Steven Spielberg é,
indiscutivelmente, um dos realizadores mais importantes\influentes em atividade
dentro de Hollywood. Numa época em que os “filmes populares” não ficavam reduzidos a uma categoria especial, os entendedores entenderão, ele construiu o
seu prestígio dentro da indústria ao compreender que as suas obras não deveriam
ser “seletivas”. Não tinham que, necessariamente, mirar num único nicho. Não
tinham que se “envergonhar” da sua universalidade. Por mais que nos anos 1990,
numa fase mais madura da sua carreira, Spielberg tenha investido pesado no
drama, elevando a sua filmografia a um novo patamar com obras como A Lista de
Schindler (1994) e O Resgate do Soldado Ryan (1999), foi no familiar cinema
pipoca que o diretor construiu o seu nome. Através de títulos como o tenso
Encurralado (1971), o estrondoso Tubarão (1975), o cultuado Contatos Imediatos
do Terceiro Grau (1977), a icônica Trilogia Indiana Jones (1981-1989), o
inesquecível E.T: O Extraterrestre (1982) e o revolucionário Jurassic Park
(1993), Spielberg ajudou a redimensionar o cinema como um fenômeno pop,
combinando arte, tecnologia e entretenimento com uma maestria praticamente
irresistível. Um ‘know-how’ que, me arrisco a dizer, o transformou no único
capaz de adaptar o clássico literário Jogador Nº1 para a tela grande. Num dos
projetos mais ambiciosos da sua carreira, o diretor retoma o diálogo com os fãs
de cultura pop com enorme propriedade, unindo a velha e a nova geração de nerd’s
em torno de uma aventura nostálgica e genuinamente empolgante. Um filme que,
embora narrativamente falho, compensa ao nos presentear com um espetáculo
visual inigualável, uma explosão de ‘easter-eggs’ e referências exploradas com inventividade
por alguém que realmente entende do assunto.
Na verdade, o grande trunfo de
Jogador Nº 1 está na maneira com que Steven Spielberg investe no fator
nostalgia. Por mais que o roteiro em si não dependa única e exclusivamente das “participações
especiais”, confesso que o longa não teria o mesmo impacto se não estivesse sob
o comando de um realizador capaz de apertar os botões certos, nas horas certas.
Indo além do puro ‘easter-egg’, Spielberg é perspicaz ao transformar as
referências em parte da história, se desconectando por vezes da obra de Ernest
Cline ao “criar” em cima das possibilidades visuais permitidas pelo mundo da
Sétima Arte. E aqui, verdade seja dita, precisamos abrir um parêntese para
comentar sobre o poder de persuasão de Spielberg dentro da indústria. Num momento
em que o diálogo entre os grandes estúdios parece limitado, ele precisou
colocar o seu prestígio em cheque para ganhar o direito de uso de personagens
de companhias concorrentes a Warner Bros. Assim como em Uma Cilada para Roger
Rabitt (1988), quando se tornou uma peça chave (saiba mais aqui) na negociação
para a realização do filme do seu “pupilo” Robert Zemeckis, Spielberg, mais uma
vez, conseguiu convencê-los de que os seus personagens em estariam em boas
mãos. Por mais que a ausência das propriedades da Disney seja óbvia, o
realizador ganhou a liberdade necessária para brincar com estes ícones da cultura
pop, os transformando (por vezes) em peças chave para o andamento da trama.
Ainda que a maior parte das referências suma da tela num piscar de olhos, Spielberg
é particularmente cuidadoso ao encontrar um sentido para alguns destes
personagens especiais, buscando em clássicos como Akira, King Kong, O Gigante
de Ferro e De Volta para o Futuro os ingredientes necessários para construir um
diálogo sincero com os verdadeiros fãs de cultura pop. Isso, obviamente, para
não citar a referência a um determinado filme do legendário Stanley Kubrick,
uma passagem surpreendente que atesta a genialidade de Spielberg em explorar “marcas”
tão consagradas. Sem querer revelar muito, entre as minhas referências
favoritas estão o inventivo Cubo Zemeckis (que sacada!), a hilária presença do
feroz Chucky e a magnífica menção ao extraordinário O Exterminador do Futuro 2
(1991).
Por melhor que sejam as
referências, porém, nenhum filme sobreviveria apenas do fator nostálgico. Com
base no argumento assinado pelo próprio Ernest Cline, ao lado de Zak Penn, Steven
Spielberg é astuto ao encontrar um meio termo entre o mundo real e o mundo
virtual. Uma divisão igualitária que, para ser sincero, ajuda a evidenciar tanto
os pontos positivos da história, quanto a face mais oscilante da película. Dentro
da Oasis, o longa peca pelas conveniências narrativas ao acompanhar a jornada
de Parzival (Tye Sheridan, a vontade), um jovem e exímio jogador que, por ser
um fã do criador do dispositivo, o solitário Halliday (Mark Rylance),
acreditava ser um dos mais preparados para descobrir o ‘easter-egg’ escondido
por ele dentro de jogo após a sua morte. O portador deste “artefato” se
tornaria o novo administrador da Oasis, além de ganhar uma verdadeira fortuna
em dinheiro. Impecável ao estabelecer o contexto em que o jogo se tornou uma
febre e o ‘modus operandi’ dentro da realidade virtual, Spielberg mostra a sua
usual habilidade em abraçar o fantástico, buscando referência nos novos jogos
de mundo aberto ao tornar a Oasis um cenário genuinamente empolgante. No
momento em que Parzival e seus amigos, o fiel Aech (Lena Waithe) e a ‘bad-ass’
Art3mis (Olivia Cooke, radiante), partem para a caça ao tesouro, entretanto, o
roteiro não se revela tão esperto assim. Ainda que a sacada de associar as
pistas aos traumas pessoais de Halliday ecoe satisfatoriamente ao longo da
película, Spielberg não consegue permitir que o público tenha uma participação
mais ativa nas ‘sidequests’. O filme se torna hermético demais, como se as
descobertas só fizessem sentido para quem fosse parte daquela realidade, para o
“escolhido”. Em alguns momentos, inclusive, Parzival parece um daqueles
personagens apelões, do tipo que está sempre um passo à frente do jogador. Tudo
parece seguro demais. O que, indiscutivelmente, permite que a trama caminhe
convenientemente do ponto a ao ponto b sem uma lógica plausível. Nos dois
primeiros testes, inclusive, os segredos por trás das chaves são exageradamente
pueris, o que reduz o impacto em torno das descobertas. Uma falha que só se
torna mais nítida dentro do grandioso clímax, quando, ai sim, ao associar a pista
final a um objeto do nosso mundo, o roteiro consegue dar um sentido a revelação
e extrair uma emoção mais honesta.
Menos mal que, quando se desconecta
do mundo virtual, Jogador Nº 1 se revela uma obra narrativamente bem mais
atraente. Fazendo jus ao conceito da Oasis, Spielberg é objetivo ao estabelecer
o dispositivo como uma espécie de refúgio, uma alternativa escapista ao desigual\sucateado
mundo real. Embora não se aprofunde tanto no contexto social, o realizador “apimenta”
as coisas ao tratar o detestável Nolan Sorrento (Ben Mendelsohn, ótimo como de
costume) e a sua IOI como um rival opressor. Se dentro da Oasis Perzival parece
imparável, fora dela Wade é apenas um jovem de origem humilde, um status que
ajuda a reforçar o senso de perigo da película. Por mais que algumas situações presentes
na obra original sejam atenuadas, Spielberg é perspicaz ao se concentrar nos
interesses escusos do executivo, indo além dos clichês da “grande corporação
vilanesca” ao embasar as suas justificativas. Sorrento surge então como o homem
de negócios impiedoso, um tipo capaz de “escravizar” jogadores em prol de um
objetivo. Um rival à altura de Parzival tanto dentro, quanto fora do jogo. É
aqui, aliás, que o argumento tem os seus melhores ‘insights’. Num primeiro
momento, o longa não foge da raia ao criticar a indústria dos jogos de mundo
aberto, apontando a sua mira para a comercialização de ‘gadgets’ ao realçar os
perigos por trás desta “dependência”. Além disso, Spielberg é igualmente cuidadoso
ao enxergar os malefícios da exagerada “devoção” ao mundo virtual, que ganham
forma através da errática figura de Halliday. Tratado inicialmente como um
gênio, o criador de um dispositivo tecnológico ‘cool’ e influente, o isolado
CEO aos poucos revela os seus arrependimentos, as suas frustrações, sentimentos
impressos gradativamente nas pistas por trás do grande ‘easter-egg’. Um arco
sólido potencializado pela introspectiva presença do intenso Mark Rylance. No
final das contas, embora o longa defenda o fator diversão e os benefícios da
interação virtual, o realizador é cuidadoso ao criticar os excessos, ao lembrar
que existe uma vida longe da Oasis, uma mensagem pertinente conduzida sem um
pingo de pieguice.
Esqueça as conveniências
narrativas. Esqueça o frouxo senso de ameaça. Esqueça os subaproveitados coadjuvantes.
Quando o assunto é o visual, Jogador Nº 1 oferece a experiência catártica que o
fã de cultura pop esperava ter. Um mestre na arte dos efeitos visuais, Steven
Spielberg entrega uma obra estética irrepreensível, um filme capaz de imprimir
em tela o mega ‘crossover’ idealizado por Ernest Cline com criatividade e muita
energia. No que diz respeito aos efeitos práticos e ao design de produção, o
diretor é grandiloquente ao estabelecer esta contrastante realidade distópica.
Os cenários “reais” são engenhosos e habitáveis, refletindo tanto a falta de
recursos nos espaços mais pobres, quanto o aspecto ‘hi-tech’ dentro das grandes
corporações. A visão de futuro proposta por Spielberg é naturalmente
reconhecível, um cenário em que humanos assumiam avatares num mundo virtual na
tentativa de escapar da falta de recursos do mundo real. No momento em que
invade a Oasis, entretanto, o que vemos é um espetáculo difícil de se traduzir
em palavras. As referências saltam na tela com a ferocidade de alguém que
realmente nutre sentimentos pelo que está em tela. Ver “personagens” de outras
mídias, de outras eras, ganharem uma forma moderna via CGI é emocionante. Uma
reunião de marcas e franquias capaz de resgatar o melhor da cultura pop nas
últimas três décadas. Quando Spielberg os coloca em ação, entretanto, o que
vemos é um sonho ganhando forma. Como não se empolgar, por exemplo, com a
magnífica sequência da corrida, uma cena frenética e imersiva digna dos
melhores filmes do gênero. Num ‘mise en scene’ ágil e brilhantemente filmado,
Spielberg faz questão de tirar o máximo proveito destes populares personagens, permitindo
que cada quadro tenha algo de novo para mostrar. Os ‘easter-eggs’, na verdade,
não estão somente nos avatares ou nos figurinos, mas impressos nas paredes da
casa de Wade, nos figurinos de Parzival, na van de Aech, no quarto do jovem Halliday.
Um mundo riquíssimo que só um fã poderia tirar do papel.
Um prato cheio para os ‘gamers’, os
cinéfilos e os fãs de cultura pop em geral, Jogador Nº1 resume a quintessência
do cinema de Steven Spielberg. Virtuoso, empolgante e estupidamente divertido,
o longa encanta ao reverenciar os personagens símbolos de duas gerações, unindo
o passado e o presente numa aventura fantástica que não se envergonha das suas
raízes populares. Um filme sagaz ao buscar nas memórias afetivas dos nerds\geeks
raiz o combustível nostálgico capaz de alavancar uma trama marcada por altos
(visuais) e baixos (narrativos). E, de fato, o virtual nunca foi tão real na
Sétima Arte.
2 comentários:
Esse diretor é sem duvida um dos melhores do Movie bem feito, seus filmes sempre com grande emoções, títulos convidativos pra se assistir com muita pipoca, a maioria dos filmes que assisti dele eu gostei, vida longa ao SPIELBERG.
Adoro os filmes de ação juro que é meu gênero preferido, Jogador Nº 1 passou as minhas expectativas, em sério é uma história super boa. Eu amo assistir filmes de ação, é meu gênero favorito, de todos os filmes que estrearam em 2018, este foi o meu preferido! Tye Sheridan esta impecável no filme. Ele sempre surpreende com os seus papeis, pois se mete de cabeça nas suas atuações e contagia profundamente a todos com as suas emoções, sigo muito os filmes de ação novos, sempre me deixa impressionada em cada nova produção. É uma boa opção para uma tarde de filmes, sem dúvida o veria novamente.
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