domingo, 9 de junho de 2019

Top 10 (Black Mirror)


Confesso que resisti a assistir Black Mirror. Apesar dos elogios, a sensação era de já vi isso antes. Embora goste muito do formato, fugi do ‘hype’ até onde deu. Com o lançamento iminente da quinta temporada, porém, resolvi dar uma chance. E não me arrependi. Criada por Charlie Brooker, a série de antologia faz jus ao gênero Sci-Fi ao refletir sobre o nosso estilo de vida em sociedade com episódios (em sua maioria) instigantes e provocadores. Mais do que simplesmente atrair grandes nomes da TV e do Cinema, o realizador tratou de construir uma mitologia própria, criando um discreto elo entre os capítulos ao trabalhar com uma visão tecnológica extremamente reconhecível. Por mais absurdos que possam parecer alguns dos dispositivos “criados” pela série, os conceitos por trás deles são críveis, atuais e tem muito a dizer sobre a nossa dúbia relação com a tecnologia. Me impressionou bastante, por exemplo, a sagacidade de Brooker em trabalhar no aperfeiçoamento dos seus gadgets ao longo dos cinco anos, permitindo que o público pudesse entender o modo de funcionamento deles, as possibilidades, os problemas e a sua influência na rotina dos personagens. Por mais que alguns episódios prometam bem mais do que cumpram, Black Mirror como um todo consegue entregar o que se esperava de uma proposta tão ousada, culminando em alguns ‘insights’ realmente geniais. Com a estreia da 5ª temporada na Netflix, neste Top 10 decidi preparar uma lista com dez dos meus episódios favoritos desta questionadora produção. Muitos deles, diga-se de passagem, com um acabamento verdadeiramente cinematográfico, tamanho o grau da qualidade envolvida. Dito isso, começamos com...


10º Fifteen Million Merits (2011)


Disparado o melhor episódio da modesta primeira temporada, Fifteen Million Merits abraçou a distopia com gosto ao nos levar para uma realidade em que um grupo de indivíduos vive a serviço de um sistema rígido e impessoal. Com Daniel Kaluuya na pele de uma anestesiada peça desta engrenagem, o longa reflete com audácia sobre o processo de ascensão social num universo midiático ao escancarar os perigos em torno das “regras do jogo”. Por mais que a riqueza de detalhes do universo aqui apresentado chame a atenção, a chama que move o episódio está no misto de esperança e desilusão de um homem às avessas com o meio em que vive. Num universo em que um reality show era o sonho de consumo daqueles que queria prosperar, é interessante perceber a acidez de Charlie Brooker em questionar a cultura do entretenimento fácil, do impulso em detrimento do conteúdo, algo que faz todo o sentido dentro do oco ecossistema autossustentável estabelecido pelo episódio. No fim, a roda precisa seguir girando, movendo os alienados personagens rumo a um destino incerto e descerebrado.

9º Hang The DJ (2017)


Por falar em episódios distópicos, Hang the DJ brinca com o ‘modus operandi’ dos aplicativos de encontros ao nos levar para uma realidade em que um algoritmo era o responsável por definir o par perfeito dos seus usuários. Com Georgina Campbell e Joel Cole na pele do magnético casal de protagonistas, o episódio dirigido por Timothy Van Patten (Família Soprano) divagou sobre o bizarro em torno da situação ao se debruçar sobre as desventuras de dois indivíduos obrigados a lidar com frustrações sentimentais quando as respostas pareciam bem claras. Por mais que o viés ‘hi-tech’ seja explorado com certo desdém ao longo de boa parte da trama, o honesto clima de romance combinado com a crescente mensagem antissistema ajudam a elevar o nível deste envolvente e descomplicado episódio, culminando num tenro e revigorante desfecho.

8º Black Museum (2017)


Talvez o episódio mais “fritado” da série, Black Museum provoca ao questionar a nossa morbidez num ambiente social sensacionalista e totalmente insensível para a dor alheia. Num recorte ‘gore’ e angustiante, o capítulo estrelado por Letitia Wright (Pantera Negra) coloca o dedo na ferida ao refletir sobre a perversidade e a falta de limites a partir de três histórias de crimes. Como se não bastassem os inúmeros ‘easter-eggs’ escondidos no tal museu e a pluralidade temática do episódio, Charlie Brooker mostra mais uma vez a sua sagacidade ao tratar a tecnologia como algo invasivo e um tanto quanto imoral. A ideia não é só criticar a inconsequência em alguns experimentos científicos. Sob a batuta de Colm McCarthy (do ótimo Melanie: A Última Esperança), o episódio pensa “fora da caixinha” ao apontar o dedo para os usuários, para àqueles que, por motivos justos ou não, deixaram se seduzir por um “poder” efêmero e porque não nefasto. Toda a passagem da transferência de consciência, em especial, dialoga com brilhantismo com alguns outros capítulos da série, mostrando que antes de atingir os objetivos esperados, o dispositivo passou por um longo e perigoso processo de aperfeiçoamento. Além disso, na transição para o fim, McCarthy nos brinda com uma empolgante reviravolta, extraindo o máximo da radiante protagonista num desfecho à altura dos melhores momentos da produção.

