Existe uma passagem em
Zumbilândia: Atire duas Vezes que tem muito a dizer sobre esta aguardada
continuação. Nela, após encontrarem “refúgio” numa réplica de Graceland (sim, a
mansão do Rei do Rock Elvis Presley), Tallahassee e Columbus se deparam com
dois sobreviventes que mais parecem sósias. Albuquerque (Luke Wilson) e
Flagstaff (Thomas Middleditch) se vestiam igual a eles, tinham personalidades
semelhantes e um código de conduta muito parecido. Para uma sequência que demorou
dez anos para sair do papel, esse tipo de deboche metalinguístico faz todo o
sentido. Quantos ‘hits’ de Hollywood ganharam uma continuação às “pressas”? O
tipo de produção capaz até de dispensar parte do elenco original na busca pelo
retorno fácil? Como imaginar uma novo capítulo deste popular ‘zombie movie’ sem,
por exemplo, Woody Harrelson, Jesse Eisenberg ou Emma Stone. Por alguns breves
minutos, o diretor Ruben Fleischer mostra o quão frustrante ela seria. Uma
década depois, Zumbilândia 2 saiu do papel pelos motivos certos. E disposto a
rir não só do ‘modus operandi’ da indústria, mas principalmente deste popular
subgênero do Horror.
Com roteiro mais uma vez assinado
por Rhett Reese e Paul Wernick (Deadpool), desta vez ao lado também de Dave
Callaham (Os Mercenários), Zumbilândia: Atire Duas Vezes é perspicaz ao brincar
com os clichês das grandes continuações. Como se não bastasse as piadas com
relação ao “envelhecimento” dos personagens, em especial de Tallahasse e da sua
datada busca pela frase de efeito perfeita, Ruben Fleischer é habilidoso ao
expandir este extravagante mundo devastado por zumbis sem nunca se levar a
sério demais. Pelo contrário, a despretensão é a alma do negócio aqui. Consciente
de que a continuação demorou “tempo demais” para sair do papel, algo totalmente
fora dos padrões em Hollywood, o realizador esbanja inteligência ao se divertir
com a lacuna temporal e as brechas não preenchidas. Em Z-Land, por exemplo,
Donald Trump nunca chegou à Casa Branca. Wesley Snipes ganha um tardio perdão
presidencial. Uma grande ideia para uma ‘startup’ nasce da mente da mais adoravelmente estúpida (e nova) personagem da continuação. Fleischer faz
questão de frisar que aqueles personagens são frutos de um mundo que ficou no
passado. Um mundo menos complexo, mais escapista e talvez simples.
O grande trunfo de Zumbilândia 2,
a meu ver, está na maneira com que o longa explora o hiato entre os dois
filmes\mundos. Ao invés de simplesmente mostrar o que aconteceu neste período,
Ruben Fleischer permite que os novos personagens\coadjuvantes preencham as
brechas com leveza e ironia. Por trás da luta pela sobrevivência, na verdade,
existe um verdadeiro choque geracional. Z-Land cresceu\evoluiu à sua peculiar
maneira. Os millenials assumem uma nova forma aqui. Quando a agora mulher
Little Rock (Abigail Breslin), cansada de viver sem o seu par, decide se unir
com um ‘hippie’ plagiador numa jornada rumo a um oásis de sobrevivência, Ruben
Fleischer encontra a oportunidade perfeita para rir destes jovens
desconstruídos, vazios, pacíficos e ingênuos. Babilônia, o tal refúgio quase
idílico, surge como uma resposta improvável a um mundo de violência, selvageria
e mortes. Sem a intenção de simplesmente debochar dos mais novos, Fleischer é
astuto ao questionar o deslocamento da realidade desta “geração”. Em Z-Land, as
boas intenções podem custar caro, o idealismo pode custar caro, o relaxamento
pode custar caro. As regras do esquemático ‘nerd old school’ Columbus seguem
sendo indispensáveis.
Outro ponto que agrada em
Zumbilândia: Atire Duas Vezes fica pela perspicácia do roteiro\direção em
valorizar o melhor do empolgante primeiro longa sem necessariamente abdicar de
algumas convenções típicas da continuação. Sem medo de errar, o melhor desta
sequência está no fantástico entrosamento entre o elenco. Fica claro que todos
ali estão se divertindo. O texto flui com naturalidade. A química entre
Harrelson, Stone, Breslin e Eisenberg é mais uma vez revigorante. Os improvisos
são recorrentes. Eu me peguei gargalhando com as reações de Tallhassee, com o
sarcasmo de Wichita, com o embaralho de Columbus. A impagável Madison (Zoey
Dutch, excelente) só ajuda a realçar o melhor do trio. Esta personagem fútil e
tola surge quase como uma chaga para eles. Talvez não fosse tão difícil assim
sobreviver em Z-Land... É a partir do humor, aliás, que a continuação melhor se
apropria dos clichês das continuações e dos filmes de zumbi. Os novos
personagens agregam comicidade. Os evoluídos mortos vivos, introduzidos com a particular
assinatura do primeiro filme, servem muito mais ao escapismo do que a tensão.
Zumbilândia 2 não é sobre sobreviver a uma nova e leta ameaça. Nem tão pouco
sobre os humanos como ameaça, algo bem recorrente nos filmes do gênero. Estamos
diante de uma comédia, em sua essência mais pura, sobre uma família
disfuncional às avessas com o futuro da sua prole.
Ao abraçar o humor com ainda mais
afinco, entretanto, Zumbilândia: Atire duas Vezes peca ao sacrificar a tensão e
o horror propriamente dito. O ‘gore’, aqui, é explorado com menos autenticidade.
Os mortos vivos são um tanto “impessoais”. Eu diria genéricos. Esqueça o zumbi
palhaço, ou a zumbi peladona. A graça está muito mais no nome dos mortos vivos
do que no seu visual. Sem medo de errar, o original encontrou um melhor meio
termo entre a comédia e o terror. Com isso, porém, não quero dizer que
Zumbilândia 2 empolgue menos. Nos momentos em que os zumbis entram em ação,
Ruben Fleischer volta a mostrar virtuosismo estético. Como se não bastasse o
uso da sua super câmera lenta, a cena de abertura ao som de Metallica é um
deleite, o realizador capricha nos planos sequenciais. O dinâmico vai e vem na
luta contra os zumbis na ‘fake’ Graceland, por sinal, é fantástico. Com um
elenco afiadíssimo, um argumento esperto e uma impagável cena pós-crédito,
agora entendi como Bill Murray conseguiu sobreviver ao apocalipse zumbi,
Zumbilândia 2 ri da sua própria existência numa continuação debochada,
divertida e improvável.
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