terça-feira, 11 de junho de 2019

Crítica | Thelma

Empoderamento e liberdade

Herdeiro natural do clássico Carrie: A Estranha (1976), Thelma é uma obra inquietante, um 'coming of age movie' travestido de filme de Terror sobre o impacto da repressão na construção da identidade de uma jovem. Conduzido com elegância e uma desconfortável rigidez pelo promissor diretor Joachim Trier, o longa norueguês é perspicaz ao usar o viés fantástico na construção de uma alegoria sobre os conflitos sentimentais\sexuais de uma religiosa universitária. Embora não chegue a oferecer uma visão nova sobre o tema, um assunto, diga-se de passagem, bem recorrente dentro do gênero, o realizador é cuidadoso ao se concentrar no suspense psicológico, usando o elemento paranormal apenas como o ponto de partida para uma crítica envolvendo os perigos da repressão. 

No embalo da complexa performance de Eili Harboe, ora doce e afetuosa, ora insegura e desajustada, Joaquim Trier é sutil ao investigar as descobertas da protagonista, o misto de euforia e temor no momento em que ela percebe estar atraída pela sua descomplicada colega Anja (Kaya Wilkins). O que torna esta inesperada relação o estopim para a crise de consciência da personagem. Sem a intenção de facilitar as coisas, o cineasta imprime o estado de espírito de Thelma em tela, causando um nítido incômodo ao tornar este arco romântico o mais turbulento possível. Estamos diante de uma protagonista oprimida, "presa" a sua religiosa influência parental, dividida entre a paixão e o medo, entre as novas experiências e o sentimento de culpa. A relação entre as duas não é romântica e\ou cativante. Trier faz questão de capturar o aspecto mais enervante da conexão entre elas. O muro que as separa é nítido. Um abismo potencializado pelas enigmáticas reações de Thelma à medida que se vê envolvida por Anja.


Sem a intenção de reinventar a roda, Joachim Trier se apropria de símbolos conhecidos, mas o faz com relativa originalidade, expondo a sensação de "clausura sentimental" da protagonista através de animais como pássaros (um reconhecido sinônimo de liberdade) e serpentes (uma alegoria óbvia para a tentação). As metáforas, aqui, são claras e acessíveis, oferecendo uma visão completa sobre a problemática protagonista. Embora se estenda em algumas cenas envolvendo Thelma e Anja, Trier mostra pulso narrativo ao capturar a deterioração da personagem título, vide a angustiante sequência do balé. O grande trunfo da película, entretanto, está na sagacidade com que o argumento transforma os "poderes" de Thelma na cereja no bolo da crítica em torno dos perigos da repressão. Sem querer revelar muito, o realizador flerta com metáforas mais complexas ao refletir sobre a nossa péssima relação com os medos mais íntimos, mostrando sob uma perspectiva quase literal que oprimir aquilo que nos machuca emocionalmente está longe de ser a melhor das opções. O subconsciente, aqui, é uma arma perigosa, principalmente diante da nossa irracionalidade para com os problemas pessoais.


Além disso, é interessante ver como Joachim Trier repercute a questão da repressão religiosa, uma alternativa que aqui, ao invés de ajudar, parece potencializar o problema de Thelma. É bom frisar, porém, que diferente de Carrie, o foco do longa não está no fanatismo em si, mas no perigo de se combater um trauma com novos medos. Em tratar a fé não como algo revigorante e inspirador, mas como uma ferramenta de imposição e controle. No momento em que o roteiro decide se aprofundar em explicações para a "possível" paranormalidade de Thelma, entretanto, o longa se perde em soluções menos inspiradas. Na verdade, embora não atrapalhe o resultado final, as justificativas encontradas pelo longa soam desnecessárias, já que o filme funcionava muito bem enquanto permanecia no terreno da alegoria. Ao tentar criar uma espécie de mitologia, Trier investe em flashbacks irrelevantes, reduzindo o peso da história ao tentar atrelar o pano de fundo religioso a um episódio passado. Toda a subtrama envolvendo o irmão de Thelma poderia ser facilmente descartada e parece existir somente para justificar a impactante cena de abertura.


Menos mal que, na transição para o competente clímax, Joachim Trier encontra o equilíbrio perfeito entre a fantasia e a realidade, pontuando a jornada de amadurecimento da protagonista ao mostrar uma jovem cansada de conviver com as sequelas das suas "fugas". Em suma, com uma fotografia 'clean' e sequências genuinamente impactantes, Thelma nos oferece um profundo estudo de personagem, investigando as agruras de uma jovem em crise de identidade numa obra densa e reflexiva.



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