sexta-feira, 12 de julho de 2019

Crítica | À Queima-Roupa (2019)

Genérico e inexplicável

Você provavelmente já viu esse filme antes. E melhor! Remake do competente thriller de ação francês À bout portant (2010), À Queima-Roupa (Point Blank, no original) até tenta se distanciar do original. Disposto a dar uma roupagem pop\escapista à premissa, o diretor Joe Lynch flerta com elementos dos populares ‘buddy cop movie’ ao injetar uma dose de humor na adaptação, ao confiar na química entre os protagonistas e na suposta roupagem descolada. O resultado, porém, é genérico e frouxo. Por mais que o carisma da dupla Frank Grillo e Anthony Mackie eleve o nível da refilmagem, a mais nova produção original Netflix é uma bagunça sem tamanho, uma obra que até começa bem, mas se perde diante das suas confusas pretensões e (pasmem) da inexplicável falta de ação. 

No papel, a ideia da nova versão de À Queima-Roupa me parecia bem clara. Esqueça o clima de urgência do original. Influenciado por títulos como a franquia John Wick (2014-2019), Baby Driver (2017) e Dupla Explosiva (2017), Joe Lynch optou por dar uma roupagem mais leve a este thriller conspiratório. As referências eram interessantes. Não é fácil, entretanto, replicar o trabalho de nomes do quilate Edgar Wright. Um punhado de canções pop espalhadas aleatoriamente ao longo da trama não fazem um filme ser deslocado. Nem tão pouco empolgante. Principalmente quando o longa carece daquilo que deveria o definir: sequências de ação. Um problema irreparável diante da batida premissa defendida pela refilmagem.


Curiosamente, À Queima Roupa até começa bem. Joe Lynch é habilidoso ao estabelecer a vulnerável situação do ‘bad-ass’ assassino profissional Abe (Frank Grillo), a pacata rotina do enfermeiro Paul (Anthony Mackie) e o baita problema que os dois estão prestes a se meter. Com objetividade, o argumento assinado por Adam G. Simon vai do ponto A ao ponto B sem grande complicação, conseguindo fisgar o público ao nos colocar em dúvida sobre as reais intenções dos envolvidos. Um predicado valorizado pela presença da dúbia policial vivida pela talentosíssima Marcia Gay Harden. Neste primeiro momento, Lynch faz um competente feijão com arroz ao construir o elo de desconfiança entre Paul e Abe, preparando o terreno para um jogo de gato e rato conspiratório que prometia ser bastante tenso e envolvente.


Uma expectativa que não se cumpre em momento algum. E muito em função das pretensões de Joe Lynch e do fraquíssimo roteiro. Por mais que Frank Grillo e Anthony Mackie consigam extrair o fiapo de sentimento defendido pelo texto, bastam as primeiras piadinhas ganharem espaço para tudo começar a ruir. Aos poucos as soluções encontradas pelo argumento passam a não fazer qualquer sentido. Embora o realizador jogue limpo ao estabelecer a face humana dos sequestradores, a relação entre o acuado Matteo (Christian Cooke) a esposa grávida de Paul (Teyonah Parris), por sinal, se revela bem mais sólida que o esperado, o que vemos a partir do segundo ato é um show de conveniências narrativas e situações subaproveitadas. O clima de urgência logo se esvai. A ameaça é de uma frouxidão sem tamanho. Para piorar, na tentativa de concretizar um terceiro antagonista, Lynch se dispersa absurdamente do arco central ao investir num núcleo completamente aleatório, daqueles que pouco (ou nada) acrescentam ao resultado final. Sem querer revelar muito, as referências ao legendário cineasta William Friedkin (Comboio do Medo) surgem como um lembrete de tudo o que falta aqui.


O grande problema de À Queima Roupa, no entanto, está mesmo na bagunçada proposta defendida por Joe Lynch. O que vemos a partir do segundo ato é uma produção sem rumo. Como se não bastasse o frágil roteiro, o realizador se perde por completo ao propor uma misturada que passa longe de funcionar. Falta pulso narrativo. O humor não funciona. Não existe tensão. A trilha sonora destoa por completo do teor da ação. Num momento chave da trama, previamente revelado pelo trailer, o personagem de Abe transbordando raiva diz que “vai matar todos”. O resultado desta sequência, porém, é risível. Sem querer parecer repetitivo, Lynch frustra os fãs do gênero ao simplesmente nunca entregar o que promete. Os antagonistas de uma hora para outra desaparecem da trama. Falta embate. Falta confronto. Falta ação. O que fica bem claro, em especial, dentro do inacreditável clímax, um desfecho oco de uma pobreza constrangedora. 


Uma das mais fracas e esquecíveis produções do catálogo originais Netflix, À Queima-Roupa desperdiça o potencial do talentoso elenco num remake difícil de explicar. Dividido entre a seriedade dos filmes sobre a corrupção policial e o escapismo dos ‘buddy cop movies’, Joe Lynch mira nos mais estilosos filmes de ação recentes, mas se mostra incapaz de ao menos emular o formato destas obras. Na dúvida, prefira o original.