7º Hated In The Nation (2016)


Poucos episódios de Black Mirror tocaram tão claramente e objetivamente numa das mais novas mazelas sociais do mundo virtual quando Hated in The Nation. Numa época tóxica em que muitos julgam, ameaçam e agridem escondidos sob a “proteção” de um avatar das redes sociais, Charlie Brooker coloca o dedo mais uma vez na ferida ao mostrar como em alguns casos o feitiço pode se virar contra o feiticeiro. Embora visualmente este seja o episódio mais problemático de Black Mirror, muito em função das elevadas pretensões propostas pelo contexto ‘hi-tech’ aqui defendido, a compensação vem na maneira enérgica com que o argumento reflete sobre a banalização da cultura do ódio nas plataformas digitais. Impulsionado pela intensa performance de Kelly Macdonald, impecável ao capturar o clima de corrida contra o tempo estabelecido pelo capítulo, Brooker não titubeia em mostrar que por trás dos “haters” existe indivíduos comuns, como eu ou você. Pessoas em muitos casos levada por uma onda de ódio a se manifestar sobre tudo\todos. No fim, numa realidade em que o ciberterrorismo é uma ameaça real, não existe espaço para condescendência, nem tão pouco para o perdão. O extremismo alimenta o extremismo num círculo vicioso de grandes consequências. Black Mirror em sua face mais raivosa e crítica.

6º Arkangel (2016)


De longe o episódio mais subestimado de Black Mirror, Arkangel esbanja originalidade ao refletir sobre os perigos da superproteção parental dentro de um contexto tecnológico. Conduzido com intensidade pela atriz e diretora Jodie Foster, o episódio, talvez o mais cinematográfico da série, intriga ao invadir a intimidade de uma criança que desde cedo se acostumou a conviver com a supervisão diária da sua amedrontada mãe. Com a talentosa Rosemarie DeWitt na pele da errática figura materna, Charlie Brooker mostra peso e profundidade ao escancarar o impacto da vigilância na construção da identidade da protagonista e as sequelas causadas no processo. Sob a sutil batuta de Foster, as sequências de transição etária, em especial, são brilhantes, o capítulo é maduro o bastante para tocar em questões reconhecíveis, em medos comuns ao nosso dia a dia, aquecendo as coisas à medida que o elo de confiança entre mãe e filha passa a ficar estremecido. Fazendo um primoroso uso do viés ‘hi-tech’, o projeto Arkangel que dá nome ao episódio, por exemplo, surge como mais uma das experiências perversas tão criticadas pelo autor, Foster entrega um relato extremamente humano sobre uma turbulenta relação familiar, principalmente quando decide levantar algumas preciosas questões enquanto constata que nós somos moldados pelas nossas experiências de vida. Sejam elas positivas, ou não. 

5º Shut up and Dance (2016) 


Insinuante, enervante e provocador, Shut Up and Dance desfila originalidade ao explorar as duras sequelas envolvendo o vazamento de conteúdo íntimo. Com uma premissa aparentemente simples, mas que cresce em dramaticidade e peso à medida que a avança, o capítulo dirigido por James Watkins (A Mulher de Preto) testa as nossas expectativas ao narrar as desventuras de um introspectivo jovem nas mãos de um ardiloso ‘hacker’. Embora funcione brilhantemente como um thriller de suspense, a graça deste episódio está na maneira com que Charlie Brooker explora a vulnerabilidade dos personagens, evitando reduzir tudo a um mero jogo de gato e rato ao embutir no texto pistas que existe algo muito pior em torno de toda a situação. De todos os episódios esse, confesso, foi o que mais me pegou de surpresa, principalmente pela maneira com que aponta o seu dedo para os personagens sem culpa ou remorso. O tipo de episódio que merece ter os seus segredos protegidos, embora não traga nenhuma grande reflexão profunda em torno do tema em questão. Aqui, na verdade, fica o alerta de o quão expostos nós podemos estar num ambiente virtual. O que, numa sociedade cada vez mais “exibicionista”, pode ser um baita e desconfortável problema. 

4º USS Callister (2017) 


A partir daqui chegamos ao ‘creme de la creme’ de Black Mirror. Os episódios que eu daria cinco estrelas. Muito mais do que uma paródia de séries como Star Trek, USS Callister parte da tecnologia de imersão digital para expor os perigos que um simples jogo pode causar em mãos perversas. Além de avançar um conceito previamente trabalhado na série, em especial em White Christmas, o vibrante episódio dirigido por Toby Haynes enche a tela de tensão ao mostrar como uma tecnologia pode ser mal utilizada em mãos perversas. A grande sacada aqui, na verdade, está na maneira com que Charlie Brooker reflete sobre a relação de muito com os realísticos games da nossa geração. Como um homem tímido e apático pode se transformar num tirânico ‘hater’ com um simples “start”. Na pele de um gênio criador de um dos mais populares jogos do momento, o versátil Jesse Plemons testa as nossas expectativas ao escancarar a face mais tóxica deste universo. Sem nunca generalizar, é legal ver como o perverso personagem a expor a mentalidade de homens (em sua maioria) e mulheres (poucas, bem poucas) que transferem para o universo virtual\ficcional as suas frustrações diárias. O resultado é uma explosão de hostilidade que faz de USS Callister um dos episódios mais empolgantes e divertidos de Black Mirror. 

