O ano de 2019 foi daqueles corridos. Tão
corrido que alguns grandes lançamentos não ganharam a devida atenção aqui no
Cinemaniac. Neste artigo, portanto, decidi analisar alguns destes filmes num
pacotão com pequenas críticas. Entre eles estão o subestimado Dumbo, da Disney,
o profundo Ad Astra, da Plan B, o gigantesco Godzilla: Rei dos Monstros, da Warner
Bros, o popular Hobbs e Shaw, da Universal, e alguns outros.
- Ad Astra (Plan B)
Poucos títulos recentes teceram comentários
tão profundos sobre a paternidade quanto o enervante Sci-Fi Ad Astra. Por trás
de uma expressiva jornada rumo ao desconhecido existe um drama existencial sobre o
impacto da ausência, o peso da solidão e as sequelas da obsessão na vida de
dois homens ligados pelo elo consanguíneo. Sob a intensa e virtuosa batuta de
James Gray (Era Uma Vez em Nova Iorque, Z: A Cidade Perdida), o longa estrelado
por um soberbo Brad Pitt camufla no viés científico\futurista uma trama
genuinamente familiar sobre laços repentinamente rompidos e o vácuo causado na
rotina daqueles que são deixados para trás. Num estudo de personagem primoroso,
Gray, também responsável pelo roteiro ao lado de Ethan Gross, invade a
intimidade de um astronauta, o respeitado e pragmático Roy (Pitt), após ele
descobrir que o seu estimado pai (Tommy Lee Jones) poderia estar vivo num
planeta remoto. Inteligente ao alimentar o mistério em torno desta complexa
figura paterna, o realizador é igualmente cuidadoso ao gradativamente entender
os motivos do seu protagonista. Estamos diante de um homem que se acostumou ao
largar tudo em prol da sua profissão, que evitou criar raízes profundas. Fazendo
um pontual uso do recurso da narração e dos flashbacks, o passado, aqui, é tão
nebuloso quanto o futuro, Gray esbanja astúcia ao desconstruí-lo perante o
público. À medida que ele se aproxima das respostas, a sua impavidez é colocada
em cheque. Escondida na carapuça inabalável de Roy existia dor, fragilidade,
solidão, tristeza, esperança. Um processo de “humanização” conduzido com
absoluto comedimento por Pitt. Sem querer revelar muito, a sequência em que ele
finalmente se abre na busca por diálogo é de partir o coração. Uma das performances
mais desafiadoras e bem-sucedidas da carreira do ator.
Um predicado, verdade seja dita,
potencializado pela sagacidade de James Gray em utilizar as convenções do
gênero em prol da construção deste arco intimista. Mesmo com os dois pés na
ficção científica, as sequências em órbita, por sinal, são sufocantes e impactantes,
o cineasta vai além do balé espacial ao encontrar nas respectivas missões de
pai e filho as principais respostas. Embora separados por trinta anos, os dois
seguiram tendo muito em comum. A ausência moldou o protagonista. A solidão “aniquilou”
o seu pai. Ambos queriam tanto algo que esqueceram de enxergar o óbvio. À medida
em que o choque entre as expectativas e as frustrações acontecem, Gray é
enfático ao traduzir a força do elo paternal, o estrago causado pelo vazio, as
sequelas alimentadas pelos traumas, a influência das respostas nunca obtidas, a
crença em uma saída. Nem todas as feridas, porém, o tempo é capaz de
curar. Consciente disso, o realizador causa uma comoção natural ao capturar o
turbilhão de emoções em torno deste tardio processo de reconexão\revelação,
contornando o esquematismo do roteiro (Roy é um para raio de problemas) com
diálogos pesados, indagações profundas e um precioso uso dos símbolos. Neste
aspecto, inclusive, o longa remete a um outro grande ‘hit’ espacial da década,
o potente Gravidade (2013), principalmente pela capacidade do diretor em
extrair um novo significado de situações pertencentes ao universo dos
personagens. Indo além da sua sólida carga dramática, Ad Astra é também um
espetáculo visual de primeira mão. Com uma perspectiva de futuro factível, os
astronautas são os novos colonizadores\expedicionários da vez, Gray capricha na
construção desta visão de mundo expansiva, minimalista e ‘hi-tech’. O CGI é de
primeira e funciona bem tanto nas passagens mais enervantes, quanto na
composição dos detalhes cênicos. O sofisticado desgin de produção confere um senso de autenticidade às naves e colônias. A vistosa fotografia
saturada em tons primários de Hoyte Van Hoytema só torna tudo mais estiloso. A
refinada iluminação das cenas valoriza a expressividade dos atores. Somado a
isso, Gray surpreende ao explorar com maestria elementos como a força
gravitacional e a relação dos personagens com o ambiente espacial, nos
presenteando, por exemplo, com a espetacular sequência de perseguição em solo
lunar. Um dos muitos ‘highlights’ da produção. No fim, embora escorregue no
terreno da condescendência nos seus minutos finais, Ad Astra é uma das grandes
surpresas cinematográficas de 2019. James Gray consegue saciar o apetite dos
fãs de um Sci-Fi provocante numa obra espetacular quando pode e dramática
quando precisa.
