quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Crítica | Megarrromântico

Original, divertido e contraditório

Distribuído no Brasil pela Netflix, Megarromântico parte de uma ideia indiscutivelmente original. E se uma jovem desiludida com o amor ficasse “presa” numa comédia romântica? Com base nesta inventiva premissa, o longa dirigido por Todd Strauss-Schulson (Terror nos Bastidores) é astuto ao debochar dos clichês deste adocicado gênero, brincando com fórmulas e referências de maneira esperta. Para uma pretensa sátira, entretanto, Megarromântico soa condescendente demais. Embora a carismática Rebel Wilson consiga compensar a falta de malícia do roteiro, o longa entra em contradição no momento em que decide rir da idealização, mas não refutá-la, perdendo uma bela oportunidade de oferecer algo genuinamente novo ao se manter próximo demais da estrutura clássica do segmento. Ainda assim, no final das contas, estamos diante uma obra refrescante, com boas ideias, algumas nem tão bem desenvolvidas, mas que cativa devido a sua honestidade e o seu afiado senso de humor. 



Uma produção, entretanto, cujo o potencial parecia maior do que foi impresso em tela. O que fica bem claro, especialmente, na hilária sequência de abertura. Mais do que estabelecer a origem do amargor da então jovem protagonista, Todd Strauss-Schulson é incisivo ao questionar a realidade dela e os perigos escondidos no idealizado mundo das comédias românticas. Embora equivocada no seu discurso, a cínica figura materna vivida por Jennifer Saunders (a ardilosa fada madrinha de Shrek 2) não titubeia em esclarecer para a sua romântica filha a dura rotina para aquelas que não se encaixam no padrão de beleza, que não são uma Julia Roberts de Uma Linda Mulher (1990). Um cenário reconhecível estabelecido com requintes de crueldade ao longo do envolvente primeiro ato. Nele seguimos os passos da já adulta Natalie (Rebel Wilson), uma arquiteta desvalorizada por quase todos que a cercavam. Seja pelo seu nada carinhoso cachorro, seja pela maior parte dos seus colegas de trabalho, seja pelo charmoso novo contratante (Liam Hemsworth). Os únicos que lhes davam alguma atenção era a sua romântica secretária, a negligente Whitney (Betty Gilpin, hilária), e o seu afetuoso parceiro de escritório, o simpático Josh (Adam Devine). Relutante em aceitar os adocicados conselhos da sua única amiga, Nat vê a sua rotina mudar quando, após ser vítima de um assalto, desperta num mundo colorido em que todos a admiravam de forma diferente. Sem ter como fugir deste cenário típico das comédias românticas, a sarcástica jovem decide “jogar o jogo” do gênero, buscando no amor a porta de saída para o seu mundo caótico e implacável.


É fato que Megarromântico começa muito bem. Todo o choque de realidade de Natalie neste “novo” cenário rende situações naturalmente engraçadas. Como se não bastasse o criativo trabalho da equipe de direção de arte na criação deste mundo de cores, luxo e ambientes românticos, Rebel Wilson desfila o seu peculiar senso de humor ao traduzir o misto de surpresa e desconforto da protagonista diante de tanto afeto e atenção. É legal ver como o argumento assinado por Erin Cardillo, Dana Fox e Katie Silberman, aqui, consegue extrair das referências cinematográficas a inspiração necessária para debochar dos mais enraizados clichês do segmento. Brincando com títulos do quilate de Uma Linda Mulher, Enquanto Você Dormia (1995), O Casamento do Meu Melhor Amigo (1997), Jerry Maguire (1996) e (claro!) Feitiço do Tempo (1993), Todd Strauss-Schulson esbanja perspicácia ao debochar do ‘status quo’ das comédias românticas, ao zoar com diálogos conhecidos, com as fórmulas batidas e com a baixa classificação etária. No momento em que precisaria avançar na sua sátira, porém, fica claro que Magarromântico não sabe muito bem para onde ir. Ao longo do insosso segundo ato a jornada de Natalie perde força e humor, muito em função da falta de malícia do argumento em verdadeiramente romper com a estrutura do gênero. Se por um lado Schulson segue tentando questionar os perigos da idealização através da fútil figura do galã vivido por Liam Hemsworth, por outro ele encontra no amor o gatilho para a construção da jornada de autoafirmação de Natalie. Para um filme que parece tentar subverter as fórmulas das comédias românticas, o triângulo amoroso entre Natalie, Blake e Josh soa um tanto quanto contraditório. Além disso, na tentativa de introduzir uma nova personagem, a namorada modelo vivida por uma esforçada Priyanka Chopra, o argumento reduz o tempo de tela da divertida Whitney, que, nitidamente, trazia consigo uma ótima (e subaproveitada) química Nat. A impressão que fica é que faltou coragem por parte do argumento ao ir além da sua boa ideia, ao verdadeiramente questionar o estado das coisas dos por vezes inverossímeis romances cinematográficos.


O que impede Megarromântico de se tornar uma decepção, entretanto, é que por trás das oportunidades perdidas existe muita espontaneidade. O elenco é entrosado e tem um competente ‘timing cômico’. Rebel Wilson tem talento e confere sinceridade ao arco da sua Natalie. Os números musicais são divertidos e reaquecem o ritmo da obra. E, na transição para o último ato, Todd Strauss-Schurson foge (levemente) dos clichês ao trazer a questão do amor próprio para o centro da trama. Mesmo de forma abrupta, o que só confirma a incapacidade do segundo ato em trazer algo de realmente novo ao gênero, o ‘insight’ intimista de Natalie ajuda a reoxigenar o clímax como um todo, pontuando o longa numa curva novamente ascendente. Trazendo na sua raiz uma sincera e singela mensagem de autoafirmação, Megarromântica funciona melhor nos momentos em que verdadeiramente ri das comédias românticas e do efeito ilusório que elas causam na sua audiência. A falta de ousadia do roteiro, porém, impede que o longa explore todo o seu potencial e saboreie com mais pimenta as incoerências que o gênero adora cultivar. Faltou ser mais Feitiço do Tempo e menos O Casamento do Meu Melhor Amigo.


E se você curte o tema, leia também o nosso artigo com dez grandes romances noventistas

2 comentários:

Unknown disse...

Tava pensando em assistir, sua nota me fez decidir

thicarvalho disse...

Espero que tenha ajudado e valeu pela visita.