3º Nosedive (2016) 


Além de ser um capítulo ferino e divertidíssimo, Nosedive é o tipo de ‘insight’ criativo que tem muito a dizer sobre o meio em que vivemos, sobre a futilidade e a pretensa sensação de felicidade imposta por algumas plataformas digitais. Com a carismática Bryce Dallas Howard afetadíssima na pele de uma jovem disposta a tudo para conseguir aprovação num mundo regido por curtidas e estrelinhas, o fantástico episódio dirigido por Joe Writgh (Desejo e Reparação) debocha da artificialidade deste “estilo de vida” numa obra irônica, afiada e indiscutivelmente inteligente. Uma crônica urbana perfeita. Com um visual propositalmente ‘feel good’, uma vistosa roupagem cinematográfica e algumas das melhores cenas de Black Mirror, Nosedive paradoxalmente é o episódio mais sem filtros da produção, o que faz todo o sentido diante do contexto do argumento. Indicação máxima para todos aqueles que acreditam no “conto de fadas” alimentados por alguns perfis no Instagram. 

2º San Junipero (2016) 


Eu queria morar em San Junipero. Um tipo de elogio que só comprova o quão marcante é o episódio dirigido por Owen Harris (Sucesso Acima de Tudo). De longe o episódio mais estiloso da franquia, a micro história estrelada pelas talentosíssimas Mackenzie Davis e Gugu Mbatha-Raw invade os anos 1980 ao narrar as desventuras amorosas de uma jovem deslocada do seu tempo. Perspicaz ao usar um conceito tecnológico já explorado previamente na série, o capítulo transita harmoniosamente do romance ‘cult’ para o existencialismo ao divagar sobre o novo e o velho, sobre a ciência e a religião, sobre o fim e o reinício. Tudo isso com uma pegada oitentista, um instigante clima de mistério e um texto acessível para todos os públicos. San Junipero é uma pequena pérola e seria o número um desta lista se não tivesse que acelerar tanto as coisas no seu fim. 

1º White Christmas (2015) 


Contrastando com o otimismo de San Junipero, White Christmas é Sci-Fi em sua mais pura essência. Com o fantástico Jon Hamm na pele de um charmoso homem disposto a conhecer melhor o seu colega de “instalação”, o longa usa a tecnologia para se debruçar sobre a psique de dois tipos totalmente distintos e a sua complicada relação com este mundo ‘hi-tech’. Embora num primeiro momento o ‘plot’ não soe tão instigante assim, em poucos minutos nós somos tragados por uma trama com requintes de crueldade, principalmente pela maneira com questiona a nossa problemática interação com este meio cerceado pelas plataformas digitais. É aqui que Charlie Brooker entrega a visão de futuro mais possível da franquia, buscando em problemas comuns do nosso dia a dia os motivos para a criação dos seus gadgets. Sem querer revelar muito, a maneira com que ele avança em conceitos como o de assistente inteligente e de bloqueio de ameaças é genial, mostrando a capacidade do autor em sugerir alternativas bem mais complexas para soluções bem reconhecíveis. Além disso, é legal ver como esse episódio basicamente estabelece o dispositivo ‘hi-tech’ mais complexo de Black Mirror, um gadget que embala alguns dos melhores episódios da produção. E isso dentro de um contexto tenso e insinuante, um roteiro recheado segredos e reviravoltas que cresce consistentemente até o seu impactante desfecho. Se eu precisasse definir o melhor de Black Mirror em um episódio, esse seria White Christmas. 

- Menções Honrosas 

- Be Right Back (2013)


O conceito do replicante rende um drama instigante que, mesmo não alcançado o seu máximo potencial, promove uma discussão interessante sobre os limites morais da tecnologia. 

- White Bear (2013)


Perversidade, terror e sensacionalismo ditam o rumo de um dos episódios mais "fora da caixinha" de Black Mirror. 

- Metalhead 


Pesado e pessimista, Metalhead é um tipo de episódio que faz falta em Black Mirror. Daquele que não existe espaço para um vislumbre de otimismo. O desfecho é de cortar o coração. E o visual de encher os olhos. 

Sobre os novos episódios, abaixo resgato os meus tweets com as minhas impressões sobre a quinta temporada. Aproveitem e sigam a nossa conta.

- Striking Vipers


- Smithereens

- Rachel, Jack e Ashley Too

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