sexta-feira, 10 de maio de 2019

Crítica | Entre Vinho e Vinagre - Wine Country

Um ‘dream team’ do humor numa colônia de férias

Na história do cinema, a comédia, tal qual a grande maioria dos gêneros, foi “dominada” ao longo das décadas por homens. De Charlie Chaplin a Buster Keaton. De Jerry Lewis a Peter Sellers. De Gene Wilder a Mel Brooks. De John Belushi a Steve Martin. De Richard Pryor a Eddie Murphy. De Robin Willians a Jim Carrey. De Adam Sandler a Will Ferrel. De Steve Carrell a Seth Rogen... Esses foram os rostos que durante muito tempo arrastaram multidões aos cinemas ao redor do mundo. Nos últimos anos, porém, o cenário mudou. Sem medo de errar, a comédia (em especial a norte-americana) é dominada hoje pelas mulheres. Não que, num passado nem tão recente assim, elas não tenham brilhado. Lucille Ball se tornou um fenômeno da cultura pop (e da indústria televisiva) com a influente sitcom I Love Lucy (1951-1957). Nos anos seguintes vieram nomes como os de Lily Tomlin (Nashville), Carol Burnett (The Carol Burnett Show), Gilda Radner (Lua de Mel Assombrada), Tracey Ullman, Catherine O’Hara (Esqueceram de Mim), Whoopy Goldberg (Mudança de Hábito), Molly Shannon (Superstar) e Jennifer Aniston (Todo Poderoso). Com raras exceções, entretanto, faltava a elas assumir o protagonismo das suas obras. Conquistar no Cinema o status que a TV começou a conferir lá pelos anos 1950. 



Uma desigualdade que, antes tarde do que nunca, foi reparada nesta última década. Após anos triunfando em séries de sucesso como Saturday Night Live, Parks and Recreations, 30 Rock, Mike e Molly e tantas outras, nomes como os de Melissa McCarthy, Tina Fey, Amy Poehler, Kristen Wiig, Amy Schumer, Kirsten Bell, Kate McKinnley e Rebel Wilson conquistaram um merecido ‘star power’ em Hollywood. Graças ao estrondoso sucesso de Missão Madrinha de Casamento (2011), que, só nos EUA, faturou estrondosos US$169 milhões nas bilheterias, a indústria do cinema “abriu” os olhos para estas talentosas atrizes, enfileirando ‘hits’ do porte de Uma Noite Fora de Série (2010), A Escolha Perfeita (2012). As Bem Armadas (2013), A Espiã que Sabia de Menos (2015), Descompensada (2015), Caça-Fantasmas (2016), Perfeita é a Mãe (2016) e o recente Podres de Ricos (2018). Uma lista que, espero, siga em constante atualização nos próximos anos. Embora talvez não tenha todos os predicados para figurar nesta seleta turma, Entre o Vinho e o Vinagre funciona ao apostar praticamente todas as suas fichas num verdadeiro ‘dream team’ do humor estadunidense. Sob a descompromissada batuta de Poehler, o longa reúne alguns dos melhores nomes “revelados” pelo SNL numa comédia sobre a meia idade espontânea, engraçada (óbvio!), mas um tanto quanto previsível. Um filme agradável de se ver, sincero em sua proposta, mas que, para ser bem honesto, funciona realmente quando convida o entrosado timaço de atrizes capitaneado pela excelente Maya Rudolph a se divertir num “fim de semana de folga” em uma bucólica vinícola.


Na verdade, falta a Wine Country (no original) o grau de incorreção que consagrou o trabalho de nomes como os de Tina Fey e da própria Amy Poehler. Amigas dentro e fora dos sets de filmagens, as duas entregaram alguns dos melhores produtos da comédia norte-americana dos últimos dez anos. Aqui, entretanto, a impressão que fica é que elas só queriam mesmo é se divertir. Sem compromisso, sem pensar demais, sem subverter as expectativas do público. Com exceção de um ou dois momentos, o choque geracional em uma “exposição artística”, por exemplo, exibe o melhor que a diretoria\roteirista tem a oferecer, o longa confia demais na espontaneidade do elenco, na química entre as atrizes e no natural potencial de improviso delas. O que, de fato, não chega a ser um problema, até porque Maya Rudolph, Amy Poehler, Rachel Dratch, Ana Gasteyer e principalmente Paula Pell provocam risadas naturais ao encarar a desaventurada reunião de um grupo de velhas amigas para a celebração do aniversário de cinquenta anos de uma delas. Sempre que estão juntas e com liberdade para criar em cena, o as afiadas comediantes traduzem com desenvoltura o estado de espírito das suas respectivas personagens, refletindo sobre os tabus em torno da chegada da meia idade com ironia, despretensão e universalidade. Estamos diante de mulheres comuns, com anseios comuns, que encontram no humor a válvula de escape para problemas totalmente reconhecíveis.


Talvez até por isso, entretanto, seja frustrante ver a incapacidade de Entre Vinho e o Vinagre em ir além das situações cômicas. Como se não bastasse a falta de pulso narrativo em algumas passagens da dispersiva trama, o argumento assinado por Liz Cackowski e Emily Spivey se prende demais aos arquétipos criados. Temos a super-mãe disposta a chutar o balde para se divertir, a workaholic distante que não sabe tirar proveito do seu tempo livre, a divorciada frustrada determinada a seguir o seu roteiro de viagem, a lésbica alto-astral à procura de um novo amor. Falta profundidade e peso ao drama das personagens. Por mais que a brincadeira envolvendo os exageros desta fase da vida seja bem-vinda, Amy Poehler peca ao se manter sempre na superfície. Ao, mesmo nos momentos mais piegas do longa, resolver tudo na base do humor. A única exceção, na verdade, fica pela personagem de Maya Rudolph, que, embora tardiamente, ganha a cena que precisava para expor os delicados temores da sua Naomi. Além disso, por melhor que seja o nível das atrizes em ação, o texto por diversas vezes fica bem abaixo das expectativas, se revelando mais conservador do que o esperado. Como um todo, aliás, o roteiro segue um caminho extremamente quadrado, se sustentando na maioria do tempo na impagável dinâmica entre as ex-garçonetes e em sequências genuinamente cômicas. Como não citar, em especial, a sagaz cena da cartomante (muito bem dirigida por sinal) e a maneira com que ela prepara o terreno para o que estar por vir. Por falar na condução da película, Poehler mostra recursos estéticos na construção do viés ‘feel good’ da sua obra, conseguindo, através de planos vistosos e iluminados, extrair o máximo das belas paisagens do Vale do Napa.


Um filme de férias para adultos, Entre o Vinho e o Vinagre contorna as suas evidentes limitações narrativas ao confiar plenamente (e sabiamente) no talento do seu elenco. De longe o único acerto inquestionável desta produção original Netflix. Rindo menos de si mesma (e da sua geração) do que o normal, Amy Poehler entrega uma comédia eficaz, com lampejos de irreverência, inúmeras ótimas gags, mas com pouco de realmente novo a oferecer quando transita para o drama de mulheres tão reconhecíveis. Uma obra certinha demais para os padrões Poehler\Fey de qualidade.



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