Segurar um filme “sozinho” é uma
missão muito difícil. Poucos realmente conseguiram. Tom Hanks em Náufrago.
Robert Redford em Até o Fim. Sandra Bullock em Gravidade. James Franco em 127
Horas. É um desafio para poucos. Adicione, porém, mais um nome nesta lista. O
que Mads Mikkelsen faz em Ártico é digno de nota. Sob a virtuosa batuta do
brasileiro Joe Penna, o ator dinamarquês encara a excruciante jornada do seu
personagem com peso e intensidade. Ele nos faz crer do primeiro ao último
minuto de película que poderia realmente sobreviver na opressão gélida do polo
norte.
À rigor, Ártico tem tudo que um
grande filme de sobrevivência precisa ter. É tenso, imponente, angustiante,
doloroso... Com uma premissa simples em mãos, Joe Penna cumpre as expectativas
ao se concentrar no aspecto sensorial do ‘plot’. A ideia é, claramente,
interferir o mínimo possível nas ações do personagem. Ao contrário de muitos
títulos do subgênero, Ártico luta contra as facilitações narrativas. O tempo
avança de forma natural. O cineasta brasileiro, por sinal, encontra soluções
visuais inteligentes para contextualizar o público quanto a situação do
protagonista. Com o lápis, por exemplo, o sobrevivente estabelece a transição
temporal. A cada novo traço percebemos a urgência dele. A fala surge só nos
momentos de desespero, de frustração, de dor. A solidão é sentida. Ao logo do
imersivo primeiro ato, Penna é habilidoso ao nos mostrar que estamos diante de
um homem preparado para lidar com o cenário ao seu redor. À medida que a trama
avança, entretanto, o realizador é igualmente cuidadoso ao “expor” o seu
personagem às condições climáticas. A maquiagem é realística. O desgaste fala
por si só e se reflete gradativamente na expressão de Mads Mikkelsen. O risco
cresce quando ele decide partir rumo a um lugar seguro.
Sem a intenção de se preocupar
com respostas fáceis, os motivos, de fato, são o que menos importam aqui,
Ártico não titubeia em levar o seu protagonista ao limite e, com isso, nos
fazer experimentar dos seus sentimentos. Após solidificar o laço entre o
público e o personagem, uma conexão que, diante do cenário proposto, acontece
instintivamente, Joe Penna mostra repertório ao criar obstáculos factíveis.
Transitando com fluidez entre planos panorâmicos e enquadramentos mais
fechados, o realizador, para começo de conversa, é astuto ao escancarar a
pequenez do sobrevivente. À medida que se distancia do seu “porto seguro”, um
avião abandonado após uma queda, ele se torna menor. O cenário pouco a pouco o
engole. A imensidão gélida do ártico é por si só predadora. O frio é sentido.
As subidas são cansativas. As quedas ferem. Os imprevistos potencializam o
senso de urgência da trama. Após algum tempo lutando apenas pela sua
sobrevivência, ele agora tem o que perder. O altruísmo é ao mesmo tempo um
incentivo e um fardo. Penna consegue, a partir de sentimentos tão puros, enriquecer
a jornada do personagem. Um predicado, volto a frisar, potencializado pela
robusta performance de Mads Mikkelsen. Reconhecido pela sua intensidade, o ator
de 54 anos extravasa os sentimentos do seu personagem com rara naturalidade.
Penna vê o seu trabalho facilitado graças a enorme fisicalidade do
protagonista. Ao mesmo tempo em que nos convence da força do sobrevivente, Mikkelsen
mostra também a sua vulnerabilidade. Ele teme, ele sofre, ele sente dor. As
suas cicatrizes são visíveis. Um passo em falso e será o fim. Ou algo perto
disso. O grande trunfo do longa, na verdade, está nesta sensação\certeza de que
tudo pode acabar a qualquer momento. Desde o subestimado Evereste (2015) não
via um ‘survivor movie’ tão verossímil.
Embora derrape no terreno da
condescendência na transição para o clímax, Ártico é uma experiência
cinematográfica impactante. Um filme que, de maneira alguma, merecia ser
lançado diretamente no streaming em solo brasileiro. Impulsionado pela robusta
performance de Mads Mikkelsen, o diretor brasileiro Joe Penna causa um misto de
emoções ao enxergar a grandeza humana à medida que escancara a nossa
fragilidade.
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