantado (1964), da TV Tupi. Nesse meio tempo, a então adolescente resolveu trabalhar. Antes de triunfar na sua profissão, ela foi recepcionista de uma tradicional empresa de Buffet. Uma opção que, curiosamente, abriu as portas para o mundo das artes. Em um dos desfiles de moda promovidos pela empresa, Sônia conheceu um maquiador que a levou para um teste como modelo. Para variar, ela chamou a atenção. Algo que viria acontecer rotineiramente ao longo da sua vindoura carreira. Em 1967, Sônia Braga entrou para a trupe teatral de Heleny Guariba. Antes de completar 18 anos, ela já experimentava o “frisson” do período. “Fiquei louca, era festa dia e noite”. No ano seguinte, Sônia ganhou um importante papel na adaptação brasileira do musical Hair (foto acima). Nele, a jovem atriz causou um rebuliço ao aparecer em cena nua. Tudo pela arte. Uma postura livre que chamou a atenção. Após fazer uma pequena participação no poderoso O Bandido da Luz Vermelha (1968), ela construiu seu nome na TV em produções como Irmãos Coragem (1970), Selva de Pedra (1972), Gabriela (1975),  Saramandaia (1976) e Dancing Days (1978).

Com a livre Gabriela (foto acima), Sônia Braga virou um ícone pop\sexual. Estima-se que a adaptação da obra de Jorge Amado chegou a alcançar mais de 25 milhões de brasileiros diariamente. Sua presença sexy\natural refletiu a sua transformação enquanto mulher. "Quando fiz Gabriela, minha esperança foi que as mulheres brasileiras andassem descalças, de cabelos soltos e usando vestidinhos de chita, como a personagem da novela. Quando descobri Gabriela eu me vi nela, percebi que era hippie antes de o estilo hippie ser uma moda. Antes de Gabriela, eu só fazia personagens de branquelas neuróticas, meninas que falavam esquisito”, revelou em entrevista recente ao UOL. Uma mudança que catapultou a sua carreira no cinema. Nos anos seguintes, ela se tornou uma verdadeira estrela ao emplacar os sucessos de público Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976), A Dama da Lotação (1978) e Eu Te Amo (1981). O triângulo amoroso “paranormal” dirigido por Bruno Barreto, inclusive, garantiu a Sônia Braga uma indicação ao BAFTA, o Oscar do cinema Inglês. Dona Flor, por sinal, foi indicado ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro.

As portas de Hollywood definitivamente se abriam para ela. E Sônia Braga aproveitou a oportunidade. Logo no seu 1º projeto internacional veio a consagração. Em O Beijo da Mulher Aranha (1985), de Hector Babenco, a atriz causou suspiros globais ao viver a musa de um prisioneiro político. Ao lado de Raul Julia e o vencedor do Oscar William Hurt, Sônia impactou com uma performance forte e sensual. As suas credenciais ficaram evidentes. Após se tornar a primeira brasileira a apresentar uma categoria do Oscar, ela trabalhou com o astro Robert Redford em Rebelião em Milagro (1986), com Clint Eastwood em Rookie (1990), com John Frankenheimer em Amazônia em Chamas (1994), com Nicolas Roeg em Two Deaths (1995). Neste meio tempo foi indicada também ao Globo de Ouro com a comédia Luar sobre Parador (1988). Uma carreira de sucesso, mas tipificada pela sua latinidade. “Infelizmente, ela não fez coisas à altura do talento dela em Hollywood, que a catalogou no escaninho das latinas. No Brasil, a indústria também não aproveita a grande atriz que ela é”, sintetizou Hector Babenco. Um tabu ainda mais nocivo para as mulheres. "Nos anos 1970, falava que minha vida era um campo em que eu corria, corria e chegava aos lugares sem perceber que o campo era minado e que, por sorte, eu nunca havia pisado em nada. Minha vida sempre foi isso. Aprendemos com a nossa história. Se você já sabe que esse campo está minado, não vai correr para trás", constatou a atriz que, em 1996, estreou a versão fílmica de Tieta.

Na virada dos anos 2000, Sônia Braga brilhou na TV americana. Após dividir a tela com Jennifer Lopez em Olhar de Anjo (2001), a atriz se tornou um rosto recorrente em produções como Sex and The City (2001), American Family (2002), Law and Order (2003), CSI Miami (2005), Alias (2005), Ghost Whisperer (2005) e Brother and Sisters (2010). Naturalizada americana, Sônia Braga estrelou também a versão brasileira de Donas de Casas Desesperadas (2008). No cinema porém, Sônia Braga foi “redescoberta” pelas novas gerações nas mãos do diretor Kleber Mendonça Filho. Considerado pela própria atriz o filme mais importante da sua carreira, Aquarius (2016) mostrou uma atriz ainda mais visceral e política. Eleito um dos dez melhores filmes do ano pela conceituada revista Cahiers du Cinéma, Aquarius deu a Sônia Braga o papel que qualquer grande atriz gostaria de receber. Uma mulher forte, resiliente, capaz de lutar pelo que é seu contra um sistema implacável.

“Eu me defino como uma humanista, sou profundamente abalada por problemas sociais e pela pobreza. Tenho duas certezas: não sou conservadora e não sou de direita". Após marcar presença no popular drama Extraordinário (2017), Sônia Braga experimentou o sucesso popular com o afiado hit Bacurau (2019). Mais uma vez com Kleber Mendonça Filho, a veterana atriz se desprendeu da vaidade ao interpretar a ressecada Domingas. A personagem que viria a se tornar o símbolo de resistência neste instantâneo fenômeno cultural brasileiro. “Ela não tem filtros; é uma pessoa que chega e fala tudo o que pensa. Gostaria que as pessoas se inspirassem em Domingas. Estou de saco cheio de ter de ficar contornando a verdade”, confessou a atriz mais uma vez expressando a sua personalidade através das suas personagens. Do alto dos seus 70 anos, Sônia Braga segue impactando, segue desaforando, segue se posicionando. “Aniversários podem ser adiados, mas a vida e a fome não”, escreveu a atriz no seu Instagram usando o seu prestígio para pedir doações para todos aqueles que precisam. Uma grande mulher, uma grande atriz, uma referência no cinema nacional.

3 comentários:

Neuzza Pinheiro disse...

Homenagem mais que merecida, a esta bela e incansável guerreira da grande arte, bem além de sétima, tudo!

Unknown disse...

Atriz inteira, intensa, verdadeira. Talentosa e criativa. Icone consagrado do cinema brasileiro. Só temos que agradecer a existência do fenômeno Sônia Braga.

Michael Carvalho Silva disse...

Eu mesmo inclusive fiz questão de humilhar e escrotizar completamente Sônia Braga na Internet depois que ela teve a audácia de comparar as atrizes americanas com Monica Lewinsky sendo que a minha família inteira sempre disse que ela nunca passou de uma prostituta brasileira em Hollywood além dela mamar nas tetas da Lei Rouanet e no pau podre e infecto do próprio Lula também.