Buscando ampliar o seu catálogo,
a Netflix tem investido pesado nas suas produções originais. Uma alternativa ao
modelo tradicional de ser “vender” o cinema, o serviço de ‘streaming’ surge como
um “porto-seguro” para algumas esnobadas produções, daquelas que, seja por
falta de alcance, seja por falta de qualidade, foram “engolidas” pela
voracidade do circuito comercial. Óbvio que, durante este errático processo, a
companhia tem dado um generoso espaço a produções de gosto duvidoso. Nada que,
entretanto, justifique a desvalorização deste conteúdo. Pelo contrário. Me
arrisco a dizer, inclusive, que sou um entusiasta do espaço dado pelos serviços
de ‘streaming’ às produções menores que, longe de serem um subproduto, tem ganhado
os holofotes do grande público através desta renovada janela de exibição.
Diante da falta de tempo hábil, porém, confesso ser difícil escrever uma
crítica padrão sobre a maior parte títulos. O retorno nem sempre é o esperado.
O interesse nem sempre é o esperado. Neste “pacotão”, portanto, resolvi compartilhar
a minha opinião sobre três dos mais novos (e valorosos) lançamentos da Netflix
em textos menores, mas não menos importantes.
- Tal Pai, Tal Filha (2018)
Um filme cativante, Tal Pai, Tal
Filha é uma grata surpresa. Uma rara comédia que não depende basicamente do
sucesso das suas (competentes, por sinal) gags. Uma história de redenção
familiar honesta guiada por uma trama sólida, um esperto timing cômico e um
entrosado "casal" de protagonistas. Por mais que os singulares
personagens de apoio roubem a cena em diversos momentos, os talentosos Kristen
Bell (a voz da princesa Elsa de Frozen) e Kelsey Grammer (o Fera da trilogia
original X-Men) mostram uma invejável química ao dar corpo a uma inusitada “parceria”.
Ele como um pai solitário numa errática tentativa de reaproximação. Ela como
uma 'workaholic' filha incapaz de conciliar o seu tempo livre com a sua vida
amorosa. Após ela levar um "pé na bunda" no altar, eles se
reencontram para uma noite de bebedeira, que, numa sucessão de fatos não
pensados, os levam ao que seria a viagem de lua de mel dela. Apesar da 'vibe'
filme de férias e da estrutura narrativa formulaica, quando necessário o longa
dirigido pela novata Lauren Miller Rogen é cuidadoso ao explorar os dramas de
pai e filha, recheando o irônico arco central com diálogos francos e sequências
naturalmente singelas. Os conflitos mais íntimos da dupla, aliás, ganham forma
gradativamente, intercalados com inteligência narrativa entre as situações
cômicas, escancarando não só os motivos por trás de tamanho afastamento, como
também as nítidas semelhanças entre os dois. Antes de estreitar esta conexão,
no entanto, Rogen é perspicaz ao tratar o azul da cor dos olhos de Bell e
Grammer como um criativo elo visual, valorizando a expressividade dos dois
enquanto os expõem perante o público. O resultado é um 'feel good movie'
valoroso capaz de transformar um cruzeiro de luxo e o paradisíaco mar caribenho
(ponto para a expressiva fotografia diurna) num criativo palco para uma
agridoce lavagem de roupa suja. Um passatempo digno capaz de superar as
(baixas, é verdade) expectativas. E ver Seth Rogen (Superbad, Segurando as
Pontas, A Entrevista) recusando maconha em um dos seus filmes não tem preço.
- A Sociedade Literária e a Torta da Casca de Batata (2018)
Vendido erroneamente como um típico
romance britânico, A Sociedade Literária e a Torta da Casca de Batata é o tipo
de filme que valida o esforço de uma empresa de ‘streaming’ como a Netflix em
dar visibilidade a um projeto que dificilmente alcançaria o grande público. No
rastro de títulos como o magnífico Brooklyn (2015) e o recente Sua Melhor História (2017), o longa dirigido pelo veterano Mike Newell (Quatro Casamentos
e um Funeral) emociona ao valorizar o drama por trás de um pueril triângulo
amoroso. Impulsionado pela iluminada performance da magnética Lily James (que
atriz carismática), o longa esbanja delicadeza ao narrar a jornada de uma jovem
escritora que, após uma inesperada correspondência, conhece um pequeno grupo de
leitores de uma pacata ilha escocesa. Isolados diante da ocupação nazista, eles
usaram uma sociedade literária como uma espécie refúgio, numa tentativa
desesperada de resgatar a felicidade tomada em tempos de guerra. Recebida inicialmente
com afeto, aos poucos ela descobre os segredos por trás deste traumático
episódio, encontrando na história de resiliência dos sobreviventes a inspiração
necessária para enfrentar os seus próprios fantasmas. Por mais que o arco
romântico proposto pela trama não se revele tão original assim, Newell é sábio
o bastante para enxergar a força da sua história, usando a curiosa protagonista
como uma interlocutora daqueles que realmente interessam, os humanos
personagens de apoio. Transitando entre o passado e o presente sem grandes
firulas narrativas, o que, por sinal, ajuda a potencializar a carga dramática,
o realizador é sutil ao gradativamente descortinar as (vivíssimas) cicatrizes
da recente presença alemã na vida deste brioso grupo.
Sem nunca apelar para o
sentimentalismo, Newell flerta com o suspense ao refletir sobre a guerra dentro
de um aspecto micro, de uma comunidade “afetada” diretamente pelos soldados nazistas,
mostrando através do talentoso elenco de apoio (vide os carismáticos Tom Courtenay,
Katherine Parkinson e Penelope Wilton) a dor, a solidão, o
desamparo, a raiva reprimida e a ponta de esperança que os manteve unidos mesmo
após dolorosas perdas. Embora, no tempo presente, impere a leveza e as
bucólicas paisagens escocesas, ponto para expansiva fotografia campestre de Zac
Nicholson, quando retorna ao passado Newell é enfático ao traduzir, em poucas (e
delicadas) cenas, o estrago causado pela opressão alemã. As lacunas,
indiscutivelmente, soam muito reais aos olhos do público. Além disso, o argumento
é inteligente ao investir também numa espécie de protagonista ausente (a
promissora Jessica Brown Findlay), uma personagem emblemática que, mesmo
distante do arco central, se torna o verdadeiro coração da película. A partir
dos conflitos dela, Newell consegue não só construir um instigante subplot
investigativo, como também reforçar a feminilidade da obra, criando um
perspicaz paralelo entre as duas principais personagens ao discorrer sobre a independência
feminina em tempos de guerra. Por fim, embora as duas horas de projeção se
revelem exageradas, uma queda de ritmo que, curiosamente, soa mais nítida
quando a trama se concentra no romance, A Sociedade Literária e a Torta de
Casca de Batata flutua entre a admiração e a indignação ao dar voz aos
inocentes, àqueles que, em meio ao caos e a desesperança, encontraram nos
livros a paz repentinamente roubada pelos invasores.
- Para Todos os Garotos que Já
Amei (2018)
Inspirado por títulos como
Gatinhas e Gatões (1986), Namorada de Aluguel (1987) e o recente A Mentira
(2010), Para Todos os Garotos que Já Amei é um filme divertido que poderia
alcançar um patamar mais alto se tivesse a ousadia de romper com os clichês dos
‘high-school movies’. Com personagens cativantes, um plot promissor, um
inteligente ‘timing’ cômico, um visual descolado e um singelo ‘background’ familiar,
o longa dirigido por Susan Johnson funciona como um agradável romance ‘teen’,
mas não vai muito além disso. O que, sinceramente, é uma pena, já que os
predicados me pareceram muito claros. A começar pela romântica protagonista, a tímida
Lara Jean (Lana Condor), uma jovem sonhadora que expressava através de cartas
(nunca enviadas) os seus sentimentos pelos ‘crushs’ da sua vida. Quando a sua
irmã mais nova, preocupada com a postura introspectiva dela, resolve enviar
estas correspondências, Lara entra em desespero ao ter que lidar com o ‘feedback’
dos seus pretendentes, principalmente do popular Peter (Noah Centineo) e do seu
amigo Josh (Israel Broussard). Numa perspicaz mudança de perspectiva, Johnson
esbanja feminilidade ao propor uma bem-humorada reflexão sobre os anseios
sentimentais de Lara, brincando (até certo ponto) com o perigo da idealização
ao narrar as desventuras de uma jovem “obrigada” a viver situações até então
reprimidas no seu imaginário. Por mais que a abordagem exageradamente pueril e
o desfecho contraditoriamente "iluminado" reduzam o peso do arco da protagonista,
é legal ver o esforço do roteiro assinado por Sofia Alvarez em criar uma
personagem real, com emoções verdadeiras, reações compreensíveis. Com
enquadramentos espertos e uma ‘vibe’ descomplicada, a diretora consegue criar
um sincero diálogo com o seu público alvo, transitando satisfatoriamente entre
a comédia e o romance ao tirar das páginas do livro de Jenny Han uma história
de amor honesta e simpática. Um predicado, diga-se de passagem, valorizado pela
carismática performance de Lana Condor (olho nela), radiante na pele de uma
garota em uma relação ‘fake’. Geralmente no centro do quadro, como se estivesse
sempre passando pelo crivo do público, a expansiva atriz traduz o deslocamento
social da sua personagem com desenvoltura, nos convencendo que estamos diante
de uma figura com personalidade própria disposta a mudar de status dentro do
colégio para proteger um importante segredo.
O problema é que, após o
envolvente primeiro ato, Para Todos os Garotos que Já Amei decide seguir uma
fórmula muito batida dentro do subgênero dos romances ‘teen’. Por mais que
alguns destes títulos já possam soar envelhecidos junto às novas gerações, o
que valoriza, inclusive, as referências aos clássicos de John Hughes aqui
presentes, aos poucos a sensação do “já vi isso antes” começa a se tornar
incomoda. Mais do que simplesmente se escorar numa estrutura formulaica, o
longa peca no momento em que opta por requentar os velhos arquétipos do gênero.
Embora, num primeiro momento, o argumento fuja do lugar comum ao investir em
personagens multidimensionais, na transição para o último ato Susan Johnson
pesa a mão na tentativa de criar a esperada “ruptura” do casal, investindo numa
dispensável antagonista e num dilema real mal aproveitado pelo roteiro. Na
verdade, o grande senão da película está justamente na falta de coragem da
trama em explorar o elemento dramático que permeia a história. Na tentativa de exaltar
o viés romântico da obra, Johnson parece deixar de lado os (verdadeiros)
conflitos mais íntimos de Lara, esvaziando a interessante jornada de
amadurecimento pessoal da protagonista em prol de um desfecho bonitinho e
açucarado. Menos mal que, por diversas vezes, a diretora é cuidadosa ao dar voz
a estes sentimentos reprimidos, preenchendo a produção com diálogos sensíveis e
sequências indiscutivelmente delicadas. Momentos que, inclusive, ajudam a
estreitar os laços entre o casal de protagonistas. Em suma, com um elenco
talentoso e momentos genuinamente engraçados, Para Todos Os Garotos que Já Amei
se revela uma obra simples e competente, um ‘coming age movie’ em potencial que
se contenta em abraçar os clichês dos romances ‘teen’.
Um comentário:
Com todo o respeito aos filmes e aos profissionais que desenvolvem os personagens nos filmes, mas nenhum me agrada pelo motivo do gênero dos filmes, mas não desmereço pra que ninguém os assistam, simplesmente não fazem parte daquilo que eu gosto no cinema.
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