- Dumbo (Disney)
Lançado em 1941, ou seja, há
quase oitenta anos, a adaptação de Dumbo era um grande desafio. Fruto do seu
tempo, o original, embora um clássico inquestionável, não envelheceu tão bem em
diversos aspectos. Por trás da história do bebe elefante que sabia voar existia
uma trama sobre maus tratos com animais, com arquétipos um tanto quanto
racistas e um teor soturno bem típico das animações da Disney dos anos 1940. O
desafio era atualizar o conto sem descaracteriza-lo. Algo que Tim Burton, me
arrisco a dizer, fez com maestria. De volta a sua melhor forma após uma longa
entressafra, o aclamado realizador captura o clima sombrio do original numa
adaptação dinâmica, contextualizada, com personagens cativantes e um visual
encantador. Extraindo o máximo do comovente ‘plot’ familiar, Burton troca o
teor fabulesco da animação pelo drama com toques de aventura ao conseguir ir
além da figura do paquiderme voador. Por mais que o fofíssimo Dumbo siga como a
estrela do show, Burton é habilidoso ao criar um cenário decadente, triste e pessimista.
O circo surge como um sinônimo de esperança em meio à guerra. Com um elenco de
primeira, Eva Green, para variar, atrai as atenções, Burton é habilidoso ao
criar um esperto paralelo entre Dumbo e os protagonistas infantis, os irmãos
Milly (Nico Parker) e Joe (Finley Hobbins). Além disso, o diretor é sagaz ao
imprimir em tela o clima de transformação tecnológica da década de 1920, o que
torna o vilão vivido por Michael Keaton particularmente maléfico. Uma espécie
de Walt Disney versão ‘evil’. O que joga contra o novo Dumbo, além do
maniqueísmo infantilizado do roteiro, é o herói trágico vivido por um
desconectado Colin Farrell. Um personagem oco e mal desenvolvido que, de certa
forma, “rouba” o tempo de tela das crianças e do próprio protagonista. Um
deslize, verdade seja dita, atenuado pelo conjunto visual da obra. Burton tira
do papel um espetáculo empolgante. O CGI do expressivo Dumbo impressiona. As
sequências aéreas são fascinantes. O design de produção\figurino capricha ao
capturar os contrastes do contexto proposto pela obra. Ainda que peque ao explorar
elementos importantes do longa com certo desdém, o senso de unicidade entre os
membros do circo, por exemplo, merecia ser trabalhado com maior afinco, Dumbo
atualiza o clássico com propriedade ao tecer um comentário singelo sobre o
poder da amizade e a importância do respeito às diferenças.
