quarta-feira, 18 de setembro de 2019

O que mais impressionou e o que não funcionou no novo Aladdin


Uma das animações mais populares dos estúdios Disney nos anos 1990, Aladdin chegou aos cinemas em sua versão ‘live-action’ causando sentimentos mistos no espectador. Confesso, inclusive, que o primeiro trailer realmente não me deixou uma boa impressão. Os efeitos visuais pareciam estranhos, o elenco desconhecido demais, a proposta da adaptação não soava tão inventiva assim. Não me empolgou. Não se pode, porém, subestimar um projeto deste porte, com tanto talento envolvido. Eis que, para a minha surpresa, o novo Aladdin superou (e muito) as minhas expectativas ao atualizar o clássico sem esquecer de imprimir algo novo na vibrante adaptação. Uma releitura empolgante, fiel aos momentos mais icônicos, por vezes problemática, mas nunca desnecessária. O adjetivo que eu mais temia encontrar numa versão de algo tão vivo no meu imaginário. Aproveitando que Aladdin já está disponível nos principais serviços de ‘streaming’, neste artigo decidi analisar o que mais me impressionou e o que definitivamente não funcionou neste enérgico remake. 

- Guy Ritchie


Dono de alguns pequenos grandes filmes, entre eles Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes e Snatch: Porcos e Diamantes, Guy Ritchie é um diretor com uma assinatura própria. Isso é indiscutível. Seus últimos trabalhos, porém, foram frustrantes. O que, de certa forma, ajudou a ampliar as incertezas em torno do novo Aladdin. Se por um lado Ritchie se revelava uma escolha corajosa, por outro lado os seus filmes recentes mostravam um realizador em crise criativa. O que vemos aqui, no entanto, é um Guy Ritchie na sua melhor forma. Grande parte do triunfo do remake nasce da enérgica visão de cinema do diretor. Influenciado pela exuberância estética\rítmica de ‘Bollywood’, o cineasta captura a essência musical da animação com rara beleza, reproduzindo alguns dos mais icônicos números com grandiosidade, coreografias engenhosas, um ‘mise en scene’ dinâmico, efeitos visuais apurados e pulso narrativo. Tudo soa muito vivo. O cenário habitável. A mistura de CGI e elementos práticos casa perfeitamente. Embora o roteiro se alongue demais em alguns momentos, Ritchie compensa ao trazer vigor para as sequências, ao explorar o máximo do elo entre os personagens, da química entre os protagonistas. O resultado é vistoso e extravagante como o novo Aladdin deveria ser.

- Números Musicais


Outro ponto em que o novo Aladdin praticamente se equipara ao original é nos seus números musicais. Por mais que a grandiosidade das cenas do clássico de 1992 significasse um desafio, Guy Ritchie e o elenco surpreendem ao levarem para a tela grande uma releitura ao mesmo tempo fiel e revigorada da animação. Com acordes reverentes, mas levemente temperados por uma ‘vibe’ rap\hip-hop, o genial Alan Menken retorna à Agrabah em grande estilo, encontrando na versatilidade vocal de Mena Massoud, Naomi Scott e Will Smith o misto de carisma e vigor para reinterpretar verdadeiros hinos do gênero. Tal qual no original, Ritchie é habilidoso ao trazer uma imponente aura lúdica a maior parte das canções. Algo que fica bem claro, por exemplo, no dinamismo moleque de One Jump Ahead, na grandiloquência estética de Friend Like Me, ou no senso de espetacularidade de Prince Ali. Quando necessário, porém, a dobradinha Ritchie\Menken explora sentimentos mais “maduros” com sabedoria como na empoderadora Speachless, ou (claro!) na romântica A Whole New World. Grande parte da empolgação em Aladdin, na verdade, nasce dos extraordinários números musicais.

- Atualização na perspectiva de Jasmine


Embora protocolar quanto a revisão do clássico, o roteiro assinado por Guy Ritchie e John August tem ao menos uma grande (e refrescante) sacada. Fazendo jus ao que deveria ser o conceito básico em qualquer remake, a dupla atualizada o conto ao fazer de Jasmine (Naomi Scott) uma personagem com anseios mais reconhecíveis. Esqueça o clichê da donzela romântica à espera do seu príncipe encantado. Por mais que, já no original, Jasmine possuísse um olhar mais humano em relação ao seu mundo, é legal ver como Ritchie vai além da superfície ao entregar uma protagonista em busca de uma voz mais ativa. Ela quer assumir as rédeas aqui, quer quebrar tradições, quer substituir o seu afetuoso pai, o Sultão (Navid Negahban). Ainda que, claramente, o argumento subaproveite o potencial deste arco, ao menos vemos uma Jasmine disposta a desafiar o seu ‘status quo’. Algo que ganha mais força graças a poderosa canção Speechless. Uma música inédita e com muito a acrescentar que surge como um dos principais trunfos desta releitura.

