segunda-feira, 27 de abril de 2020

Crítica | A Sala (The Room)

Uma obra em desfragmentação

Existe um criativo thriller dramático escondido em A Sala (The Room). Falta ao longa dirigido por Christian Volckman, porém, maturidade para desenvolver o seu instigante plot. Uma premissa complexa recheada de potencial é desperdiçada num thriller incapaz de fugir dos mais tradicionais clichês do gênero. Os furos narrativos incomodam menos do que a frustração quanto a má execução de um conceito genuinamente intrigante. O que começa como uma inteligente alegoria sobre o materialismo e os perigos em torno da felicidade virtual descamba num suspense raso e previsível. 

Estamos diante de uma obra que não consegue se aprofundar em nenhum dos dilemas tão bem estabelecidos\sugeridos. O roteiro assinado pelo próprio diretor, com base na peça de Eric Forestier, parece sempre preferir o caminho mais fácil. Falta esmero na construção do 'background' dos personagens, no elo entre eles, no desenrolar dos seus medos e anseios mais íntimos. Christian Volckman não consegue saborear os pontos desafiadores do seu próprio script. Alguns conflitos, como o trauma familiar da protagonista vivida por uma esforçada Olga Kurylenko, surgem abruptamente. Todo o inquietante drama materno é tratado de forma muito condescendente. O realizador francês falha ao nunca explorar a culpa do jovem casal de protagonistas. As consequências dos seus desejos mais ambíguos. Na dúvida, o roteiro facilita o caminho deles e se rende a batidas convenções do gênero. O tipo de thriller que até sabe onde quer chegar, mas quase sempre escolhe os caminhos errados.


O que fica bem claro, por exemplo, na relação entre mãe e o seu acuado "filho". O roteiro empalidece um sólido arco dramático ao trocar a disfuncionalidade pelo puro maniqueísmo. O que poderia acontecer por um caminho real e plausível ganha corpo da forma mais preguiçosa possível. Volckman até tenta seguir por um caminho mais psicologicamente provocante, mas esbarra no acelerado desenvolvimento narrativo. Questões como as consequências da superproteção materna são exploradas com desleixo. O que respinga naquele que deveria ser o principal agente catalisador da película. O grande problema de A Sala, na verdade, fica pelo descuido ao investigar a mente do pequeno Shane. Embora inicialmente a reação de desconforto\indignação do garoto soe reconhecível, à medida que a trama avança o personagem vira um mero fantoche nas mãos do diretor. Como se as suas ações estivessem diretamente ligadas à natureza da obra e não a de uma criança assustada com o que acontece ao seu redor. Em outras palavras, ele age de uma maneira x ou y porque o filme pede que isso aconteça.


O que nos leva ao problemático clímax. As boas ideias contidas no argumento (e elas acontecem em número considerável) são anuladas por soluções facilmente antecipáveis. Nem a particular mitologia acerca da instalação que dá título ao longa é o bastante para amenizar os gigantescos furos de roteiro. O que é uma pena. Isso porque nos seus melhores momentos, A Sala traz consigo nítidos predicados. O inventivo primeiro ato fisga, a direção de arte extrai o máximo do plot com capricho, os conflitos entre os personagens geram tensão, a montagem funciona, o roteiro consegue reoxigenar a fórmula dos filmes de casas “mal-assombrada”, a relação dos protagonistas com o quarto levanta interessantes questões filosóficas. Os menos exigentes podem até se divertir com o produto final. Num todo, porém, a sensação de potencial desperdiçado fala tão alto que acaba por prejudicar a experiência proposta por A Sala. A indignação aqui não fica pela tolice dos personagens, algo comum dentro do gênero, mas pela falta de capacidade daqueles que, ao contrário do quarto em questão, poderiam ter concretizado algo verdadeiramente valoroso. Um vislumbre reluzente que se desfragmenta diante das suas descomplicadas pretensões narrativas.

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