Por Lugares Incríveis é o tipo de
produção que custa a encontrar o seu tom. Com uma delicada premissa em mãos, o
longa dirigido pelo talentoso Brett Halley (dos ótimos O Herói e Corações
Batendo Alto) flerta com a superficialidade ao romantizar temas por si só espinhosos.
Embora exista um claro desnível entre os atos, o realizador compensa ao, quando
necessário, investigar as agruras emocionais de muitos jovens ao redor do mundo
com o devido peso e seriedade, causando um urgente choque ao renegar uma visão
simplista\idealizada dos fatos. Uma jornada de revelações agridoce e realística
elevada pelas sóbrias performances de Elle Fanning e Justice Smith.
Dividido em duas metades bem
distintas, Por Lugares Incríveis custou a me impactar. E os motivos são óbvios.
Indo de encontro a inquietante sequência de abertura, o argumento assinado por
Liz Hannah (The Post: A Guerra Secreta), com base no livro homônimo de Jennifer
Niven, reduz a evidente carga dramática ao tratar os pesados conflitos dos seus
personagens como um agente catalisador de um romance que parece ter saído de um
livro de autoajuda. Os diálogos soam artificiais. Os personagens soam
deslocados da realidade. As referências literárias soam gratuitas. A pretensa
aura ‘hipster’ não convence aqui. Falta personalidade ao texto\trilha sonora.
Falta se debruçar naquilo que eles gostavam. Faltam referências. Falta
intimidade. Tal qual muitos títulos do gênero, Brett Halley pesa a mão na
tentativa de dar uma aura descolada ao casal de protagonistas, a entristecida
Violet (Elle Fanning) e o instável Theodore (Justice Smith). O contexto dos
personagens não pedia isso. A depressão, neste primeiro momento, é tratada com
conveniência. O luto dela é explorado com superficialidade. Os segredos dele
são demasiadamente protegidos para fins narrativos. Por mais que a conexão
entre os dois seja desenvolvida com sinceridade pelo roteiro, principalmente
pela capacidade do texto em tratar o sentimento de empatia como o elo que os
unia, o estudo de personagem perde força à medida que simplifica o processo de
ressocialização de Violet após uma dolorosa perda. Tudo é muito leve. Uma
simples chantagem emocional é o bastante para que traumas sejam vencidos. Halley,
neste primeiro momento, parece se interessar muito mais pelo externo do que
pelo interno.
A bela e luminosa fotografia de
Rob Givens, por exemplo, valoriza bem mais a beleza do casal, as expressões
deles e o clima de romance do que propriamente confere peso as cenas em
questão. A intrusiva (e repetitiva) trilha sonora, em muitos momentos,
enfraquece alguns dos melhores diálogos dramáticos. Enquanto foca na tentativa
de Theodore em melhorar o astral de Violet, na verdade, Por Lugares Incríveis
flerta com a condescendência. Vou além. Na ânsia de construir um clima ‘feel
good’, Brett Halley reduz a complexidade das emoções da sua protagonista. Ela
precisa de pouco para se reequilibrar. Por mais que, a rigor, o luto seja um
processo realmente repentino, ao introduzi-la como uma suicida em potencial o
roteiro deveria ter tratado a verdade dela com a devida profundidade. Algo que não
acontece. Ao longo de sua apenas agradável primeira metade, estamos diante de uma obra
que funciona melhor como um escapista romance ‘teen’, do que como
um drama sobre dois jovens traumatizados. O que, diante do potencial da
premissa, soa um tanto quanto frustrante. Felizmente, existem praticamente dois
filmes em um em Por Lugares Incríveis. No momento em que a realidade
verdadeiramente invade a trama, o longa muda de figura. Os belos cenários e a
troca de experiência passam a fazer sentido. Ao contrário de Violet, Theodore,
como esperado, traz consigo traumas pesadíssimos. E o roteiro, aqui, trata os seus respectivos distúrbios com a propriedade esperada.
Em sua segunda metade, Por
Lugares Incríveis se revela um filme tenso e angustiante. Consciente da
universalidade do tema, Brett Halley mergulha na psique do protagonista com um
misto de sensibilidade e tristeza. Sem a intenção de dar respostas fáceis, o
roteiro é contundente ao escancarar as sequelas da violência, da
disfuncionalidade familiar e da ausência na identidade de um jovem. A sua
instabilidade é justificável. O seu medo é compreensível. Theodore queria
recuperar o controle, queria assumir as rédeas da sua vida, mas o passado
surgia como uma sombra tortuosa. Ao contrário de Violet, as reações do jovem
são identificáveis. O tormento dele é traduzido com um crescente sendo de
consequência. O cineasta é inteligente ao apenas sugerir aquilo que realmente o
afligia. O problema é personificado numa figura ausente realmente capaz mudar\moldar o
destino de um indivíduo. Por trás do garoto altruísta existia alguém com medo
do que viria a seguir. Embora o argumento subaproveite algumas importantes
peças do arco dele, entre eles a sua afetuosa irmã (Alexandra Shipp) e o seu
melhor amigo (Lamar Johnson), Halley compensa ao extrair deles a verdade. O
misto de preocupação, amor e companheirismo que guiava esta relação. Um
sentimento genuíno potencializado pelas marcantes performances do núcleo jovem.
Com exceção do ex-namorado rebelde vivido por um apagado Fellix Mallard, o
restante do elenco eleva o nível do texto com extrema naturalidade. Em especial
o casal de protagonistas. Enquanto Elle Fanning, com a sua usual elegância,
absorve a fragilidade emocional da sua Violet com intensidade, o versátil Justice
Smith traduz o desequilíbrio do seu Theodore com um senso de verdade comovente.
O tipo de atuação que nos faz torcer por ele, sentir por ele, se comover por
ele.
Embora relute em abraçar a
realidade como o esperado, Por Lugares Incríveis contorna o frustrante clima de
amenidade inicial ao entender que um radiante romance nem sempre é a resposta para
todos os problemas. Por mais que o flerte com a romantização de temas complexos
signifique um deslize, Brett Halley compensa ao, quando preciso, jogar uma urgente
luz sobre a importância da prevenção\tratamento das doenças emocionais. No fim,
por mais luminoso que seja o sorriso do seu grande amor, ou a felicidade
contida num daqueles efêmeros momentos inesquecíveis das nossas vidas, só isso
pode não ser o bastante para combater a sombra da depressão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário