Como é legal ver o carismático Kurt Russell de volta aos holofotes. Um
dos rostos mais populares do Cinema de Ação oitentista, o ator conquistou os
fãs com personagens singulares em filmes bem particulares, construindo uma
aclamada parceria com o cultuado John Carpenter. Numa época
"dominada" pelos astros Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenneger,
Russell roubou a cena ao encarnar figuras como o 'badass' Snake Pilsen, o
galhofeiro Jack Burton, o indomável Wyatt Earp e o irreverente Gabriel Cash, imprimindo o seu estilo em
produções irônicas, autorais e ainda hoje lembradas com entusiasmo pelos fãs do
gênero. Após uma fase menos inspirada entre o final dos anos 1990 e início dos
anos 2000, o ator reconquistou o seu espaço com títulos como Milagre no Gelo (2004), Poseidon (2006) e
À Prova de Morte (2007). Para a nossa surpresa, entretanto, Kurt Russell parece
ter sido "redescoberto" por Hollywood nos últimos anos, ganhando
papéis de destaques em títulos como o arrasa quarteirões Velozes e Furiosos 7
(2015), o superestimado Os Oito Odiados (2016) e os recém-lançados Velozes e Furiosos 8 (2017) e Guardiões da Galáxia Vol. 2 (2017). Na pele do persuasivo Ego, Russell não só conquistou a
oportunidade de dialogar com as novas gerações, como também voltou a
interpretar um personagem de grande porte, se tornando uma peça importante do
tão cobiçado Universo Cinematográfico da Marvel. Neste Cinco Filmes, portanto,
iremos relembrar os principais trabalhos da fase áurea de Kurt Russell, um ator
que tem muito a oferecer ao mundo do cinema.
- Fuga de Nova York (1981)
Segundo grande lançamento da carreira de John Carpenter, Fuga de Nova
Iorque consolidou a prolífera parceria com o então jovem e pouco conhecido Kurt
Russell. Na pele de um dos heróis do Cinema de Ação mais 'bad-asses' dos anos
oitenta, o anárquico Snake Plissken, o ator mostrou a sua veia cult ao
protagonizar este thriller, um filme recheado de predicados ainda hoje
evidentes. Embora a película possa soar datada aos olhos do espectador mais
desavisado, principalmente junto aos fãs do atualmente frenético Cinema de
Ação, Carpenter mostra o seu pioneirismo ao introduzir um cenário distópico que
se tornaria recorrente em algumas das mais aclamadas produções do gênero. Mesmo
limitado pelos recursos da época, o realizador esbanja categoria ao construir
um cenário sujo e destruído, uma Ilha de Manhattan ocupada por um bando de
delinquentes. Impulsionado pelo primoroso trabalho da equipe de direção de
arte, Carpenter criar um ambiente imersivo e sombrio, realçando o pior dos
elementos urbanos ao construir um cenário que se torna quase um protagonista da
película.
Impecável ao introduzir esta autoral visão de futuro, Fuga de Nova York
conta também com um enredo prático e sucinto. Como se não bastasse o carisma
natural de Kurt Russell, convincente na pele de um homem perigoso inserido numa
missão praticamente suicida, o argumento é criativo ao reforçar a imagem
'bad-ass' do protagonista. Num recurso narrativo que se tornaria recorrente
dentro do gênero, Carpenter é sagaz ao estabelecer o rótulo do personagem,
ampliando o seu status ao apostar por diversas vezes em sentenças do tipo
"eu já ouvi falar de você" e "achei que você estivesse
morto". Em outras palavras, ele constrói o mito em torno do protagonista
sem precisar se distanciar do cenário proposto ou apelar para os didáticos
flashbacks. Com uma premissa simples em mãos, Carpenter é igualmente habilidoso
ao arquitetar as furtivas sequências de ação. Mesmo limitado pelo baixo
orçamento, o diretor mostra inspiração ao substituir a adrenalina pela tensão,
nos brindando com cenas realmente atraentes. Contando ainda com um elenco de
apoio recheado de nomes conhecidos, entre eles Lee Van Cleef, Ernest Borgnine,
Donald Pleasence e Harry Dean Stanton, Fuga de Nova Iorque revela a faceta cult do cinema oitentista numa obra que, embora datada, traz consigo uma série
de predicados ainda hoje autorais.
