Herdeiro natural
do clássico Carrie: A Estranha (1976), Thelma é uma obra inquietante, um
'coming of age movie' travestido de filme de Terror sobre o impacto da
repressão na construção da identidade de uma jovem. Conduzido com elegância e
uma desconfortável rigidez pelo promissor diretor Joachim Trier, o longa
norueguês é perspicaz ao usar o viés fantástico na construção de uma alegoria sobre os conflitos sentimentais\sexuais de uma religiosa
universitária. Embora não chegue a oferecer uma visão nova sobre o tema, um
assunto, diga-se de passagem, bem recorrente dentro do gênero, o realizador é
cuidadoso ao se concentrar no suspense psicológico, usando o elemento
paranormal apenas como o ponto de partida para uma crítica envolvendo os
perigos da repressão.
No embalo da complexa performance de Eili Harboe, ora doce e afetuosa, ora insegura e desajustada, Joaquim Trier é sutil ao investigar as descobertas da protagonista, o misto de euforia e temor no momento em que ela percebe estar atraída pela sua descomplicada colega Anja (Kaya Wilkins). O que torna esta inesperada relação o estopim para a crise de consciência da personagem. Sem a intenção de facilitar as coisas, o cineasta imprime o estado de espírito de Thelma em tela, causando um nítido incômodo ao tornar este arco romântico o mais turbulento possível. Estamos diante de uma protagonista oprimida, "presa" a sua religiosa influência parental, dividida entre a paixão e o medo, entre as novas experiências e o sentimento de culpa. A relação entre as duas não é romântica e\ou cativante. Trier faz questão de capturar o aspecto mais enervante da conexão entre elas. O muro que as separa é nítido. Um abismo potencializado pelas enigmáticas reações de Thelma à medida que se vê envolvida por Anja.
Sem a intenção de reinventar a
roda, Joachim Trier se apropria de símbolos conhecidos, mas o faz com relativa
originalidade, expondo a sensação de "clausura sentimental" da
protagonista através de animais como pássaros (um reconhecido sinônimo de
liberdade) e serpentes (uma alegoria óbvia para a tentação). As metáforas,
aqui, são claras e acessíveis, oferecendo uma visão completa sobre a problemática
protagonista. Embora se estenda em algumas cenas envolvendo Thelma e Anja,
Trier mostra pulso narrativo ao capturar a deterioração da personagem título,
vide a angustiante sequência do balé. O grande trunfo da película, entretanto,
está na sagacidade com que o argumento transforma os "poderes" de
Thelma na cereja no bolo da crítica em torno dos perigos da repressão. Sem
querer revelar muito, o realizador flerta com metáforas mais complexas ao
refletir sobre a nossa péssima relação com os medos mais íntimos, mostrando sob
uma perspectiva quase literal que oprimir aquilo que nos machuca emocionalmente
está longe de ser a melhor das opções. O subconsciente, aqui, é uma arma
perigosa, principalmente diante da nossa irracionalidade para com os problemas pessoais.
Além disso, é interessante ver
como Joachim Trier repercute a questão da repressão religiosa, uma alternativa
que aqui, ao invés de ajudar, parece potencializar o problema de Thelma. É bom
frisar, porém, que diferente de Carrie, o foco do longa não está no fanatismo
em si, mas no perigo de se combater um trauma com novos medos. Em tratar a fé
não como algo revigorante e inspirador, mas como uma ferramenta de imposição e
controle. No momento em que o roteiro decide se aprofundar em explicações para
a "possível" paranormalidade de Thelma, entretanto, o longa se perde
em soluções menos inspiradas. Na verdade, embora não atrapalhe o resultado
final, as justificativas encontradas pelo longa soam desnecessárias, já que o
filme funcionava muito bem enquanto permanecia no terreno da alegoria. Ao
tentar criar uma espécie de mitologia, Trier investe em flashbacks
irrelevantes, reduzindo o peso da história ao tentar atrelar o pano de fundo
religioso a um episódio passado. Toda a subtrama envolvendo o irmão de Thelma
poderia ser facilmente descartada e parece existir somente para justificar a
impactante cena de abertura.
Menos mal que, na transição para
o competente clímax, Joachim Trier encontra o equilíbrio perfeito entre a fantasia
e a realidade, pontuando a jornada de amadurecimento da protagonista ao mostrar
uma jovem cansada de conviver com as sequelas das suas "fugas". Em
suma, com uma fotografia 'clean' e sequências genuinamente impactantes, Thelma
nos oferece um profundo estudo de personagem, investigando as agruras de uma
jovem em crise de identidade numa obra densa e reflexiva.
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