quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Crítica | Paddleton


Amigos até o fim

Eis um filme corajoso. Muito mais do que um ‘bromance’ agridoce, Paddleton é o tipo de obra que mostra a força do cinema ‘indie’ norte-americano. Sem amarras, o cativante longa produzido pelos expoentes do segmento Mark e Jay Duplass provoca uma desconcertante mistura de sentimentos ao mostrar a verdade por trás de uma amizade. Sob a promissora batuta de Alex Lehmann, do extraordinário Blue Jay (2016), a dramédia esbanja sensibilidade ao transitar por temas genuinamente espinhosos, indo dos risos às lágrimas com desenvoltura ao narrar a jornada de dois solitários homens de meia idade unidos por uma dolorosa descoberta. Uma obra que, embora se sustente em raízes melancólicas, encontra a sua graça (e originalidade) ao respeitar a essência dos seus irônicos personagens do primeiro ao último minuto de projeção.


No papel, Paddleton não parece ter nada de novo a contar. Numa análise superficial, o argumento assinado por Mark Duplass e pelo próprio diretor Alex Lehmann remete a uma típica história de redenção. Nele, seguimos os passos de Michael (Mark), um quarentão solitário fã de filmes de kung-fu que encontra no seu vizinho e melhor amigo Andy (Ray Romano) o suporte que precisava para encarar uma agressiva doença. Em três linhas é possível definir o ‘plot’ de Paddleton. Desta simplicidade narrativa, porém, nascem os maiores predicados do longa. Sem grandes firulas e dispersões, o primeiro trunfo deste ‘bromance’ está na maneira com que o diretor foca quase que exclusivamente nos dois personagens. Sem um pingo de condescendência, Lehmann é cuidadoso ao revelar a beleza do que eles tinham, ao mostrar os seus peculiares gostos, o companheirismo,  a despretensão, a franqueza e em especial a força do elo que os unia. E isso sem apelar para o sentimentalismo que geralmente cercam os filmes do gênero. Por mais que, inicialmente, os dois causem um misto de estranhamento e pena, afinal de contas estamos diante de dois homens adultos imaturos que adoravam pizzas e filmes de gosto duvidoso, Lehmann é astuto ao pouco a pouco reverter por completo esta impressão. Eles são o que são, sem remorsos, sem culpas, sem frustrações. Dois tipos comuns que, por trás do aparente desajuste, escondem uma conexão pura e sincera.


É interessante ver como Paddleton, aliás, encontra o humor na essência da dupla de protagonistas. A rigor, estamos diante de um drama denso, ora triste e melancólico, ora tenro e agridoce. O humor, porém, vem exclusivamente das figuras de Andy e Michael e das maneiras com que eles lidam com os incômodos fatos propostos pelo longa. Na pele de um homem vítima de câncer, Mark Duplass arranca honestas risadas com o seu irônico senso de praticidade. Sem nunca atenuar a dor que o seu personagem sentia, ele surge como o braço forte deste ‘bromance’, a escada perfeita para o ponto alto do longa. Sim, por mais que toda a trama gire em torno da figura de Mike, a alma de Paddleton reside na figura de Andy e na soberba performance do subestimado Ray Romano. Ranzinza, esquemático e com impagáveis tiradas sobre os fatos que o cercavam, é dele os momentos mais engraçados da película, muito em função da sua inabilidade em lidar com os problemas do seu querido amigo. Juntos, Duplass e Romano esbanjam química em cena numa relação de amizade estreita e revigorante, algo que fica bem claro na espontaneidade com que os diálogos (até os mais difíceis) tomam conta da película. Não espere, porém, mais um típico ‘feel good movie’. Paddleton finca os seus dois pés na realidade. À medida que a trama avança, Alex Lehmann é maduro ao entender\desenvolver os conflitos da dupla. Ao, a partir dos seus respectivos modos de enxergar a vida, se debruçar sobre os seus medos, as suas incertezas e o impacto do vazio que ameaça os separar. Ao longo das dinâmicas uma hora e vinte de película, o realizador consegue imprimir em tela o valor de uma amizade, a importância de (nos momentos mais difíceis) ter alguém em quem confiar. Vide, claro, o corajoso clímax, um daqueles momentos cinematográficos em que os sentimentos falam mais alto do que qualquer coisa. É tudo muito honesto, muito verdadeiro e a sua maneira bonito. E isso sem apelar um instante sequer para a pieguice.


No final das contas, Paddleton termina deixando um ligeiro sentimento de inveja. Do tipo positivo. Ou melhor, admiração. Se num primeiro momento a impressão causada pelos protagonistas era de solidão e pena, Alex Lehmann extrai o máximo da a sua vistosa assinatura intimista para reverter as nossas expectativas, realçando a beleza da relação entre Andy e Michael enquanto exalta a face mais pura e altruísta de uma amizade. Algo que nem um gênio da lâmpada seria capaz de conceder nos seus desejos.


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