Na história do cinema, a comédia,
tal qual a grande maioria dos gêneros, foi “dominada” ao longo das décadas por
homens. De Charlie Chaplin a Buster Keaton. De Jerry Lewis a Peter Sellers. De Gene
Wilder a Mel Brooks. De John Belushi a Steve Martin. De Richard Pryor a Eddie
Murphy. De Robin Willians a Jim Carrey. De Adam Sandler a Will Ferrel. De Steve
Carrell a Seth Rogen... Esses foram os rostos que durante muito tempo arrastaram
multidões aos cinemas ao redor do mundo. Nos últimos anos, porém, o cenário
mudou. Sem medo de errar, a comédia (em especial a norte-americana) é dominada
hoje pelas mulheres. Não que, num passado nem tão recente assim, elas não
tenham brilhado. Lucille Ball se tornou um fenômeno da cultura pop (e da
indústria televisiva) com a influente sitcom I Love Lucy (1951-1957). Nos anos
seguintes vieram nomes como os de Lily Tomlin (Nashville), Carol Burnett (The
Carol Burnett Show), Gilda Radner (Lua de Mel Assombrada), Tracey Ullman,
Catherine O’Hara (Esqueceram de Mim), Whoopy Goldberg (Mudança de Hábito),
Molly Shannon (Superstar) e Jennifer Aniston (Todo Poderoso). Com raras
exceções, entretanto, faltava a elas assumir o protagonismo das suas obras. Conquistar
no Cinema o status que a TV começou a conferir lá pelos anos 1950.
Uma desigualdade que, antes tarde
do que nunca, foi reparada nesta última década. Após anos triunfando em séries
de sucesso como Saturday Night Live, Parks and Recreations, 30 Rock, Mike e
Molly e tantas outras, nomes como os de Melissa McCarthy, Tina Fey, Amy
Poehler, Kristen Wiig, Amy Schumer, Kirsten Bell, Kate McKinnley e Rebel Wilson
conquistaram um merecido ‘star power’ em Hollywood. Graças ao estrondoso
sucesso de Missão Madrinha de Casamento (2011), que, só nos EUA, faturou
estrondosos US$169 milhões nas bilheterias, a indústria do cinema “abriu” os
olhos para estas talentosas atrizes, enfileirando ‘hits’ do porte de Uma Noite
Fora de Série (2010), A Escolha Perfeita (2012). As Bem Armadas (2013), A Espiã
que Sabia de Menos (2015), Descompensada (2015), Caça-Fantasmas (2016),
Perfeita é a Mãe (2016) e o recente Podres de Ricos (2018). Uma lista que,
espero, siga em constante atualização nos próximos anos. Embora talvez não
tenha todos os predicados para figurar nesta seleta turma, Entre o Vinho e o
Vinagre funciona ao apostar praticamente todas as suas fichas num verdadeiro ‘dream
team’ do humor estadunidense. Sob a descompromissada batuta de Poehler, o longa
reúne alguns dos melhores nomes “revelados” pelo SNL numa comédia sobre a meia
idade espontânea, engraçada (óbvio!), mas um tanto quanto previsível. Um filme
agradável de se ver, sincero em sua proposta, mas que, para ser bem honesto,
funciona realmente quando convida o entrosado timaço de atrizes capitaneado
pela excelente Maya Rudolph a se divertir num “fim de semana de folga” em uma bucólica
vinícola.
Na verdade, falta a Wine Country
(no original) o grau de incorreção que consagrou o trabalho de nomes como os de
Tina Fey e da própria Amy Poehler. Amigas dentro e fora dos sets de filmagens,
as duas entregaram alguns dos melhores produtos da comédia norte-americana dos
últimos dez anos. Aqui, entretanto, a impressão que fica é que elas só queriam mesmo
é se divertir. Sem compromisso, sem pensar demais, sem subverter as
expectativas do público. Com exceção de um ou dois momentos, o choque
geracional em uma “exposição artística”, por exemplo, exibe o melhor que a
diretoria\roteirista tem a oferecer, o longa confia demais na espontaneidade do
elenco, na química entre as atrizes e no natural potencial de improviso delas.
O que, de fato, não chega a ser um problema, até porque Maya Rudolph, Amy
Poehler, Rachel Dratch, Ana Gasteyer e principalmente Paula Pell provocam
risadas naturais ao encarar a desaventurada reunião de um grupo de velhas
amigas para a celebração do aniversário de cinquenta anos de uma delas. Sempre
que estão juntas e com liberdade para criar em cena, o as afiadas comediantes traduzem
com desenvoltura o estado de espírito das suas respectivas personagens, refletindo
sobre os tabus em torno da chegada da meia idade com ironia, despretensão e
universalidade. Estamos diante de mulheres comuns, com anseios comuns, que
encontram no humor a válvula de escape para problemas totalmente reconhecíveis.
Talvez até por isso, entretanto,
seja frustrante ver a incapacidade de Entre Vinho e o Vinagre em ir além das
situações cômicas. Como se não bastasse a falta de pulso narrativo em algumas
passagens da dispersiva trama, o argumento assinado por Liz Cackowski e Emily
Spivey se prende demais aos arquétipos criados. Temos a super-mãe disposta a
chutar o balde para se divertir, a workaholic distante que não sabe tirar
proveito do seu tempo livre, a divorciada frustrada determinada a seguir o seu
roteiro de viagem, a lésbica alto-astral à procura de um novo amor. Falta profundidade
e peso ao drama das personagens. Por mais que a brincadeira envolvendo os
exageros desta fase da vida seja bem-vinda, Amy Poehler peca ao se manter
sempre na superfície. Ao, mesmo nos momentos mais piegas do longa, resolver
tudo na base do humor. A única exceção, na verdade, fica pela personagem de
Maya Rudolph, que, embora tardiamente, ganha a cena que precisava para expor os
delicados temores da sua Naomi. Além disso, por melhor que seja o nível das atrizes
em ação, o texto por diversas vezes fica bem abaixo das expectativas, se
revelando mais conservador do que o esperado. Como um todo, aliás, o roteiro
segue um caminho extremamente quadrado, se sustentando na maioria do tempo na
impagável dinâmica entre as ex-garçonetes e em sequências genuinamente cômicas.
Como não citar, em especial, a sagaz cena da cartomante (muito bem dirigida por
sinal) e a maneira com que ela prepara o terreno para o que estar por vir. Por
falar na condução da película, Poehler mostra recursos estéticos na construção
do viés ‘feel good’ da sua obra, conseguindo, através de planos vistosos e
iluminados, extrair o máximo das belas paisagens do Vale do Napa.
Um filme de férias para adultos,
Entre o Vinho e o Vinagre contorna as suas evidentes limitações narrativas ao
confiar plenamente (e sabiamente) no talento do seu elenco. De longe o único acerto
inquestionável desta produção original Netflix. Rindo menos de si mesma (e da
sua geração) do que o normal, Amy Poehler entrega uma comédia eficaz, com
lampejos de irreverência, inúmeras ótimas gags, mas com pouco de realmente novo
a oferecer quando transita para o drama de mulheres tão reconhecíveis. Uma obra
certinha demais para os padrões Poehler\Fey de qualidade.
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