Uma experiência cansativa
Vou ser o mais direto possível na abertura desta crítica. The Last Days of American Crime é um dos piores filmes de ação que tive a oportunidade de assistir em anos. É inaceitável pensar que a mesma Netflix que nos brindou há algumas semanas com o enérgico Resgate, abriu a sua plataforma para esta cansativa bomba cinematográfica. Duas horas e meia de personagens pessimamente desenvolvidos, sequências de ação genéricas, violência inverossímil e uma explosão de conveniências narrativas. Uma metralhadora giratória de clichês comandada por um diretor que, para piorar, trata tudo com uma dose de seriedade incompatível com a maneira simplória com que aborda o realista elemento distópico.
É difícil entender, na verdade, o que o cineasta francês Olivier Megaton quis aqui. Embebecido talvez pelo potencial da premissa, o realizador pensou alto. Logo nos primeiros minutos percebemos que se trata de uma obra pretensiosa. Como se não bastasse o instigante - por incrível que pareça - pano de fundo político, o roteiro assinado por Karl Gajdusek (do subestimado Oblivion), com base na graphic novel de Greg Tocchini, flerta com elementos dramáticos, com o clima de tensão dos filmes de assaltos, com a anarquia, com a crítica social. O que ajuda explicar os inchados 140 minutos de duração do longa. O melhor de The Last Days of American Crime, no entanto, está na sua sinopse. Simples assim. Tal qual um péssimo atirador, Megaton mira em muitos alvos, mas acerta em bem poucos. É inacreditável notar como o argumento desperdiça um plot tão promissor. Num momento de tamanha ebulição mundial, em que as ações governamentais de diversos países têm sido colocadas em cheque, o longa frustra ao não conseguir extrair qualquer crítica social do cenário distópico proposto. Um EUA dominado pela delinquência prestes a conhecer a mais nova (e implacável) estratégia de defesa do estado, um sinal capaz de castrar qualquer impulso criminoso no país. Questões como o fim do livre arbítrio, a brutalidade policial e os interesses escusos por trás deste dispositivo são criminosamente esnobadas. Megaton renega a realidade ao tratar o plot apenas como um mero agente catalisador, um elemento impeditivo na rotina dos seus protagonistas.
Ok, The Last Days of American
Crime não seria o primeiro filme do gênero a cometer este tipo de falha. Muito
pelo contrário. Alguns diretores só querem divertir, só querem se aproveitar de
um contexto reconhecível para gerar ação. O problema é que aqui nada
funciona. O assaltante interpretado por Edgar Ramirez, por exemplo, é um dos
protagonistas mais insossos que o segmento viu nascer nos últimos anos. Olivier
Megaton não consegue desenvolver o drama familiar dele, os seus atos não
fazem sentido, a sua vingança não tem um alvo. É um personagem oco. Sem
carisma. Sem personalidade. Para piorar, o roteiro usa e abusa das
conveniências narrativas para aproximá-lo dos seus parceiros de crime, uma
hacker com passado nebuloso (Anna Brewster) e um playboy filho do mais perigoso
mafioso da região (Michael Pitt). O mesmo que, por sinal, queria a cabeça do
protagonista numa bandeja. Esqueça a verossimilhança. Esqueça a tensão. Esqueça
o clima de desconfiança. Esqueça o background. O realizador não se dá ao trabalho
de construir laços, de alimentar inseguranças, de explorar as motivações dos
personagens. São todos meros arquétipos. O anti-herói intenso, a femme fatale
ambígua, o parceiro inconsequente. Quando o roteiro precisa de uma
justificativa plausível para fazer a história avançar, Megaton simplesmente estala os dedos e ela aparece.
Quando o realizador precisa acelerar as coisas, os personagens encontram uns
aos outros como se estivessem todos usando um GPS. A relação entre Bricke
(Ramirez) e Dupree (Brewster), em especial, é construída com uma preguiça
constrangedora. Do tipo que, ao fim do filme, nunca se explica. O que falar
então do policial vivido por Sharlto Coopley? Um personagem totalmente aleatório
utilizado ao bel prazer da trama. Megaton simplesmente não consegue trabalhar o
elemento humano.
Se narrativamente The Last Days
of American Crime é uma completa decepção, tecnicamente o resultado é tão
sofrível quanto. Embora Olivier Megaton até consiga adrenalizar a trama, a ação
é de uma pobreza nítida. Faltam ideias. A montagem é confusa. O set piece é
genérico. O que mais incomoda, no entanto, é a total inverossimilhança. Por
mais que o longa assuma uma estética realística no uso da violência, o cineasta
francês não consegue aplicá-la quando o assunto é a construção da ação. A
invulnerabilidade dos protagonistas, em especial, é do tipo que ofende a
inteligência do público. Ao menos a elegante fotografia em tons avermelhados de
Daniel Aranyó envelopa a trama com estilo. Se existe algum charme em The Last
Days of American Crime, ele reside no personagem de Michael Pitt. Mesmo
mal trabalhado pelo roteiro, o bad boy é a peça que de certa forma fisga a atenção do
público. Uma espécie de “fio desencapado” que ora e vez energiza a história. Talvez
consciente da bomba em que se meteu, Pitt não se leva a sério por um segundo
sequer, o que ajuda a criar esta figura exagerada, instável e minimamente
interessante. Um lampejo de personalidade numa produção em que a maior vítima
da história é o público. Afinal de contas não é fácil sobreviver a 2 h e 30 min
de escolhas terríveis. Não vai ser assim que a Netflix vai se posicionar como
referência no cinema de ação urbano.
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