- Velozes e Furiosos: Hobbs e
Shaw (Universal)
É fato dizer que Dwayne Johnson e
Jason Statham ajudaram a revitalizar a franquia Velozes e Furiosos. Ajudaram
não, foram peças chave. Em momentos diferentes da octologia, a dupla marcou a
transição da série protagonizada por Vin Diesel e pelo saudoso Paul Walker do
‘heist movies’ para o cinema de ação absurdo. Dois reforços de luxo que, gostem
ou não, atraíram o protagonismo para si com carisma, humor afiado e uma
indispensável presença física. Após a curiosa parceria dos dois em Velozes e
Furiosos 8 (2017), estava claro que a Universal não iria perder a oportunidade
de expandir o universo Fast and Furious. Nasceu então Hobbs e Shaw, um
‘spin-off’ que empolga ao abraçar o escapismo sem um pingo de vergonha. Sob a
estilosa batuta de David Leitch (John Wick), o longa eleva o nível de
insanidade ao colocar os dois contra uma ameaça quase super-heroica. Tem
supersoldado, tem vírus mortal, tem “exército” de samoanos, tem sequências de
ação surtadas, tem organização secreta. Nenhuma lei da física é respeitada
aqui. O que passou a fazer todo o sentido dentro da lógica da série. O problema
é que no momento em que deveria ir além da ação pela ação, Hobbs e Shaw derrapa
no seu fraco argumento. Como se não bastasse o genérico ‘plot’, o texto de
Chris Morgan não faz jus ao que vimos anteriormente no quesito humor, reduzindo
a instável dinâmica entre os protagonistas à provocações de quinta-série e
trocadilhos infames. Somado a isso, as exageradas duas horas e quinze de
película são preenchidas com um dispensável drameco envolvendo uma vaga rixa
entre irmãos. O resultado são diálogos de uma breguice sem tamanho, dispersões
narrativas e uma tentativa de forçar um romance que nunca decola. O que, por
sinal, até diminui a presença ‘bad-ass’ de Vanessa Kirby. Menos mal que, quando
embarca no território da ação, Leitch se comprova mais uma vez como um “Ás” do
segmento na atualidade. Num ‘mise en scene’ criativo, o cineasta capricha tanto
nos embates físicos, quanto nas perseguições, se movimentando pelo cenário como
poucos a fim de colocar o espectador no centro da ação. As coreografias de luta
são divertidas. Os planos longos injetam tensão. O ‘slow motion’ torna tudo
expressivo aos olhos do público. O clímax é audacioso. As sequências
“protagonizadas” pela moto inteligente do vilão vivido por Idris Elba (no
espírito da brincadeira), em especial, são magníficas e ajudam a elevar o nível
do sarrafo dentro da franquia. Embora falhe enquanto comédia, o que não chega a
ser novidade na franquia, Hobbs e Shaw extrai o máximo da dupla Johnson\Statham
num filme pipoca enérgico capaz de reunir o melhor e o pior de Velozes e
Furiosos.
- Godzilla: O Rei dos Monstros
(Warner Bros)
Lançado em meio a grandes
expectativas, Godzilla: O Rei dos Monstros seria um belo filme de MONSTRO se não
fosse o seu pífio núcleo humano. Tornar as criaturas coadjuvantes no clímax é
imperdoável. Quer vilão melhor que o aquecimento global? Era fácil de resolver
isso sem apelar para o sentimentalismo barato e para um esdrúxulo subplot sobre
ecoterrorismo. Escrito e dirigido por Michael Dougherty (do divertido Contos do
Dia das Bruxas), o imponente longa frustra em relação ao seu antecessor ao
tentar transformar os cientistas em protagonistas\antagonistas da história. Ao
contrário do subestimado primeiro longa, que, com comedimento e um inteligente
senso de construção da tensão, conseguiu permitir que o núcleo humano
coexistisse com a presença de Godzilla, O Rei dos Monstros renega o seu
subtítulo ao perder tempo demais com os dilemas de um casal de cientistas
divorciado (Vera Farmiga e Kyle Chandler) diante um grupo de terroristas
liderado por um subaproveitado Charles Dance. O texto não ajuda. As “desculpas”
para que os humanos tivessem alguma função nos embates entre os titãs são
esdrúxulas. Nem se a Millie Bobby Brown estivesse vivendo a poderosa Eleven de
Stranger Things ela seria “útil” neste confronto. Ao menos o cientista nipônico
vivido por Ken Watanabe finalmente ganha o seu momento após dois filmes como
uma mera ferramenta didática do roteiro. Por pior que seja o núcleo humano,
entretanto, Godzilla: O Rei dos Monstros compensa quanto decide entregar aquilo
que os fãs do subgênero Kaiju gostariam de assistir. Como se não bastasse os
impressionantes predicados estéticos, o CGI é marcante, o design das feras
expressivo, a noção de escala imponente, Dougherty é astuto ao justificar o
embate entre as gigantescas criaturas usando elementos biológicos. Sem grandes
pirações narrativas, a continuação é esperta ao se apropriar de elementos da
natureza selvagem, tornando tudo bastante intuitivo aos olhos do público. O
que, de certa forma, só torna mais irrelevante a presença de tantos personagens
humanos. A imagética continuação, aliás, empolga quando entrega aquilo que
deveria ser a sua prioridade: as devastadoras batalhas entre os monstruosos
titãs. Elas são devastadoras, lentas, reluzentes. Um choque de proporções
épicas que impede Godzilla: Rei dos Monstros de se tornar uma verdadeira catástrofe.
Vou além, torna a experiência até divertida. Imperfeita, mas empolgante.
- Suprema (Focus Features)
É duro perceber que, em meio ao
emaranhado de blockbusters que tem tomado conta das salas de cinema ao redor do
mundo, títulos como Suprema não têm conquistado o espaço necessário para
brilhar. Sob a delicada batuta de Mimi Leder (Impacto Profundo), o longa
estrelado por uma radiante Felicity Jones é firme ao revelar os obstáculos em
torno da luta de Ruth Bader Ginsburg na luta pela igualdade de gênero nos EUA.
Num recorte sucinto, denso e esclarecedor, a realizadora vai além da sua icônica
protagonista ao olhar para uma América regida pelas leis dos homens. Fiel ao
tom moderado de RBG, que, embora entendesse o valor dos movimentos mais
radicais, sempre defendeu que a igualdade só viria com uma drástica mudança na
constituição, Leder é categórica ao enxergar o macro a partir do micro. Ao
focar na primeira grande batalha de Ruth e no caminho que ela percorreu até
esse momento, no início dos anos 1970, a realizadora acompanha um período de
transformações na sociedade norte-americana sob uma perspectiva lúcida e ao
mesmo tempo indignada. Aos olhos da jovem advogada percebemos a segregação das
mulheres, o machismo\paternalismo enraizado, a falta de voz perante temas que
só diziam respeito a elas. É fácil enxergar o entusiasmo dela ao entrar numa instituição
formada majoritariamente por homens, o desconforto dela ao ser tratada com
condescendência por seus colegas, a frustração dela em não poder exercer a sua
profissão, a dor dela em não poder fazer a diferença. Mimi Lader, em especial,
é inteligente ao traduzir o choque geracional entre Ruth e a sua determinada
filha Jane (Cailee Spaeny). Estamos
diante de uma mulher idealista em constante atualização, modificada pelo
contexto em que habitava. Um predicado, volto a frisar, valorizado pela rigidez
polida de Felicity Jones, impecável ao dar vida a uma mulher cansada de
satisfazer os anseios daqueles que a cercavam. Quando se distancia da figura de
RBG, entretanto, Suprema dá as suas derrapadas. No momento em que deveria ouvir
o outro lado, o lado dos que queriam a manutenção do ‘status quo’, Leder peca
pela unidimensionalidade. Com exceção do advogado vivido pelo carismático
Justin Theroux, os homens ou são sensíveis e compreensivos, ou insensíveis e
pedantes. O que diminui a força da crítica proposta. Nada que, de fato, atenue
o impacto de Suprema, um drama que, embora preso aos clichês dos filmes
biográficos, consegue refletir sobre a posição feminina dentro de uma sociedade
machista com peso e inteligência.
- Guava Island (Amazon Studios)
Ambientado numa ensolarada ilha caribenha, Guava Island é tudo menos
paradisíaco. Por trás dos cativantes números musicais, da brilhante performance
de Donald Glover, da radiante presença de Rihanna e do tom aparentemente
festivo existe um drama poderoso. Consciente do período em que estamos vivendo,
o talentoso diretor Hiro Murai retorna a década de 1970 para acompanhar as
desventuras de um músico disposto a usar o seu talento para desafiar um sistema
inclemente. Ao longo dos seus enxutos cinquenta minutos, o longa é categórico
ao pintar um retrato crítico e realista sobre o impacto da repressão na rotina
de uma comunidade. A música, aqui, é tratada como um instrumento de
transformação. Murai é enfático ao defender a responsabilidade social daqueles
que são ouvidos. O Deni de Donald Glover é um símbolo de esperança. Com as suas
“armas”, ele quer levar algo para o seu povo. Mais do que sua música, ele quer
igualdade, respeito e liberdade. Claramente influenciado por títulos como o
brasileiro Cidade de Deus, o cineasta surpreende ao entregar um drama bem mais
profundo e denso do que o esperado. Mesmo com pouco tempo, o realizador toca em
feridas muito reconhecíveis ao refletir sobre qualidade de vida, sobre o preço
cobrado pelo regime capitalista, sobre os reais interesses daqueles que ditam
as normas. Ao ir além dos elétricos números musicais, com destaque absoluto
para a versão “industrial” de This is America, Murai é categórico ao revelar a
verdade como ela é. Sem atenuantes. Sem saídas fáceis. No fim, o choque é
natural, assim como o efeito inspirador. Guava Island defende o poder de uma
ideia ao ecoar as vozes dos oprimidos.
