A tensão na mediação
Logo na elucidadora sequência
inicial, o roteirista Tony Gilroy (A Trilogia Bourne) é hábil ao introduzir o
pano de fundo político proposto em Beirut, o complexo jogo de interesses em
solo libanês diante do secular embate entre Israel e a Palestina. Uma das
inúmeras peças neste espinhoso tabuleiro, o mediador da CIA Mason Skiles (Jon
Hamm) vê a sua estabilidade ruir repentinamente ao sentir na pele as
consequências da incessante luta por poder e território dentro desta caótica
região do Oriente Médio. Com base nesta envolvente premissa, o longa dirigido
por Brad Anderson (O Maquinista) esbanja inteligência ao trazer a tensão dos
fatos para a ficção. Impulsionado pela maturidade do texto de Gilroy, que,
assim como na saga que o consagrou, não parece interessado em perder tempo com
soluções didáticas e com as explicações óbvias, o realizador é sucinto ao expor
a vulnerabilidade dos seus personagens diante das nebulosas intenções dos seus
superiores, transitando por um terreno extremamente verossímil ao discorrer
sobre a conivência norte-americana nos bastidores de uma violenta guerra civil.
Reconhecido pelo seu texto ágil e
pela força dos seus personagens, Tony Gilroy se equilibra entre a ficção e a
realidade ao potencializar o fator humano num politizado thriller de
espionagem. Ao contrário do seu primeiro grande trabalho dentro do gênero, o
intenso A Identidade Bourne, o realizador é astuto ao estabelecer os conflitos
de Mason Skiles, ao trazer para o centro da trama o drama do agente que viu a
sua vida virar de cabeça para baixo após uma dolorosa perda. Sem segredos,
Gilroy é incisivo ao estabelecer a derrocada emocional deste confiante
personagem, ao traduzir a sua dor e a sua desilusão, dando ao público a
possibilidade de criar uma sólida identificação com ele. O foco, ao longo do
excelente primeiro ato, se mantém acertadamente no arco sentimental de Skiles,
um predicado valorizado pela intensa performance de Jon Hamm. Em busca do seu
espaço após o triunfante desfecho da soberba série Mad Men, o talentoso ator
cativa ao expor no seu olhar a derrocada de um homem destruído por dentro, um alcoólatra
abatido intimado a encarar de frente os seus mais temidos fantasmas. Com o seu
charme usual, Hamm cria um tipo magnético seja nos seus lampejos de genialidade,
seja nos seus momentos de fraqueza, fugindo dos clichês redentores ao entregar
um personagem que não parece ter muito a perder.
Impecável ao construir o arco
dramático do protagonista, Brad Anderson é igualmente contundente ao, a partir
do segundo ato, mergulhar no campo minado que era o Líbano pós-guerra civil.
Inserido num cenário totalmente novo, Mason se torna os olhos do espectador
dentro do conflito, redescobrindo uma região decadente dominada por milícias, grupos
terroristas e por um governo inapto. Ao realçar a vulnerabilidade do agente em
terras estrangeiras, o realizador instiga ao investir numa gradativa atmosfera
de tensão, expondo os interesses por trás da sua repentina volta com energia e
poder de síntese. Escolhido a dedo para mediar as negociações de um sequestro, Maison
se torna um mero peão nas mãos da CIA, uma posição frágil que, nas mãos de
Gilroy, se torna um fértil terreno para a construção do crítico pano de fundo
político. Através do instintivo olhar do protagonista, o argumento é astuto ao
se aproximar dos fatos, ao desvendar os múltiplos interesses por trás desta
engenhosa negociação. Existem os obcecados pelo resgate a qualquer custo, os
que temem que certos segredos sejam revelados, os que se revelam interessados
em ver o circo pegar fogo. Sem a intenção de justificar os seus passos, o
roteiro é astuto ao criar um ‘mise en scene’ nervoso e incessante, exigindo a
concentração do espectador até o inteligente último ato. Na verdade, Anderson é
particularmente cuidadoso ao mover as suas peças por trás da ação, fazendo um
precioso uso do poder de sugestão ao confiar na compreensão do público. Na
nossa capacidade de interpretação. Nas entrelinhas, inclusive, estão as
principais respostas do longa, vide a questionadora cena final, um desfecho
sagaz principalmente pela forma com que debocha dos clichês patrióticos
frequentemente presente nos títulos do gênero.
Outro ponto que agrada, e muito,
é a maneira encontrado por Brad Anderson para reativar o entorpecido faro do
protagonista para o perigo. Numa “transformação” natural, o realizador é astuto
ao trabalhar a retomada de Maison, ao criar uma estreita conexão entre o passado
e o presente do personagem, reforçando o arco dramático do protagonista
enquanto estabelece as nuances dos coadjuvantes. É aqui, porém, que Beirut se
revela a sua face mais falha. Apesar dos méritos narrativos, tipos como o
ardiloso Donald Gaines (Dean Norris, subaproveitado), o misterioso Gary Ruzak (Shea
Whigham, eficiente) e a rígida Sandy Crowder (Rosamund Pike, deslocada) perdem
relevância dentro do terço final, revelando a carência de substância nos arcos
secundários. Sem querer revelar muito, Anderson peca ao tentar forçar uma
conexão afetiva entre Maison e Sandy, uma relação frágil e sem química que
padece diante do ritmo incessante da película. Somado a isso, o longa se
distancia brevemente da realidade ao pecar pela condescendência dentro do competente
clímax, reduzindo o peso dramático da trama ao amarrar a jornada do protagonista
com desnecessária pressa.
Ainda assim, embora termine numa curva decrescente, Beirut se revela um thriller de espionagem complexo, inteligente e esteticamente elegante. Por mais que a atmosfera de tensão permeie a trama praticamente do primeiro ao último minuto de projeção, Brad Anderson enche a tela de estilo ao valorizar o aspecto humano, ao colocar o decadente Maison no centro da trama, valorizando a carga dramática do versátil Jon Hamm em planos íntimos e naturalmente imersivos. Um predicado, diga-se de passagem, valorizado pela saturada fotografia amarelada de Björn Charpentier, discreto ao potencializar o aspecto sombrio da película, o jogo de poder oculto nos bastidores de um conflito sujo e amoral.
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