quarta-feira, 25 de março de 2020

Crítica | Zumbilândia: Atire Duas Vezes

Mortos de rir

Existe uma passagem em Zumbilândia: Atire duas Vezes que tem muito a dizer sobre esta aguardada continuação. Nela, após encontrarem “refúgio” numa réplica de Graceland (sim, a mansão do Rei do Rock Elvis Presley), Tallahassee e Columbus se deparam com dois sobreviventes que mais parecem sósias. Albuquerque (Luke Wilson) e Flagstaff (Thomas Middleditch) se vestiam igual a eles, tinham personalidades semelhantes e um código de conduta muito parecido. Para uma sequência que demorou dez anos para sair do papel, esse tipo de deboche metalinguístico faz todo o sentido. Quantos ‘hits’ de Hollywood ganharam uma continuação às “pressas”? O tipo de produção capaz até de dispensar parte do elenco original na busca pelo retorno fácil? Como imaginar uma novo capítulo deste popular ‘zombie movie’ sem, por exemplo, Woody Harrelson, Jesse Eisenberg ou Emma Stone. Por alguns breves minutos, o diretor Ruben Fleischer mostra o quão frustrante ela seria. Uma década depois, Zumbilândia 2 saiu do papel pelos motivos certos. E disposto a rir não só do ‘modus operandi’ da indústria, mas principalmente deste popular subgênero do Horror. 



Com roteiro mais uma vez assinado por Rhett Reese e Paul Wernick (Deadpool), desta vez ao lado também de Dave Callaham (Os Mercenários), Zumbilândia: Atire Duas Vezes é perspicaz ao brincar com os clichês das grandes continuações. Como se não bastasse as piadas com relação ao “envelhecimento” dos personagens, em especial de Tallahasse e da sua datada busca pela frase de efeito perfeita, Ruben Fleischer é habilidoso ao expandir este extravagante mundo devastado por zumbis sem nunca se levar a sério demais. Pelo contrário, a despretensão é a alma do negócio aqui. Consciente de que a continuação demorou “tempo demais” para sair do papel, algo totalmente fora dos padrões em Hollywood, o realizador esbanja inteligência ao se divertir com a lacuna temporal e as brechas não preenchidas. Em Z-Land, por exemplo, Donald Trump nunca chegou à Casa Branca. Wesley Snipes ganha um tardio perdão presidencial. Uma grande ideia para uma ‘startup’ nasce da mente da mais adoravelmente estúpida (e nova) personagem da continuação. Fleischer faz questão de frisar que aqueles personagens são frutos de um mundo que ficou no passado. Um mundo menos complexo, mais escapista e talvez simples.


O grande trunfo de Zumbilândia 2, a meu ver, está na maneira com que o longa explora o hiato entre os dois filmes\mundos. Ao invés de simplesmente mostrar o que aconteceu neste período, Ruben Fleischer permite que os novos personagens\coadjuvantes preencham as brechas com leveza e ironia. Por trás da luta pela sobrevivência, na verdade, existe um verdadeiro choque geracional. Z-Land cresceu\evoluiu à sua peculiar maneira. Os millenials assumem uma nova forma aqui. Quando a agora mulher Little Rock (Abigail Breslin), cansada de viver sem o seu par, decide se unir com um ‘hippie’ plagiador numa jornada rumo a um oásis de sobrevivência, Ruben Fleischer encontra a oportunidade perfeita para rir destes jovens desconstruídos, vazios, pacíficos e ingênuos. Babilônia, o tal refúgio quase idílico, surge como uma resposta improvável a um mundo de violência, selvageria e mortes. Sem a intenção de simplesmente debochar dos mais novos, Fleischer é astuto ao questionar o deslocamento da realidade desta “geração”. Em Z-Land, as boas intenções podem custar caro, o idealismo pode custar caro, o relaxamento pode custar caro. As regras do esquemático ‘nerd old school’ Columbus seguem sendo indispensáveis.  


Outro ponto que agrada em Zumbilândia: Atire Duas Vezes fica pela perspicácia do roteiro\direção em valorizar o melhor do empolgante primeiro longa sem necessariamente abdicar de algumas convenções típicas da continuação. Sem medo de errar, o melhor desta sequência está no fantástico entrosamento entre o elenco. Fica claro que todos ali estão se divertindo. O texto flui com naturalidade. A química entre Harrelson, Stone, Breslin e Eisenberg é mais uma vez revigorante. Os improvisos são recorrentes. Eu me peguei gargalhando com as reações de Tallhassee, com o sarcasmo de Wichita, com o embaralho de Columbus. A impagável Madison (Zoey Dutch, excelente) só ajuda a realçar o melhor do trio. Esta personagem fútil e tola surge quase como uma chaga para eles. Talvez não fosse tão difícil assim sobreviver em Z-Land... É a partir do humor, aliás, que a continuação melhor se apropria dos clichês das continuações e dos filmes de zumbi. Os novos personagens agregam comicidade. Os evoluídos mortos vivos, introduzidos com a particular assinatura do primeiro filme, servem muito mais ao escapismo do que a tensão. Zumbilândia 2 não é sobre sobreviver a uma nova e leta ameaça. Nem tão pouco sobre os humanos como ameaça, algo bem recorrente nos filmes do gênero. Estamos diante de uma comédia, em sua essência mais pura, sobre uma família disfuncional às avessas com o futuro da sua prole.


Ao abraçar o humor com ainda mais afinco, entretanto, Zumbilândia: Atire duas Vezes peca ao sacrificar a tensão e o horror propriamente dito. O ‘gore’, aqui, é explorado com menos autenticidade. Os mortos vivos são um tanto “impessoais”. Eu diria genéricos. Esqueça o zumbi palhaço, ou a zumbi peladona. A graça está muito mais no nome dos mortos vivos do que no seu visual. Sem medo de errar, o original encontrou um melhor meio termo entre a comédia e o terror. Com isso, porém, não quero dizer que Zumbilândia 2 empolgue menos. Nos momentos em que os zumbis entram em ação, Ruben Fleischer volta a mostrar virtuosismo estético. Como se não bastasse o uso da sua super câmera lenta, a cena de abertura ao som de Metallica é um deleite, o realizador capricha nos planos sequenciais. O dinâmico vai e vem na luta contra os zumbis na ‘fake’ Graceland, por sinal, é fantástico. Com um elenco afiadíssimo, um argumento esperto e uma impagável cena pós-crédito, agora entendi como Bill Murray conseguiu sobreviver ao apocalipse zumbi, Zumbilândia 2 ri da sua própria existência numa continuação debochada, divertida e improvável.

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