- Yesterday (Universal Pictures)
Richard Curtis me fez gostar de comédias românticas. Roteirista de
Quatro Casamentos e um Funeral (1994), O Diário de Bridget Jones (2001) e
Simplesmente Amor (2003), o realizador escreveu seu nome do gênero com
produções criativas, inteligentes e adoráveis. Uma combinação de predicados
que, de certa forma, está presente em Yesterday. Longe de ser inquestionável, o
longa dirigido por Danny Boyle (Extermínio) é o tipo de produção que contorna
as suas falhas com uma revigorante aura ‘feel good’. Com base numa premissa
genial, a comédia romântica britânica ganhou um marketing natural ao narrar a
jornada de um cantor de bar que repentinamente acorda em uma realidade em que
Os Beatles não existiram. Um musical com ‘hits’ do quarteto de Liverpool, por
si só, já era atraente o bastante. Tudo fica melhor com música. Se for com
Beatles então nem se fala. Consciente disso, Boyle não perde tempo ao mergulhar
no mundo de sucessos deste ícone do rock. O que ajuda a explicar o seu claro desleixo
quanto a construção dos personagens. Se por um lado Curtis, com autenticidade,
acerta ao construir um peculiar casal preso na ‘friendzone’, por outro a sua
singular trama custa a emplacá-lo. A impressão que fica ao longo do irregular
primeiro ato é que Yesterday peca ao se distanciar da relação entre os
personagens de Himesh Patel e Lily James. A química entre os dois é
consistente. Ela, como sempre, surge radiante em cena. O argumento descomplica
as coisas ao tornar a dinâmica entre o músico e a sua dedicada empresária muito
franca.
O problema é que, talvez pela
pressão em focar no universo dos Beatles, o romance demora a engrenar. Os
obstáculos que os separam são frágeis. O humor é irregular e abusa dos
estereótipos quanto a família do cantor. A participação de Ed Sheeran é forçada
e diminui o peso da crítica sobre a indústria da música. Hey Dude mostra o quão
difícil seria a vida dos Beatles se eles tivessem nascido nos dias atuais. Ainda
assim, na transição para a metade do longa, o longa é perspicaz ao fugir do
lugar comum no que diz respeito aos conflitos do simpático protagonista. Mais
uma vez, o argumento acerta ao descomplicar as coisas, ao não se prender tanto
às questões morais, ao discutir o plágio sob uma perspectiva humana. Sem nunca
se explicar demais sobre os mistérios em torno do “desaparecimento” da clássica
banda, Yesterday sobe de nível quando decide focar no seu adorável casal e nos
obstáculos ocasionados pelo sucesso. Boyle é astuto ao, na iminência do
afastamento causado pelo showbiz, catalisar o clima de romance. Um arco esperto
incrementado por uma solução narrativa corajosa. Sem querer revelar muito, o
cineasta abraça o fantástico com convicção ao guiar o protagonista rumo a
decisão que norteia o último ato. Uma homenagem que, isoladamente, já seria o
bastante para valer o ingresso. Entre altos e baixos, Yesterday extrai o máximo
desta mitológica banda com uma trilha sonora escolhida a dedo, cativantes
números musicais (Patel segura a responsabilidade com naturalidade) e uma aura descontraída
que ajuda a aquecer uma trama mais morna que o esperado.
- Thunder Road (Vanishing Angle)
Um inusitado exercício de autopiedade, Thunder Road é uma tragicomédia de difícil tradução. Responsável pela direção, roteiro e pela atuação, Jim Cummings faz de tudo num filme conveniente, sentimentalista, mas ao mesmo tempo sensível e realista. Existe muito coração, talento e ironia na obra, mas também muito exibicionismo. Embora a premissa cause uma empatia natural e o desenvolvimento do arco principal toque em feridas reconhecíveis, não sei dizer o que foi involuntário e o que foi proposital na construção da jornada de Jim Aranud. Não consegui precisar até que ponto Cummings está satirizando a masculinidade frágil de um homem à beira do caos com a morte da sua matriarca ou sendo condescendente com ele. No seu primeiro grande trabalho, o realizador ousa ao transitar por temas tão desconcertantes com um senso de humor peculiar. Jim reage quase sempre mal aos problemas que o cerca. Ele é imaturo, irritadiço, instável. Sentimentos que não combinam com um oficial da lei. O que por si só gera respostas inesperadamente cômicas. Neste aspecto, Thunder Road acerta ao tratar a pressão da rotina policial como um complicador. Uma abordagem comum gera uma reação explosiva. Uma morte acidental causa um efeito mais drástico. Uma reação intempestiva gera consequências na luta pela guarda da sua filha após o divórcio. Sim, Jim também está se separando. Uma conjuntura de problemas que, à medida que a trama avança, merecia uma abordagem mais profunda. Sem amarras, Cummings, porém, centraliza tudo ao seu redor. Se prende demais as reações histriônicas do protagonista a cada novo empecilho. O humor perde sentido. Em vários momentos o sentimento de desconforto soa mais evidente que o ideal. E, volto a frisar, não sei afirmar se propositalmente ou não. O que não funciona tão bem na extravagante (e longuíssima) sequência do funeral, por exemplo, soa drástico e genuinamente perigoso na cena da explosão da delegacia. Esse sentimento de incerteza, combinado com o claro (e por vezes dispensável) 'show off' de Cummings, enfraquece o senso de tragicomédia da obra e o impactante clímax como um todo. No fim, entretanto, Thunder Road é o tipo de obra que merece o benefício de dúvida. Mesmo se levando a sério demais, um drama imprevisível que, nos seus melhores momentos, coloca o dedo em feridas reais com propriedade e particularidade.
Um inusitado exercício de autopiedade, Thunder Road é uma tragicomédia de difícil tradução. Responsável pela direção, roteiro e pela atuação, Jim Cummings faz de tudo num filme conveniente, sentimentalista, mas ao mesmo tempo sensível e realista. Existe muito coração, talento e ironia na obra, mas também muito exibicionismo. Embora a premissa cause uma empatia natural e o desenvolvimento do arco principal toque em feridas reconhecíveis, não sei dizer o que foi involuntário e o que foi proposital na construção da jornada de Jim Aranud. Não consegui precisar até que ponto Cummings está satirizando a masculinidade frágil de um homem à beira do caos com a morte da sua matriarca ou sendo condescendente com ele. No seu primeiro grande trabalho, o realizador ousa ao transitar por temas tão desconcertantes com um senso de humor peculiar. Jim reage quase sempre mal aos problemas que o cerca. Ele é imaturo, irritadiço, instável. Sentimentos que não combinam com um oficial da lei. O que por si só gera respostas inesperadamente cômicas. Neste aspecto, Thunder Road acerta ao tratar a pressão da rotina policial como um complicador. Uma abordagem comum gera uma reação explosiva. Uma morte acidental causa um efeito mais drástico. Uma reação intempestiva gera consequências na luta pela guarda da sua filha após o divórcio. Sim, Jim também está se separando. Uma conjuntura de problemas que, à medida que a trama avança, merecia uma abordagem mais profunda. Sem amarras, Cummings, porém, centraliza tudo ao seu redor. Se prende demais as reações histriônicas do protagonista a cada novo empecilho. O humor perde sentido. Em vários momentos o sentimento de desconforto soa mais evidente que o ideal. E, volto a frisar, não sei afirmar se propositalmente ou não. O que não funciona tão bem na extravagante (e longuíssima) sequência do funeral, por exemplo, soa drástico e genuinamente perigoso na cena da explosão da delegacia. Esse sentimento de incerteza, combinado com o claro (e por vezes dispensável) 'show off' de Cummings, enfraquece o senso de tragicomédia da obra e o impactante clímax como um todo. No fim, entretanto, Thunder Road é o tipo de obra que merece o benefício de dúvida. Mesmo se levando a sério demais, um drama imprevisível que, nos seus melhores momentos, coloca o dedo em feridas reais com propriedade e particularidade.
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