- O elenco


Disposta a fugir do lugar comum dos rostos conhecidos, a Disney resolveu ousar ao escalar um elenco praticamente desconhecido do grande público. A preocupação étnica era clara. O embranquecimento, aqui, seria um vilão imperdoável. O minucioso processo de ‘casting’ do estúdio, no entanto, encontrou ótimas soluções. A começar, óbvio, por Naomi Scott. Dona de um charme natural, a promissora jovem atriz britânica foi a escolha perfeita para viver a reclusa Jasmine. Como se não bastasse a incrível semelhança física entre as personagens, Scott conseguiu absorver com naturalidade o senso de impetuosidade e doçura da protagonista. Jasmine sabe o que quer. Somado a isso, a performance vocal de Scott é genuinamente impressionante, seja nas passagens mais leves, seja nos momentos mais dramáticos. O mesmo, aliás, podemos dizer de Mena Massud. Confesso que, inicialmente, custei a enxergar nele o Aladdin. Ele me parecia inexpressivo demais. Menos "cara de pau" e mais autoconfiante. O material de divulgação não ajudou muito. Bastam os primeiros minutos do remake, porém, para percebermos que o ator egípcio traz consigo a essência do herói. Massoud captura a energia intrépida de Aladdin com boa presença cênica, cantando e dançando como poucos sempre que preciso sem nunca desfigurar o seu personagem. Uma dose a mais de carisma por parte do ator, porém, não faria mal algum. Outro que também merece uma menção positiva é Marwan Kenzari. Mesmo limitado pela visão demasiadamente realista do seu Jafar, o holandês exibe um misto de ardilosidade e perversidade que serve muito bem ao personagem. Quem realmente rouba a cena, no entanto, é Nasim Pedrad. Na pele da fiel escudeira de Jasmine, a expressiva atriz iraniana ganha um bem-vindo tempo de tela, se tornando um espontâneo alívio cômico.

- Jafar


E chegamos ao primeiro ponto negativo de Aladdin. Se bem que eu esperava algo bem pior. Cartunesco e insano, Jafar é o tipo de personagem praticamente impossível de ser adaptado numa versão ‘live action’. Ele era longilíneo demais, exagerado demais, perverso demais. Não precisava de motivações para funcionar. Bastava olhar para ele e sabíamos que estávamos diante do vilão da trama. Por trás disso, porém, existia humor, existia um quê errático um tanto quanto típico da animação. Algo que foi totalmente esquecido nesta releitura. Na ânsia de criar um vilão igualmente imponente, Guy Ritchie até acerta no visual. Marwan Kenzari também consegue trazer consigo a aura sorrateira que ajudou a definir o antagonista. O problema é que, quando enxergamos além disso, não vemos praticamente nada. Jafar é o tipo de personagem oco que causa um incomodo natural. Ele quer ser poderoso, mas não sabemos o porquê. Por mais que, em certo momento, o argumento até se arrisque ao tentar criar um paralelo entre Jafar e Aladdin, a ideia de humaniza-lo cai por terra diante da ineficiência do argumento em se aprofundar neste tema. No fim, o Jafar em carne osso não consegue nem ser tão ameaçador quanto o original, nem tão pouco cômico, algo que se revela um tanto quanto frustrante.

- Abu e Iago


Nada, entretanto, me frustrou tanto em Aladdin quando a visão simplista do roteiro para com as figuras de Abu e Iago. Na verdade, Guy Ritchie mostra clara dificuldade em adaptar os elementos mais cartunescos para a versão ‘live-action’. E, para deixar bem claro, não estou me referindo ao aspecto visual. Neste sentido, os “parceiros de crime” de Aladdin e Jafar funcionam muito bem. O macaquinho, em especial, se revela bastante expressivo em passagens chaves da trama. Por algum motivo não explicado, porém, o roteiro vacila (e muito) ao trabalhar o inusitado elo entre os mascotes e os seus donos. Enquanto Abu, pouco a pouco, praticamente some da tela, Iago é o personagem que mais sofre nesta releitura. Uma das minhas figuras favoritas do Aladdin original, o debochado pássaro era um personagem irônico, irritadiço, capaz até mesmo de desafiar o seu “amo”. A relação entre Jafar e ele, na verdade, ajudava a compor o aspecto disfuncional deste vilão. Algo que, de fato, talvez ajude a explicar os problemas citados no tópico anterior. Existia uma troca de farpas. Iago ia muito além da figura do lacaio. O que vemos aqui, no entanto, é um personagem sem alma. Um “faz tudo” sem voz que não tem um por cento do charme do original.

- Will Smith e o seu Gênio


Durante a fase de pós-produção, parte da grita do público quanto o novo Aladdin brotou do visual do Gênio. Embora o trailer, em muitos casos, traga efeitos longe da finalização, o design desproporcional do afetuoso personagem causou uma péssima impressão. Tanto que a Disney, poucos dias depois, tratou de soltar imagens em alta resolução para mostrar que aquilo não passava de um “susto”. Por trás disso, no entanto, existia também o fator Robin Williams. Um dos principais motivos para Aladdin ter se tornado o sucesso que foi, o ator e comediante se tornou a não só voz do Gênio, mas a sua essência. Nenhum outro era capaz de replicar o humor verborrágico e sem amarras de Williams. Como escrevi num artigo sobre o saudoso ator, talvez pela primeira vez ele conseguiu ter a liberdade necessária para expressar todo o seu talento. No mundo da animação, tudo ganhava vida. O frenesi era de saltar aos olhos. Consciente disso, Guy Ritchie e a Disney decidiram investir alto na contratação de um astro igualmente popular. E tão carismático quanto. Will Smith desde o início se mostrava uma aposta certeira. O que não esperávamos, no entanto, era que à sua maneira ele iria conseguir entregar um Gênio tão expressivo quanto o de Williams. Sem a intenção de replica-lo, o astro de MIB e Bad Boys cria um ser mitológico seu. O metalinguismo transloucado\bonachão de Williams dá lugar a visão urbana deslocada\charmosa de Smith. O Gênio da versão ‘live-action’ é menos caótico, mas não menos irreverente. Obrigado a personificar o ser azulado, Will Smith se sai muitíssimo bem ao abraçar a liberdade de possibilidades do personagem, um predicado potencializado pelos caprichados efeitos visuais. O CGI do Gênio, em especial, é praticamente irretocável e ajuda a transformá-lo mais uma vez num dos grandes trunfos de Aladdin.

- O clímax


Na transição para o que deveria ser o seu ápice, entretanto, o novo Aladdin peca ao não conseguir entregar um desfecho à altura do original. Além do roteiro apressar as coisas, a tensão em torno do Jafar superpoderoso é mal explorada aqui, Guy Ritchie parece que se viu obrigado a reduzir o escopo do clímax. Mais uma vez, na transição do cartunesco para o ‘live-action’, parte da essência do original se perde. Todo o clímax no palácio, com direito a Jasmine presa numa ampulheta, Abu transformado em brinquedo, o Tapete Mágico desfiado, Jafar em forma de serpente não chega nem próximo de acontecer aqui. O que vemos, em substituição, é uma perseguição genérica por Agrabah, um Iago gigante e nada mais. Disparado o ponto mais genérico desta releitura. Por mais que, no fim, a ordem dos fatos não se altere tanto assim, a tentativa de manter tudo o mais pé no chão possível não funcionou tão bem neste aspecto. Um pouco mais loucura visual não faria mal algum.

- Design de produção e figurino


Neste aspecto, Aladdin desponta como um dos melhores trabalhos na safra de remakes de clássicos Disney. Fica claro que grande parte dos US$ 183 milhões orçamento foi dedicada a construção de uma Agrabah realística e habitável. Os cenários são vivos e exuberantes. Os efeitos práticos saltam aos olhos. Guy Ritchie não se furta de explora-lo. O CGI é pouco perceptível aqui, o que sempre é um elogio. O que falar então dos figurinos. Com muito respeito a cultura arábica, as vestimentas são bem mais expressivas do que na animação. Existe muito valor de produção aqui. Riqueza de detalhes. Um predicado potencializado pela radiante mistura de cores proposta pela fotografia de Alan Stewart, em seu primeiro grande trabalho na função em Hollywood. Mais uma vez, é impressionante ver como Guy Ritchie buscou no senso de ‘glamour’ de Bollywood as soluções para o design do remake.

- Ousadia Narrativa


Por fim, embora a reverência visual ao original seja compreensível, Aladdin reluta ao andar com as suas próprias pernas no aspecto narrativo. Elementos como o esperto subtexto feminino e a relação entre Jafar e Aladdin poderiam (ou melhor, deveriam) ser tratados com mais profundidade. Ao longo do filme, inclusive, fiquei imaginando como seria o longa se narrado sob a reclusa perspectiva de Jasmine. É duro escrever sobre o que não foi feito, nem acho justo este tipo de crítica, mas com um pouco mais de ousadia narrativa a atualização poderia funcionar ainda melhor. Na dúvida, Guy Ritchie prefere ficar com o original. Uma opção, volto a frisar, justa, principalmente diante da qualidade com que o realizador o referenda.

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