Distribuído no Brasil pela
Netflix, Megarromântico parte de uma ideia indiscutivelmente original. E se uma
jovem desiludida com o amor ficasse “presa” numa comédia romântica? Com base nesta
inventiva premissa, o longa dirigido por Todd Strauss-Schulson (Terror nos
Bastidores) é astuto ao debochar dos clichês deste adocicado gênero, brincando
com fórmulas e referências de maneira esperta. Para uma pretensa sátira,
entretanto, Megarromântico soa condescendente demais. Embora a carismática
Rebel Wilson consiga compensar a falta de malícia do roteiro, o longa entra em
contradição no momento em que decide rir da idealização, mas não refutá-la, perdendo
uma bela oportunidade de oferecer algo genuinamente novo ao se manter próximo
demais da estrutura clássica do segmento. Ainda assim, no final das contas,
estamos diante uma obra refrescante, com boas ideias, algumas nem tão bem
desenvolvidas, mas que cativa devido a sua honestidade e o seu afiado senso de
humor.
Uma produção, entretanto, cujo o
potencial parecia maior do que foi impresso em tela. O que fica bem claro,
especialmente, na hilária sequência de abertura. Mais do que estabelecer a
origem do amargor da então jovem protagonista, Todd Strauss-Schulson é incisivo
ao questionar a realidade dela e os perigos escondidos no idealizado mundo das
comédias românticas. Embora equivocada no seu discurso, a cínica figura materna
vivida por Jennifer Saunders (a ardilosa fada madrinha de Shrek 2) não titubeia
em esclarecer para a sua romântica filha a dura rotina para aquelas que não se
encaixam no padrão de beleza, que não são uma Julia Roberts de Uma Linda Mulher
(1990). Um cenário reconhecível estabelecido com requintes de crueldade ao longo
do envolvente primeiro ato. Nele seguimos os passos da já adulta Natalie (Rebel
Wilson), uma arquiteta desvalorizada por quase todos que a cercavam. Seja pelo
seu nada carinhoso cachorro, seja pela maior parte dos seus colegas de
trabalho, seja pelo charmoso novo contratante (Liam Hemsworth). Os únicos que
lhes davam alguma atenção era a sua romântica secretária, a negligente Whitney (Betty
Gilpin, hilária), e o seu afetuoso parceiro de escritório, o simpático Josh
(Adam Devine). Relutante em aceitar os adocicados conselhos da sua única amiga,
Nat vê a sua rotina mudar quando, após ser vítima de um assalto, desperta num
mundo colorido em que todos a admiravam de forma diferente. Sem ter como fugir
deste cenário típico das comédias românticas, a sarcástica jovem decide “jogar
o jogo” do gênero, buscando no amor a porta de saída para o seu mundo caótico e
implacável.
É fato que Megarromântico começa
muito bem. Todo o choque de realidade de Natalie neste “novo” cenário rende
situações naturalmente engraçadas. Como se não bastasse o criativo trabalho da
equipe de direção de arte na criação deste mundo de cores, luxo e ambientes
românticos, Rebel Wilson desfila o seu peculiar senso de humor ao traduzir o
misto de surpresa e desconforto da protagonista diante de tanto afeto e
atenção. É legal ver como o argumento assinado por Erin Cardillo, Dana Fox e
Katie Silberman, aqui, consegue extrair das referências cinematográficas a
inspiração necessária para debochar dos mais enraizados clichês do segmento.
Brincando com títulos do quilate de Uma Linda Mulher, Enquanto Você Dormia
(1995), O Casamento do Meu Melhor Amigo (1997), Jerry Maguire (1996) e (claro!)
Feitiço do Tempo (1993), Todd Strauss-Schulson esbanja perspicácia ao debochar
do ‘status quo’ das comédias românticas, ao zoar com diálogos conhecidos, com
as fórmulas batidas e com a baixa classificação etária. No momento em que
precisaria avançar na sua sátira, porém, fica claro que Magarromântico não sabe
muito bem para onde ir. Ao longo do insosso segundo ato a jornada de Natalie
perde força e humor, muito em função da falta de malícia do argumento em
verdadeiramente romper com a estrutura do gênero. Se por um lado Schulson segue
tentando questionar os perigos da idealização através da fútil figura do galã
vivido por Liam Hemsworth, por outro ele encontra no amor o gatilho para a
construção da jornada de autoafirmação de Natalie. Para um filme que parece
tentar subverter as fórmulas das comédias românticas, o triângulo amoroso entre
Natalie, Blake e Josh soa um tanto quanto contraditório. Além disso, na
tentativa de introduzir uma nova personagem, a namorada modelo vivida por uma esforçada
Priyanka Chopra, o argumento reduz o tempo de tela da divertida Whitney, que, nitidamente,
trazia consigo uma ótima (e subaproveitada) química Nat. A impressão que fica é
que faltou coragem por parte do argumento ao ir além da sua boa ideia, ao
verdadeiramente questionar o estado das coisas dos por vezes inverossímeis
romances cinematográficos.
O que impede Megarromântico de se
tornar uma decepção, entretanto, é que por trás das oportunidades perdidas
existe muita espontaneidade. O elenco é entrosado e tem um competente ‘timing
cômico’. Rebel Wilson tem talento e confere sinceridade ao arco da sua Natalie.
Os números musicais são divertidos e reaquecem o ritmo da obra. E, na transição
para o último ato, Todd Strauss-Schurson foge (levemente) dos clichês ao trazer
a questão do amor próprio para o centro da trama. Mesmo de forma abrupta, o
que só confirma a incapacidade do segundo ato em trazer algo de realmente novo
ao gênero, o ‘insight’ intimista de Natalie ajuda a reoxigenar o clímax como um
todo, pontuando o longa numa curva novamente ascendente. Trazendo na sua raiz
uma sincera e singela mensagem de autoafirmação, Megarromântica funciona melhor
nos momentos em que verdadeiramente ri das comédias românticas e do efeito
ilusório que elas causam na sua audiência. A falta de ousadia do roteiro,
porém, impede que o longa explore todo o seu potencial e saboreie com mais pimenta
as incoerências que o gênero adora cultivar. Faltou ser mais Feitiço do Tempo e
menos O Casamento do Meu Melhor Amigo.
E se você curte o tema, leia também o nosso artigo com dez grandes romances noventistas.
2 comentários:
Tava pensando em assistir, sua nota me fez decidir
Espero que tenha ajudado e valeu pela visita.
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