domingo, 17 de junho de 2018

Beirut

A tensão na mediação

Logo na elucidadora sequência inicial, o roteirista Tony Gilroy (A Trilogia Bourne) é hábil ao introduzir o pano de fundo político proposto em Beirut, o complexo jogo de interesses em solo libanês diante do secular embate entre Israel e a Palestina. Uma das inúmeras peças neste espinhoso tabuleiro, o mediador da CIA Mason Skiles (Jon Hamm) vê a sua estabilidade ruir repentinamente ao sentir na pele as consequências da incessante luta por poder e território dentro desta caótica região do Oriente Médio. Com base nesta envolvente premissa, o longa dirigido por Brad Anderson (O Maquinista) esbanja inteligência ao trazer a tensão dos fatos para a ficção. Impulsionado pela maturidade do texto de Gilroy, que, assim como na saga que o consagrou, não parece interessado em perder tempo com soluções didáticas e com as explicações óbvias, o realizador é sucinto ao expor a vulnerabilidade dos seus personagens diante das nebulosas intenções dos seus superiores, transitando por um terreno extremamente verossímil ao discorrer sobre a conivência norte-americana nos bastidores de uma violenta guerra civil.



Reconhecido pelo seu texto ágil e pela força dos seus personagens, Tony Gilroy se equilibra entre a ficção e a realidade ao potencializar o fator humano num politizado thriller de espionagem. Ao contrário do seu primeiro grande trabalho dentro do gênero, o intenso A Identidade Bourne, o realizador é astuto ao estabelecer os conflitos de Mason Skiles, ao trazer para o centro da trama o drama do agente que viu a sua vida virar de cabeça para baixo após uma dolorosa perda. Sem segredos, Gilroy é incisivo ao estabelecer a derrocada emocional deste confiante personagem, ao traduzir a sua dor e a sua desilusão, dando ao público a possibilidade de criar uma sólida identificação com ele. O foco, ao longo do excelente primeiro ato, se mantém acertadamente no arco sentimental de Skiles, um predicado valorizado pela intensa performance de Jon Hamm. Em busca do seu espaço após o triunfante desfecho da soberba série Mad Men, o talentoso ator cativa ao expor no seu olhar a derrocada de um homem destruído por dentro, um alcoólatra abatido intimado a encarar de frente os seus mais temidos fantasmas. Com o seu charme usual, Hamm cria um tipo magnético seja nos seus lampejos de genialidade, seja nos seus momentos de fraqueza, fugindo dos clichês redentores ao entregar um personagem que não parece ter muito a perder.


Impecável ao construir o arco dramático do protagonista, Brad Anderson é igualmente contundente ao, a partir do segundo ato, mergulhar no campo minado que era o Líbano pós-guerra civil. Inserido num cenário totalmente novo, Mason se torna os olhos do espectador dentro do conflito, redescobrindo uma região decadente dominada por milícias, grupos terroristas e por um governo inapto. Ao realçar a vulnerabilidade do agente em terras estrangeiras, o realizador instiga ao investir numa gradativa atmosfera de tensão, expondo os interesses por trás da sua repentina volta com energia e poder de síntese. Escolhido a dedo para mediar as negociações de um sequestro, Maison se torna um mero peão nas mãos da CIA, uma posição frágil que, nas mãos de Gilroy, se torna um fértil terreno para a construção do crítico pano de fundo político. Através do instintivo olhar do protagonista, o argumento é astuto ao se aproximar dos fatos, ao desvendar os múltiplos interesses por trás desta engenhosa negociação. Existem os obcecados pelo resgate a qualquer custo, os que temem que certos segredos sejam revelados, os que se revelam interessados em ver o circo pegar fogo. Sem a intenção de justificar os seus passos, o roteiro é astuto ao criar um ‘mise en scene’ nervoso e incessante, exigindo a concentração do espectador até o inteligente último ato. Na verdade, Anderson é particularmente cuidadoso ao mover as suas peças por trás da ação, fazendo um precioso uso do poder de sugestão ao confiar na compreensão do público. Na nossa capacidade de interpretação. Nas entrelinhas, inclusive, estão as principais respostas do longa, vide a questionadora cena final, um desfecho sagaz principalmente pela forma com que debocha dos clichês patrióticos frequentemente presente nos títulos do gênero.


Outro ponto que agrada, e muito, é a maneira encontrado por Brad Anderson para reativar o entorpecido faro do protagonista para o perigo. Numa “transformação” natural, o realizador é astuto ao trabalhar a retomada de Maison, ao criar uma estreita conexão entre o passado e o presente do personagem, reforçando o arco dramático do protagonista enquanto estabelece as nuances dos coadjuvantes. É aqui, porém, que Beirut se revela a sua face mais falha. Apesar dos méritos narrativos, tipos como o ardiloso Donald Gaines (Dean Norris, subaproveitado), o misterioso Gary Ruzak (Shea Whigham, eficiente) e a rígida Sandy Crowder (Rosamund Pike, deslocada) perdem relevância dentro do terço final, revelando a carência de substância nos arcos secundários. Sem querer revelar muito, Anderson peca ao tentar forçar uma conexão afetiva entre Maison e Sandy, uma relação frágil e sem química que padece diante do ritmo incessante da película. Somado a isso, o longa se distancia brevemente da realidade ao pecar pela condescendência dentro do competente clímax, reduzindo o peso dramático da trama ao amarrar a jornada do protagonista com desnecessária pressa.  



Ainda assim, embora termine numa curva decrescente, Beirut se revela um thriller de espionagem complexo, inteligente e esteticamente elegante. Por mais que a atmosfera de tensão permeie a trama praticamente do primeiro ao último minuto de projeção, Brad Anderson enche a tela de estilo ao valorizar o aspecto humano, ao colocar o decadente Maison no centro da trama, valorizando a carga dramática do versátil Jon Hamm em planos íntimos e naturalmente imersivos. Um predicado, diga-se de passagem, valorizado pela saturada fotografia amarelada de Björn Charpentier, discreto ao potencializar o aspecto sombrio da película, o jogo de poder oculto nos bastidores de um conflito sujo e amoral.

Nenhum comentário: