sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Pacotão Netflix - Tal Pai, Tal Filha, A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata e Para Todos os Garotos que já Amei


Buscando ampliar o seu catálogo, a Netflix tem investido pesado nas suas produções originais. Uma alternativa ao modelo tradicional de ser “vender” o cinema, o serviço de ‘streaming’ surge como um “porto-seguro” para algumas esnobadas produções, daquelas que, seja por falta de alcance, seja por falta de qualidade, foram “engolidas” pela voracidade do circuito comercial. Óbvio que, durante este errático processo, a companhia tem dado um generoso espaço a produções de gosto duvidoso. Nada que, entretanto, justifique a desvalorização deste conteúdo. Pelo contrário. Me arrisco a dizer, inclusive, que sou um entusiasta do espaço dado pelos serviços de ‘streaming’ às produções menores que, longe de serem um subproduto, tem ganhado os holofotes do grande público através desta renovada janela de exibição. Diante da falta de tempo hábil, porém, confesso ser difícil escrever uma crítica padrão sobre a maior parte títulos. O retorno nem sempre é o esperado. O interesse nem sempre é o esperado. Neste “pacotão”, portanto, resolvi compartilhar a minha opinião sobre três dos mais novos (e valorosos) lançamentos da Netflix em textos menores, mas não menos importantes. 


- Tal Pai, Tal Filha (2018)


Um filme cativante, Tal Pai, Tal Filha é uma grata surpresa. Uma rara comédia que não depende basicamente do sucesso das suas (competentes, por sinal) gags. Uma história de redenção familiar honesta guiada por uma trama sólida, um esperto timing cômico e um entrosado "casal" de protagonistas. Por mais que os singulares personagens de apoio roubem a cena em diversos momentos, os talentosos Kristen Bell (a voz da princesa Elsa de Frozen) e Kelsey Grammer (o Fera da trilogia original X-Men) mostram uma invejável química ao dar corpo a uma inusitada “parceria”. Ele como um pai solitário numa errática tentativa de reaproximação. Ela como uma 'workaholic' filha incapaz de conciliar o seu tempo livre com a sua vida amorosa. Após ela levar um "pé na bunda" no altar, eles se reencontram para uma noite de bebedeira, que, numa sucessão de fatos não pensados, os levam ao que seria a viagem de lua de mel dela. Apesar da 'vibe' filme de férias e da estrutura narrativa formulaica, quando necessário o longa dirigido pela novata Lauren Miller Rogen é cuidadoso ao explorar os dramas de pai e filha, recheando o irônico arco central com diálogos francos e sequências naturalmente singelas. Os conflitos mais íntimos da dupla, aliás, ganham forma gradativamente, intercalados com inteligência narrativa entre as situações cômicas, escancarando não só os motivos por trás de tamanho afastamento, como também as nítidas semelhanças entre os dois. Antes de estreitar esta conexão, no entanto, Rogen é perspicaz ao tratar o azul da cor dos olhos de Bell e Grammer como um criativo elo visual, valorizando a expressividade dos dois enquanto os expõem perante o público. O resultado é um 'feel good movie' valoroso capaz de transformar um cruzeiro de luxo e o paradisíaco mar caribenho (ponto para a expressiva fotografia diurna) num criativo palco para uma agridoce lavagem de roupa suja. Um passatempo digno capaz de superar as (baixas, é verdade) expectativas. E ver Seth Rogen (Superbad, Segurando as Pontas, A Entrevista) recusando maconha em um dos seus filmes não tem preço.


- A Sociedade Literária e a Torta da Casca de Batata (2018)


Vendido erroneamente como um típico romance britânico, A Sociedade Literária e a Torta da Casca de Batata é o tipo de filme que valida o esforço de uma empresa de ‘streaming’ como a Netflix em dar visibilidade a um projeto que dificilmente alcançaria o grande público. No rastro de títulos como o magnífico Brooklyn (2015) e o recente Sua Melhor História (2017), o longa dirigido pelo veterano Mike Newell (Quatro Casamentos e um Funeral) emociona ao valorizar o drama por trás de um pueril triângulo amoroso. Impulsionado pela iluminada performance da magnética Lily James (que atriz carismática), o longa esbanja delicadeza ao narrar a jornada de uma jovem escritora que, após uma inesperada correspondência, conhece um pequeno grupo de leitores de uma pacata ilha escocesa. Isolados diante da ocupação nazista, eles usaram uma sociedade literária como uma espécie refúgio, numa tentativa desesperada de resgatar a felicidade tomada em tempos de guerra. Recebida inicialmente com afeto, aos poucos ela descobre os segredos por trás deste traumático episódio, encontrando na história de resiliência dos sobreviventes a inspiração necessária para enfrentar os seus próprios fantasmas. Por mais que o arco romântico proposto pela trama não se revele tão original assim, Newell é sábio o bastante para enxergar a força da sua história, usando a curiosa protagonista como uma interlocutora daqueles que realmente interessam, os humanos personagens de apoio. Transitando entre o passado e o presente sem grandes firulas narrativas, o que, por sinal, ajuda a potencializar a carga dramática, o realizador é sutil ao gradativamente descortinar as (vivíssimas) cicatrizes da recente presença alemã na vida deste brioso grupo.


Sem nunca apelar para o sentimentalismo, Newell flerta com o suspense ao refletir sobre a guerra dentro de um aspecto micro, de uma comunidade “afetada” diretamente pelos soldados nazistas, mostrando através do talentoso elenco de apoio (vide os carismáticos Tom Courtenay, Katherine Parkinson e Penelope Wilton) a dor, a solidão, o desamparo, a raiva reprimida e a ponta de esperança que os manteve unidos mesmo após dolorosas perdas. Embora, no tempo presente, impere a leveza e as bucólicas paisagens escocesas, ponto para expansiva fotografia campestre de Zac Nicholson, quando retorna ao passado Newell é enfático ao traduzir, em poucas (e delicadas) cenas, o estrago causado pela opressão alemã. As lacunas, indiscutivelmente, soam muito reais aos olhos do público. Além disso, o argumento é inteligente ao investir também numa espécie de protagonista ausente (a promissora Jessica Brown Findlay), uma personagem emblemática que, mesmo distante do arco central, se torna o verdadeiro coração da película. A partir dos conflitos dela, Newell consegue não só construir um instigante subplot investigativo, como também reforçar a feminilidade da obra, criando um perspicaz paralelo entre as duas principais personagens ao discorrer sobre a independência feminina em tempos de guerra. Por fim, embora as duas horas de projeção se revelem exageradas, uma queda de ritmo que, curiosamente, soa mais nítida quando a trama se concentra no romance, A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata flutua entre a admiração e a indignação ao dar voz aos inocentes, àqueles que, em meio ao caos e a desesperança, encontraram nos livros a paz repentinamente roubada pelos invasores.


- Para Todos os Garotos que Já Amei (2018)


Inspirado por títulos como Gatinhas e Gatões (1986), Namorada de Aluguel (1987) e o recente A Mentira (2010), Para Todos os Garotos que Já Amei é um filme divertido que poderia alcançar um patamar mais alto se tivesse a ousadia de romper com os clichês dos ‘high-school movies’. Com personagens cativantes, um plot promissor, um inteligente ‘timing’ cômico, um visual descolado e um singelo ‘background’ familiar, o longa dirigido por Susan Johnson funciona como um agradável romance ‘teen’, mas não vai muito além disso. O que, sinceramente, é uma pena, já que os predicados me pareceram muito claros. A começar pela romântica protagonista, a tímida Lara Jean (Lana Condor), uma jovem sonhadora que expressava através de cartas (nunca enviadas) os seus sentimentos pelos ‘crushs’ da sua vida. Quando a sua irmã mais nova, preocupada com a postura introspectiva dela, resolve enviar estas correspondências, Lara entra em desespero ao ter que lidar com o ‘feedback’ dos seus pretendentes, principalmente do popular Peter (Noah Centineo) e do seu amigo Josh (Israel Broussard). Numa perspicaz mudança de perspectiva, Johnson esbanja feminilidade ao propor uma bem-humorada reflexão sobre os anseios sentimentais de Lara, brincando (até certo ponto) com o perigo da idealização ao narrar as desventuras de uma jovem “obrigada” a viver situações até então reprimidas no seu imaginário. Por mais que a abordagem exageradamente pueril e o desfecho contraditoriamente "iluminado" reduzam o peso do arco da protagonista, é legal ver o esforço do roteiro assinado por Sofia Alvarez em criar uma personagem real, com emoções verdadeiras, reações compreensíveis. Com enquadramentos espertos e uma ‘vibe’ descomplicada, a diretora consegue criar um sincero diálogo com o seu público alvo, transitando satisfatoriamente entre a comédia e o romance ao tirar das páginas do livro de Jenny Han uma história de amor honesta e simpática. Um predicado, diga-se de passagem, valorizado pela carismática performance de Lana Condor (olho nela), radiante na pele de uma garota em uma relação ‘fake’. Geralmente no centro do quadro, como se estivesse sempre passando pelo crivo do público, a expansiva atriz traduz o deslocamento social da sua personagem com desenvoltura, nos convencendo que estamos diante de uma figura com personalidade própria disposta a mudar de status dentro do colégio para proteger um importante segredo.


O problema é que, após o envolvente primeiro ato, Para Todos os Garotos que Já Amei decide seguir uma fórmula muito batida dentro do subgênero dos romances ‘teen’. Por mais que alguns destes títulos já possam soar envelhecidos junto às novas gerações, o que valoriza, inclusive, as referências aos clássicos de John Hughes aqui presentes, aos poucos a sensação do “já vi isso antes” começa a se tornar incomoda. Mais do que simplesmente se escorar numa estrutura formulaica, o longa peca no momento em que opta por requentar os velhos arquétipos do gênero. Embora, num primeiro momento, o argumento fuja do lugar comum ao investir em personagens multidimensionais, na transição para o último ato Susan Johnson pesa a mão na tentativa de criar a esperada “ruptura” do casal, investindo numa dispensável antagonista e num dilema real mal aproveitado pelo roteiro. Na verdade, o grande senão da película está justamente na falta de coragem da trama em explorar o elemento dramático que permeia a história. Na tentativa de exaltar o viés romântico da obra, Johnson parece deixar de lado os (verdadeiros) conflitos mais íntimos de Lara, esvaziando a interessante jornada de amadurecimento pessoal da protagonista em prol de um desfecho bonitinho e açucarado. Menos mal que, por diversas vezes, a diretora é cuidadosa ao dar voz a estes sentimentos reprimidos, preenchendo a produção com diálogos sensíveis e sequências indiscutivelmente delicadas. Momentos que, inclusive, ajudam a estreitar os laços entre o casal de protagonistas. Em suma, com um elenco talentoso e momentos genuinamente engraçados, Para Todos Os Garotos que Já Amei se revela uma obra simples e competente, um ‘coming age movie’ em potencial que se contenta em abraçar os clichês dos romances ‘teen’.

Um comentário:

JOTAT10 disse...

Com todo o respeito aos filmes e aos profissionais que desenvolvem os personagens nos filmes, mas nenhum me agrada pelo motivo do gênero dos filmes, mas não desmereço pra que ninguém os assistam, simplesmente não fazem parte daquilo que eu gosto no cinema.