quarta-feira, 4 de abril de 2018

Harry Dean Stanton, Lucky e os saudosos realizadores que se “despediram” em grande estilo do Cinema


Reconhecido por seus marcantes coadjuvantes e pelos seus humanos personagens, o veterano Harry Dean Stanton se “despediu” em grande estilo da sua arte. Meses antes de falecer, aos 91 anos, de causas naturais, o ator de Alien: O Oitavo Passageiro e Paris, Texas nos deixou um “testamento” em formato fílmico, o excelente Lucky (leia a nossa opinião aqui). Lançado em Março de 2017 no festival South by Southwest, o longa dirigido por John Carrol Lynch presenteou Stanton com uma espécie de epílogo, um filme sobre o envelhecimento e o desafio de lidar com a iminência da morte. Destemido, o veterano ganha um protagonista à altura da sua obra, um personagem complexo capaz de refletir sobre o fim com profundidade e uma dose de ironia. Assim como Stanton, aliás, outros saudosos realizadores se “despediram” do público com grandes personagens em ótimos filmes. Neste artigo, portanto, uma lista com alguns saudosos realizadores que, nos seus últimos trabalhos em vida, entregaram extraordinárias performances. 

- John Cazale em O Franco Atirador (1978) 


Dono de uma filmografia enxuta, porém memorável, John Cazale se tornou sinônimo de qualidade. Em pouco menos de dez anos, o astro de O Poderoso Chefão e Um Dia de Cão nos deixou precocemente, aos 42 anos, vítima de um câncer ósseo. Antes disso, entretanto, Cazale trilhou uma carreira de sucesso, vendo todos os seus filmes, eu disse todos, serem indicados ao Oscar de Melhor Filme. Já adoentado, o seu último trabalho foi o intenso drama de guerra O Franco-Atirador. Na pele do frágil e afetuoso Stanley, duas características marcantes nos seus personagens, Cazale superou os obstáculos ao fazer parte da questionadora obra do diretor Michael Cimino, uma atuação intensa que ajudou a mostrar os fantasmas de um conflito do porte da Guerra do Vietnã na rotina de um grupo de amigos. Por pouco, no entanto, John Cazale não foi excluído do elenco. Diante da fragilidade física do talentoso ator, os produtores tentaram substitui-lo, temendo que ele não tivesse “forças” para concluir as filmagens. Ciente disso, Meryl Streep, estrela do filme e a então esposa do ator, bateu o pé e foi incisiva ao afirmar que se Cazale fosse tirado do elenco ela também deixaria as filmagens. Um lobby decisivo que ajudou a mantê-lo no filme e deu ao saudoso a ator a oportunidade de desfilar o seu talento pela última vez. John Cazale faleceu poucos meses após o término das filmagens, no dia 12 de Março de 1978, bem antes do lançamento do filme, que aconteceu no dia 8 de Dezembro em Los Angeles. 

- Clark Gable e Marilyn Monroe em Os Desajustados (1961) 


Um foi um dos maiores galãs da era de ouro de Hollywood. A outra se tornou uma das mais icônicas figuras femininas da Sétima Arte. Unidos sob a batuta do legendário John Huston, Clark Gable e Marilyn Monroe tiveram em Os Desajustados a oportunidade de mostrar pela última vez os seus respectivos talentos em vida. Disposta a mudar a sua imagem, geralmente associada às belas personagens e às populares comédias românticas, Monroe investiu numa performance bem mais madura ao viver uma mulher recém-divorciada e deprimida que encontra amparo na amizade com três personagens veteranos. Sofrendo com as dores ocasionadas por pedras na vesícula e com o vício em drogas, Marilyn entregou uma performance carregada, que, de certa forma, refletia o seu estado de espírito na época. Na verdade, Os Desajustados foi escrito por Arthur Miller, na época o par romântico da atriz na vida real, o que ajuda a explicar o teor semi-biográfico do texto. Embora o filme tenha sido um fracasso de público, Huston deu voz a mulher por trás da estrela, realçando os seus conflitos sob um prisma bem íntimo num dos grandes filmes da sua carreira. Marilyn Monroe foi encontrada morta na sua casa, um ano depois do lançamento do filme, no dia 5 de agosto de 1962. Aos 36 anos falecia uma das grandes estrelas da Sétima arte, um destino trágico para uma realizadora que ajudou a redefinir a presença feminina dentro da indústria do entretenimento. Estrela de E o Vento Levou e Aconteceu Naquela Noite, Clark Gable também nos deixou cedo demais, aos 59 anos, vítima de um infarto. Antes disso, porém, ele colocou um ponto final na sua prestigiada carreira ao interpretar um cowboy frio que se torna o interesse amoroso de Marilyn. Dono de um notório carisma, Gable surge em cena num tipo mais denso, um personagem castigado pela vida que, ao encontrar uma semelhante no sexo oposto, decide fazer de tudo para conquistá-la. Pena que, pouco tempo depois do término das filmagens, Gable faleceu de forma repentina, em Novembro de 1960, antes mesmo do lançamento oficial do longa, que aconteceu em Janeiro de 1961 numa premiere em Nova Iorque. Durante o processo de filmagens, entretanto, Gable não escondeu de ninguém que essa era uma das grandes performances da sua carreira, um trabalho desafiador que, infelizmente, ficou marcado por pontuar a carreira de dois fenômenos de uma clássica Hollywood. 

- James Dean em Assim Caminha a Humanidade (1956) 


James Dean viveu o bastante para se tornar uma estrela. E morreu cedo demais para arranhar este status. Em 24 anos de vida, o jovem ator norte-americano imortalizou o rótulo do ‘bad-boy’, escrevendo o seu nome em Hollywood ao protagonizar os clássicos Vidas Amargas (1955) e Juventude Transviada (1955). Foi no seu último trabalho, entretanto, que o talentoso astro mostrou os seus inúmeros recursos dramáticos ao viver o arredio Jett no épico Assim Caminha a Humanidade (1956). Num papel desafiador, Dean protagonizou um instável triângulo amoroso com Elizabeth Taylor e Rock Hudson, uma dinâmica complicada que, nas entrelinhas, trazia uma contundente crítica a intolerância racial nos EUA. Numa obra marcada pela multidimensionalidade, o diretor vencedor do Oscar George Stevens extrai o máximo do estrelar trio de protagonistas, exaltando o viés humano numa narrativa imponente de quase 3 h e 20 min de duração. Infelizmente, antes mesmo do sucesso dos seus três grandes filmes, James Dean faleceu, aos 24 anos, vítima de um acidente de carro. Um verdadeiro golpe do destino, já que ele era um apaixonado pela velocidade e pelo mundo das corridas. O frisson em torno da sua imagem, no entanto, só ganhou força nos anos seguintes a sua morte. Enquanto Juventude Transviada o transformou num símbolo de uma geração, uma figura rebelde que se tornou um arquétipo bem popular dentro da cultura pop, Assim Caminha a Humanidade mostrou o talento de um ator em constante amadurecimento, lhe rendendo uma indicação póstuma ao Oscar de Melhor Ator. Ali foi possível ver o homem por trás do garoto de calça jeans e gel no cabelo, transformando este verdadeiro clássico num filme indispensável aos fãs da Sétima Arte. Dean, aliás, havia inaugurado a indicação póstuma um ano antes, graças ao seu trabalho em Vidas Amargas. 

- Spencer Tracy em Adivinhe quem Vem para Jantar (1967) 


Por falar no cinema enquanto ferramenta social, Adivinhe quem Vem para o Jantar se tornou uma obra importantíssima na luta pela igualdade racial nos EUA. Lançado um ano antes da morte de Martin Luther King, o longa dirigido por Stanley Kremer tocou no cerne da questão ao revelar a ignorância por trás do preconceito racial. Num primoroso drama familiar, o longa acompanha a situação de uma moderna família branca que vê o seu estilo progressivo ser colocado em cheque no momento em que a sua querida filha decide apresentar o seu futuro marido, um médico negro e muito bem-sucedido. Sob um prisma essencialmente humano, Kremer encanta ao discorrer sobre a realidade, o preconceito velado, os medos em torno de uma relação inter-racial e a delicada situação social dos EUA, colocando os seus complexos personagens no mesmo “barco” ao discutir estas questões num contexto totalmente igualitário. Um fato raro na época. Embora Sidney Poitier e Katherine Hepburn entreguem duas poderosas performances, é de Spencer Tracy o trabalho mais desafiador da película. Na pele de um compreensivo patriarca, o veterano enche a tela de sentimento ao capturar os conflitos de um pai temendo pelo futuro da sua filha, realçando a força do texto de William Rose ao tornar tudo tão claro aos olhos do público. Tanto as suas incoerências, quanto os seus temores mais íntimos. Um desempenho marcado pelo extraordinário monólogo final, uma sequência terna e emocionante que, numa época em a violência tomava conta na luta pela igualdade racial, surgiu como um grito de paz pelo fim da ignorância e do preconceito. Infelizmente, três semanas após o término das filmagens, Tracy foi encontrado morto, na sua casa, pela sua então companheira (e parceira de cena) Katharine Hepburn. Aos 67 anos, seis meses antes do lançamento oficial do filme, em Dezembro de 1967, Spencer Tracy nos deixava com uma obra marcante, um filmaço que, ainda hoje, tem muito a dizer sobre a natureza humana e sobre a constante luta por direitos iguais. 

- Peter Finch em Rede de Intrigas (1976) 


Uma sátira sobre o sensacionalismo da TV, Rede de Intrigas se tornou referência no que diz respeito aos bastidores de uma produção televisiva. Sob a irônica batuta de Sidney Lumet, o longa acompanha a trajetória de um âncora que, após receber o aviso prévio, surta e ameaça se matar ao vivo. Uma situação desesperadora, que, ao contrário das expectativas, surte um efeito positivo quando os executivos percebem que a aquele veterano jornalista poderia conseguir ainda picos de audiência. Recontratado pela empresa, ele passa a ter a liberdade que sempre sonhou, o que se transforma num grande problema quando o alvo passa a ser os anunciantes e o governo norte-americano. Dentro de um contexto cômico e exagerado, Lumet esbanja cinismo ao falar sobre o ‘modus operandi’ dos produtores de TV na década de 1970, encontrando na explosiva performance de Peter Finch a voz que ele precisava para questionar a baixa qualidade do conteúdo e o nascimento da mídia apelativa. Na pele de um homem instável, o talentoso ator cria uma figura à beira do caos, um personagem autodestrutivo que já não parece mais medir a consequência dos seus atos. Recheado de impactantes monólogos, Finch conquistou a crítica graças a sua impressionante entrega, roubando a cena num elenco com nomes como os de William Holden, Faye Dunaway e Robert Duvall. Infelizmente, porém, poucos meses após o lançamento do filme, que aconteceu em Novembro de 1976 em Los Angeles, Peter Finch faleceu aos 60 anos, vítima de um infarto fulminante. O seu trabalho em Rede de Intrigas, no entanto, ganhou o reconhecimento merecido, já que ele se tornou o primeiro a levar um Oscar póstumo de Melhor Ator. 

- Heath Ledger em Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008) 


Peter Finch, aliás (e infelizmente), não foi o único a ser homenageado com um Oscar póstumo. No auge da sua carreira, o versátil Heath Ledger faleceu após dar vida a um dos melhores e mais assustadores vilões da história dos filmes de super-herói, o anárquico Coringa de Batman: O Cavaleiro das Trevas. Dono de uma filmografia singular, que é bem melhor dissecada no nosso artigo sobre os dez anos da morte do astro australiano, Ledger superou as dúvidas ao capturar a essência deste icônico antagonista. O seu Coringa era cínico, debochado, inteligente, explosivo. Um verdadeiro agente do caos que, trazia na sua insana expressão, a ferocidade de uma magnífica atuação. Num minucioso processo de criação, que pode ser levemente compreendido no documentário I Am Heath Ledger (leia a nossa opinião aqui), o jovem ator se entregou de corpo e alma ao vilão, estudou a sua voz, os seus trejeitos, um trabalho dedicado que ficou impresso em cena do primeiro ao último minuto de projeção. Na época do lançamento, inclusive, surgiu um boato que a repentina morte de Heath Ledger, que faleceu vítima de uma overdose acidental de medicamentos, estaria ligado ao efeito do vilão sobre a psique do ator, mas a família foi taxativa ao desmentir esta versão. O fato é que o ator, durante as filmagens do seu filme seguinte, o elogiado O Imaginário Mundo do Drº Parnassus, já mostrava uma saúde frágil fruto da sua entrega aos personagens. Para a surpresa de uma legião de fãs, Ledger falecia, no ápice da sua vida profissional, em Janeiro de 2008, quase seis meses antes do lançamento de Batman: O Cavaleiro das Trevas. O triunfo do seu trabalho, porém, se deu no ano seguinte quando, num cenário inédito até então dentro do gênero, Heath Ledger levou o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por sua performance como o temido Coringa. Justíssimo. 

- Adrienne Shelly em A Garçonete (2007) 


A história mais trágica e revoltante desta lista, porém, é a da atriz e diretora Adrienne Shelly. Após se destacar no circuito independente, um início promissor marcado por títulos como A Incrível Verdade (1989) e Confiança (1990), e perder espaço nos anos seguintes em filmes b de gosto duvidoso, Shelly viu a sua carreira ganhar um novo fôlego no início dos anos 2000 com obras como o drama Sem Destino (2005) e principalmente em Garçonete (2007). Antes desta corrente em busca da igualdade de gêneros dentro de Hollywood tomar forma, ela decidiu se arriscar atrás das câmeras num projeto pessoal e essencialmente feminino. Com a então promissora Keri Russel (O Som do Coração) na pele de uma jovem mãe solteira que, para sustentar a sua filha, fica dividida entre o suporte de um abusivo namorado e a difícil missão de sustentar a sua família com as próprias pernas, Shelley investiu num argumento revigorante, mas, ao mesmo tempo, realístico. Impulsionada pela radiante performance da protagonista, ela extraiu o melhor do cinema ‘indie’ ao traduzir os obstáculos em torno da jornada desta mulher comum, nos brindando com um comovente grito de igualdade feminino num filme doce e delicado. Uma obra com personalidade própria, Garçonete mostrou o talento de uma realizadora com voz. Pena que, a realidade, a dura e fria realidade, cruzou o seu caminho e abreviou a sua vida. No dia 1º de Novembro de 2006, pouco tempo depois do término das filmagens, Adrienne Shelly foi encontrada morta no seu apartamento. Num primeiro momento, a suspeita era de suicídio, mas após uma minuciosa investigação ficou constatado que ela foi assassinada. Infelizmente, Shelly não pôde ver em vida o sucesso do seu filme que, no ano seguinte, foi aceito pelo respeitado Festival de Sundance e recebido com entusiasmo pela crítica e pelo público, sendo adquirido pela Fox Searchlight por algo em torno de US$ 5 milhões. Nas bilheterias, aliás, o filme também se saiu muito bem, rendendo cerca de US$ 19 milhões nos EUA. Indiscutivelmente, uma película surpreendente que merece estar em qualquer lista com os grandes filmes sobre a independência feminina. 

- Philip Seymour Hoffman em O Homem mais Procurado (2014) 


Um dos mais talentosos atores da sua geração, Philip Seymour Hoffman mostrou ao longo de três décadas que era capaz de encarar qualquer personagem. Ele brilhou no circuito ‘indie’ (Magnólia, Embriagado de Amor), no drama (Capote, Dúvida), na comédia (Os Piratas do Rock, Quase Famosos), no suspense (Dragão Vermelho, O Talentoso Ripley), no blockbuster (Jogos Vorazes, Twister) na ação (Missão: Impossível 3, A Fuga). Poucos filmes, porém, retrataram tão bem o seu estado de espírito quando o denso O Homem mais Procurado. Uma das muitas adaptações inspiradas na obra do escritor John Le Carré, este subestimado thriller de espionagem colocou Hoffman como um espião decadente e depressivo em busca do paradeiro de um possível terrorista. Sob a batuta de Anton Corbjin (Um Homem Misterioso), o longa extraiu o máximo da veia dramática deste talentoso ator, se insurgindo contra a glamourização da espionagem ao realçar a melancólica rotina de um agente ultrapassado. Nas entrelinhas, entretanto, era possível traçar um paralelo entre ficção e realidade. Após anos convivendo com o vício em heroína, o que influenciava no seu errático comportamento longe dos holofotes, Philip Seymour Hoffman foi encontrado morto no seu apartamento, no dia 2 de Fevereiro de 2014, aos 46 anos, vítima de uma overdose. Lançado um mês antes no Festival de Sundance, O Homem mais Procurado parecia sintetizar a decadência do homem por trás da estrela, já que, o Hoffman ator, mesmo diante de tantos problemas pessoais, entregou – como de costume – uma performance memorável. Que perda para os fãs da Sétima Arte. 

- Richard Glatzer em Para Sempre, Alice (2014) 


Com uma filmografia curta, apenas cinco filmes, Richard Glatzer lutou contra um doloroso “rival” durante as filmagens do seu último e magnífico projeto, o intenso Para Sempre Alice. Portador da ELA, a Esclerose Lateral Amiotrófica, uma doença degenerativa que ataca a parte motora do indivíduo, o talentoso realizador, com a ajuda do seu parceiro, o roteirista Wash Westmoreland, decidiu enfrentar a sua doença de frente ao dirigir um drama sobre uma respeitada cientista que, repentinamente, descobre ser portadora de Alzheimer. Com a fantástica Juliane Moore na pele da personagem título, numa performance impactante que, merecidamente, lhe rendeu o Oscar de Melhor Atriz, Glatzer refletiu sobre a sua própria situação num filme íntimo e comovente, um retrato realístico sobre o impacto de uma doença degenerativa na rotina de uma mulher independente e da sua família. Uma obra corajosa, principalmente por mostrar um realizador encarando um panorama muito semelhante ao seu. Lançado no Festival de Toronto em 2014, Para Sempre, Alice foi recebido com afeto pelo público e pela crítica, o que colocou o longa no radar das grandes premiações. Dois dias antes da entrega do Oscar, entretanto, Glatzer deu entrada no hospital com sérios problemas respiratórios. Ainda assim, o realizador acompanhou o triunfo de Moore e do seu filme na premiação mesmo internado. Dias depois, porém, o realizador não resistiu e faleceu, aos 63 anos, em consequência da ELA. 

- Henry Fonda em Num Lago Dourado (1981) 


Alguns (raros) filmes conseguem transpor a barreira da ficção. Esse é o caso de Num Lago Dourado, um poderoso drama familiar que, em sua essência mais íntima, marcou a reconciliação entre um pai e a sua filha. Num daqueles trabalhos em que ficção e realidade se confundem com sutileza, o aclamado longa dirigido por Mark Rydell deu ao legendário Henry Fonda a possibilidade de expor um pouco mais da sua personalidade, dos seus conflitos mais íntimos. Acostumado a viver tipos humanos, daqueles que pareciam experimentar os mesmos anseios e frustrações do público que o assistia, o ator, então com 76 anos, se entregou de corpo e alma a esta adaptação da popular peça teatral Ernest Thompson. Tendo a oportunidade de dividir a tela com a sua filha, a igualmente talentosa Jane Fonda, Henry conquistou o público e a crítica ao interpretar um idoso fragilizado e com problemas de senilidade obrigado a encarar o medo da morte enquanto curte o verão ao lado da sua esposa e de um rebelde pré-adolescente. Graças a primorosa química entre Henry Fonda e a fantástica Katharine Hepburn, Rydell investiu numa abordagem íntima e agridoce ao desvendar os dilemas deste homem turrão, um personagem encantador que – indiscutivelmente – refletia o estado de espírito do próprio ator. Na trama, inclusive, o irônico Norman tinha uma problemática e distante relação com a sua filha, no longa interpretada pela própria Jane, o que, de certa forma, espelhava a realidade. Isso porque, ao longo da sua vida, Henry e Jane tiveram que enfrentar muitos altos e baixos, a maioria deles em função da paixão do pai pela sua arte e da “independência” da filha para os padrões da época. A ideia de rodar o filme, aliás, partiu da própria filha, que comprou os direitos da peça vendo a oportunidade de (finalmente) contracenar com o seu tão estimado pai. Só por isso, Num Lago Dourado já seria um filme memorável. Felizmente, porém, Rydell não se contentou em explorar os pormenores da família Fonda. Recheado de momentos tenros, o longa encanta ao tratar a velhice dentro de um contexto nobre e elegante, se debruçando sobre os problemas e as virtudes inerentes à idade ao capturar a troca de experiências entre os personagens, ao extrair tudo aquilo que eles tinham a oferecer. Embalado pela luminosa fotografia campestre de Billy Williams, decisiva para a construção da revigorante atmosfera familiar defendida pela obra, Num Lago Dourado se tornou um dos grandes sucessos de público da carreira de Fonda ao render US$ 119 milhões nos EUA. Além disso, a película conquistou três Oscars: Melhor Ator, para o próprio Henry, Melhor Atriz, para Hepburn e Melhor Roteiro. Infelizmente, o veterano das telas e dos palcos já estava frágil demais para colher os frutos deste grande trabalho. No dia 12 de Agosto de 1982, poucos meses depois do lançamento, Henry Fonda faleceu vítima de uma doença crônica no coração. O seu legado, porém, só seria ampliado com a sua última e iluminada contribuição para a Sétima Arte.

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