sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Crítica | Por Lugares Incríveis (All The Bright Places)

Perdido no Caminho

Por Lugares Incríveis é o tipo de produção que custa a encontrar o seu tom. Com uma delicada premissa em mãos, o longa dirigido pelo talentoso Brett Halley (dos ótimos O Herói e Corações Batendo Alto) flerta com a superficialidade ao romantizar temas por si só espinhosos. Embora exista um claro desnível entre os atos, o realizador compensa ao, quando necessário, investigar as agruras emocionais de muitos jovens ao redor do mundo com o devido peso e seriedade, causando um urgente choque ao renegar uma visão simplista\idealizada dos fatos. Uma jornada de revelações agridoce e realística elevada pelas sóbrias performances de Elle Fanning e Justice Smith. 


Dividido em duas metades bem distintas, Por Lugares Incríveis custou a me impactar. E os motivos são óbvios. Indo de encontro a inquietante sequência de abertura, o argumento assinado por Liz Hannah (The Post: A Guerra Secreta), com base no livro homônimo de Jennifer Niven, reduz a evidente carga dramática ao tratar os pesados conflitos dos seus personagens como um agente catalisador de um romance que parece ter saído de um livro de autoajuda. Os diálogos soam artificiais. Os personagens soam deslocados da realidade. As referências literárias soam gratuitas. A pretensa aura ‘hipster’ não convence aqui. Falta personalidade ao texto\trilha sonora. Falta se debruçar naquilo que eles gostavam. Faltam referências. Falta intimidade. Tal qual muitos títulos do gênero, Brett Halley pesa a mão na tentativa de dar uma aura descolada ao casal de protagonistas, a entristecida Violet (Elle Fanning) e o instável Theodore (Justice Smith). O contexto dos personagens não pedia isso. A depressão, neste primeiro momento, é tratada com conveniência. O luto dela é explorado com superficialidade. Os segredos dele são demasiadamente protegidos para fins narrativos. Por mais que a conexão entre os dois seja desenvolvida com sinceridade pelo roteiro, principalmente pela capacidade do texto em tratar o sentimento de empatia como o elo que os unia, o estudo de personagem perde força à medida que simplifica o processo de ressocialização de Violet após uma dolorosa perda. Tudo é muito leve. Uma simples chantagem emocional é o bastante para que traumas sejam vencidos. Halley, neste primeiro momento, parece se interessar muito mais pelo externo do que pelo interno.


A bela e luminosa fotografia de Rob Givens, por exemplo, valoriza bem mais a beleza do casal, as expressões deles e o clima de romance do que propriamente confere peso as cenas em questão. A intrusiva (e repetitiva) trilha sonora, em muitos momentos, enfraquece alguns dos melhores diálogos dramáticos. Enquanto foca na tentativa de Theodore em melhorar o astral de Violet, na verdade, Por Lugares Incríveis flerta com a condescendência. Vou além. Na ânsia de construir um clima ‘feel good’, Brett Halley reduz a complexidade das emoções da sua protagonista. Ela precisa de pouco para se reequilibrar. Por mais que, a rigor, o luto seja um processo realmente repentino, ao introduzi-la como uma suicida em potencial o roteiro deveria ter tratado a verdade dela com a devida profundidade. Algo que não acontece. Ao longo de sua apenas agradável primeira metade, estamos diante de uma obra que funciona melhor como um escapista romance ‘teen’, do que como um drama sobre dois jovens traumatizados. O que, diante do potencial da premissa, soa um tanto quanto frustrante. Felizmente, existem praticamente dois filmes em um em Por Lugares Incríveis. No momento em que a realidade verdadeiramente invade a trama, o longa muda de figura. Os belos cenários e a troca de experiência passam a fazer sentido. Ao contrário de Violet, Theodore, como esperado, traz consigo traumas pesadíssimos. E o roteiro, aqui, trata os seus respectivos distúrbios com a propriedade esperada.


Em sua segunda metade, Por Lugares Incríveis se revela um filme tenso e angustiante. Consciente da universalidade do tema, Brett Halley mergulha na psique do protagonista com um misto de sensibilidade e tristeza. Sem a intenção de dar respostas fáceis, o roteiro é contundente ao escancarar as sequelas da violência, da disfuncionalidade familiar e da ausência na identidade de um jovem. A sua instabilidade é justificável. O seu medo é compreensível. Theodore queria recuperar o controle, queria assumir as rédeas da sua vida, mas o passado surgia como uma sombra tortuosa. Ao contrário de Violet, as reações do jovem são identificáveis. O tormento dele é traduzido com um crescente sendo de consequência. O cineasta é inteligente ao apenas sugerir aquilo que realmente o afligia. O problema é personificado numa figura ausente realmente capaz mudar\moldar o destino de um indivíduo. Por trás do garoto altruísta existia alguém com medo do que viria a seguir. Embora o argumento subaproveite algumas importantes peças do arco dele, entre eles a sua afetuosa irmã (Alexandra Shipp) e o seu melhor amigo (Lamar Johnson), Halley compensa ao extrair deles a verdade. O misto de preocupação, amor e companheirismo que guiava esta relação. Um sentimento genuíno potencializado pelas marcantes performances do núcleo jovem. Com exceção do ex-namorado rebelde vivido por um apagado Fellix Mallard, o restante do elenco eleva o nível do texto com extrema naturalidade. Em especial o casal de protagonistas. Enquanto Elle Fanning, com a sua usual elegância, absorve a fragilidade emocional da sua Violet com intensidade, o versátil Justice Smith traduz o desequilíbrio do seu Theodore com um senso de verdade comovente. O tipo de atuação que nos faz torcer por ele, sentir por ele, se comover por ele.


Embora relute em abraçar a realidade como o esperado, Por Lugares Incríveis contorna o frustrante clima de amenidade inicial ao entender que um radiante romance nem sempre é a resposta para todos os problemas. Por mais que o flerte com a romantização de temas complexos signifique um deslize, Brett Halley compensa ao, quando preciso, jogar uma urgente luz sobre a importância da prevenção\tratamento das doenças emocionais. No fim, por mais luminoso que seja o sorriso do seu grande amor, ou a felicidade contida num daqueles efêmeros momentos inesquecíveis das nossas vidas, só isso pode não ser o bastante para combater a sombra da depressão.

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