domingo, 21 de junho de 2020

Artigo | Os 40 anos de A Lagoa Azul, o filme evento das sessões da tarde nos anos 1990


Como pode um filme com cenas de nudez, morte, violência, sexo e insinuação de incesto ter feito tanto sucesso nas sessões da tarde dos anos 1990? Parando para pensar, talvez tenha sido justamente por conter estes ingredientes... Só quem era vivo na época do Cinema em Casa e da Sessão da Tarde sabe qual era o verdadeiro ‘status’ de A Lagoa Azul. Era o filme evento da TV aberta. O Vingadores: Ultimato do papo na escola. Na época em que o streaming nem sonhava em existir, nós dependíamos da TV aberta para ver filmes no dia a dia. Perdeu, já era. O que no caso de A Lagoa Azul nem era um problema tão grande assim. Não era difícil conhecer algum tio, amigo ou parente com uma cópia VHS do filme em casa. Na pior das hipóteses, dentro de alguns meses o título era exibido novamente. Só na Globo, segundo dados da própria emissora, A Lagoa Azul foi ao ar 20 vezes na faixa de horário vespertina desde a sua primeira exibição em 1987. Talvez por isso o filme tenha permanecido tão vivo no imaginário do público brasileiro.

Neste tipo de artigo digamos mais nostálgico, por sinal, geralmente eu procuro fazer o dever de casa e rever a obra em questão para propor uma análise mais atual. No caso de A Lagoa Azul, no entanto, a revisão seria irrelevante. Por mais que, na época do lançamento, o longa tenha sido um retumbante fracasso de crítica, é fácil entender porque o romance dramático dirigido por Randal Kleiser sobrevive até hoje no imaginário do público. Estamos diante de uma produção corajosa, com uma abordagem um tanto ousada para a faixa etária dos personagens. Baseado no livro homônimo do escritor Henry De Vere Stacpoole, A Lagoa Azul causou um frisson natural na época do lançamento ao acompanhar as descobertas de dois jovens náufragos numa remota e paradisíaca ilha. Ao contrário dos ‘coming of age movies’ oitentistas, Kleiser investe aqui num estudo mais íntimo, inocente e físico. Não existe espaço para o pecado em A Lagoa Azul. Emmeline (Brooke Shilds) e Richard (Christopher Atkins) cresceram longe das convenções sociais que nos regem. A perversidade, aqui, está na cabeça daquele que vê\analisa o filme.

Acho que o grande trunfo de A Lagoa Azul, na verdade, está na maneira com que o argumento explora a liberdade dos seus personagens. A exuberante fotografia em tons tropicais de Néstor Almendros confere uma fascinante aura idílica a trama. A tragédia, pouco a pouco, dá lugar ao romance à medida que Randal Kleiser nos obriga a compreender as transformações biológicas dos personagens. Ao contrário do que muitos pensam, Richard e Emmeline não são irmãos, mas primos. Ainda assim, é interessante ver como o elo sanguíneo entre os dois é trabalhado pelo argumento. Embora tenham chegado na Ilha ainda na infância, os resquícios da sua criação religiosa explodem de maneira distintas nos dois. Enquanto ela se culpa pelos sentimentos nutrido pelo seu parceiro de ilha, ele não consegue esconder o seu apreço por ela. O que dialoga com a mentalidade da época em questão. Um conjunto de normas e tabus que naturalmente vai sendo consumido pela liberdade. Consciente da complexidade deste delicado processo, o longa é cuidadoso ao tornar tudo o mais normal, ingênuo e intuitivo possível. Kleiser valoriza as pequenas descobertas, as mudanças corporais, a chegada da puberdade. São nestes pequenos momentos que A Lagoa Azul assume a sua face atemporal.

Um predicado que, de fato, merece ser dividido com o radiante casal de protagonistas. Uma escalação que, por sinal, gerou muitas polêmicas. Responsável por dar vida a jovem Emmeline, Brooke Shields tinha somente 14 anos na época das filmagens. E quem viu A Lagoa Azul sabe que o longa explora muito a beleza física dos protagonistas. Por mais que a faixa etária da atriz casasse com a da sua personagem, a superexposição combinada com as cenas de nudez se tornaram um prato cheio para os conservadores. Segundo consta, as cenas de sexo de Emmeline foram gravadas pela coordenadora de dublê Kathy Troutt. Ao longo de todo o processo de filmagens, na verdade, a produção tentou “proteger” Shields. Em diversas entrevistas, ela confidenciou que, para que os seus seios não ficassem mais expostos do que o necessário, a equipe de maquiadores colava os fios de uma peruca no corpo dela para criar uma espécie de proteção “natural” nas cenas. A atriz, por sinal, nunca manifestou qualquer tipo de problema durante o processo. Ao lado de Christopher Atkins, na época com 18 anos, os dois criaram um casal repleto de química. A nítida falta de experiência de ambos, nas mãos de Randal Kleiser, ajudou a realçar a aura inocente dos seus personagens. Eles conseguiram capturar a aura naturalista proposta pelo longa. Sem grandes pudores, Shields e Atkins dedicaram o máximo ao longa, o que pode ser percebido em tela. Um esforço que, de fato, atenua a limitação dramática da dupla, evidente nas passagens mais trágicas.

Com uma visão própria sobre a transição da infância para a adolescência, A Lagoa Azul compensa o imaturo senso de sobrevivência do roteiro ao se concentrar no estudo dos conflitos entre dois jovens obrigados a lidar isoladamente com instintos tão básicos. Por mais que hoje em dia o filme possa até soar pouco impactante, na época em que foi lançado (e para o público que foi lançado) o longa causou um frisson natural ao tocar em temas tabus com franqueza. Transitando habilmente entre o romance, a aventura e o drama, Randal Kleiser conseguiu tirar do papel uma obra inigualável, uma produção, independente das suas virtudes e pecados, ousada por natureza. Um filme que, ao dialogar com todas as plateias, se tornando um inesperado sucesso comercial. Apesar da terrível recepção da crítica, os mais fervorosos chegaram a acusar a película de ser uma apologia à pornografia infantil, A Lagoa Azul faturou US$ 58 milhões nas bilheterias americanas, se tornando a nona maior bilheteria do ano em 1980. Além disso, este clássico das sessões vespertinas noventistas se tornou uma referência para uma geração de fãs de cinema, principalmente por mostrar como a vida pode ser tão bela, aventuresca, perigosa, apaixonante, conflitante e trágica. Não sei vocês, mas, mesmo quando eu nem sequer desconfiava o que significava a definição de eufemismo, a enervante sequência final sempre foi bem clara para mim.

Um comentário:

Unknown disse...

Aaa como eu gostava de Assitir esse filme.As belas paisagens, as descoberta,a trama em si. Um filme gostoso de ver e rever e rever.