- O Enigma de Outro Mundo (1982)
O terceiro trabalho da parceria John Carpenter\Kurt Russell, O Enigma de
Outro Mundo é um clássico do cinema de Terror\Sci-Fi. Tenso e extremamente
ousado, Carpenter equilibra o melhor do suspense psicológico e do cine trash ao
entregar uma película ainda hoje singular. Com um ritmo crescente e uma direção
imersiva, O Enigma de Outro Mundo narra as desventuras de um grupo de
cientistas isolados por uma perigosa ameaça espacial. Já na instigante
sequência de abertura, uma perseguição num gélido cenário envolvendo um cão em
fuga e um helicóptero, o realizador fisga a atenção do público com enorme
naturalidade, realçando o aspecto mais misterioso em torno da figura do
antagonista. Fazendo um primoroso uso dos recursos práticos, o aspecto mutante
do alienígena é realmente nojento, Carpenter é igualmente habilidoso ao
esclarecer os enigmas em torno desta figura. Impulsionado pelos desconfortáveis
acordes do mestre Ennio Morricone, o diretor abraça o elemento 'gore' ao
construir as sequências mais violentas, surpreendendo o público com momentos
angustiantes e incômodos. A sequência da cela, por exemplo, é impactante, assim
como a tão comentada cena da massagem cardíaca. O Enigma de Outro Mundo, porém,
ganha contornos bem mais atuais no momento em que invade o terreno do suspense
psicológico.
Inspirado por títulos como Os Vampiros de Alma (1956) e Invasores de
Corpos (1978), John Carpenter brilha ao trazer a paranoia para o centro da
trama, elevando o nível de nervosismo ao acompanhar a desconfiança entre os
isolados cientistas. Com diálogos ágeis e arquétipos bem construídos, o
realizador é categórico ao realçar o clima de mistério, a crescente
instabilidade emocional dentro da instalação. Capitaneado pelo jovem Kurt
Russell, impecável na pele de um piloto inteligente disposto a tomar as
decisões mais complicadas, o diversificado elenco potencializa a crescente
atmosfera de tensão ao traduzir a deterioração emocional imposta por esta
criatura, tornando os conflitos interpessoais totalmente críveis aos olhos do
público. O grande diferencial de O Enigma, entretanto, reside no virtuosismo
técnico de Carpenter. Como se não bastasse os predicados em torno do asqueroso
visual da "coisa", o realizador investe em estilosos enquadramentos,
vide a sequência do bisturi, extraindo o máximo do suspense ao se concentrar
nos detalhes, na expressão dos atores e no aspecto mais onipresente do
antagonista. Contando ainda com a extraordinária fotografia gélida de Dean
Cundey (Jurassic Park, De Volta para o Futuro), O Enigma de Outro Mundo é mais
um 'hit' cult da filmografia de Kurt Russell, um filme intenso e autêntico que
colocou este carismático ator no caminho das grandes produções.
- Os Aventureiros do Bairro Proibido (1986)
Com as suas carreira no auge, John Carpenter e Kurt Russell se reuniram novamente no inusitado Os Aventureiros do Bairro Proibido, um filme que resume a faceta
mais extravagante do cinema oitentista. Na pele de um herói atrapalhado e
relutante, Russell se despiu dos rótulos do gênero ao criar o icônico Jack
Burton, um caminhoneiro convencido que se torna a última linha de defesa da
Terra contra um perigoso feiticeiro asiático. Numa mistura realmente
particular, Carpenter construiu uma aventura que não se leva a sério por um
segundo sequer, equilibrando artes marciais, humor e fantasia com enorme
originalidade Impulsionado pelos personagens exóticos, como não citar o afetado
Lo Pan (James Hong) e a espevitada Gracie Law (Kim Cattrall), efeitos visuais
de primeiro nível para época e uma premissa nonsense carregada de ironia, Os
Aventureiros do Bairro Proibido se tornou um indiscutível clássico cult, uma
produção autoral que ainda hoje se revela um entretenimento de altíssima
qualidade. Como muitas produções do segmento, entretanto, o longa foi um
estrondoso fracasso comercial, culminando no afastamento de John Carpenter do
cinema blockbuster. Com o passar dos anos, porém, o filme se tornou referência
dentro da cultura pop, se tornando um sucesso no mercado caseiro e nas
populares sessões vespertinas. Além disso, o longa influenciou os criadores do
popular game Mortal Kombat, já que os lutadores Raiden e Shang Tsung foram
inspirados, respectivamente, no visual dos personagens Relâmpago e Lo Pan.
- Tango e Cash (1989)
No rastro dos bem sucedidos 48 Horas (1983) e Máquina Mortífera (1987),
Tango e Cash: Os Vingadores explorou o melhor do escapista gênero 'buddy cop
movie'. Equilibrando ação e humor com enorme precisão, o longa dirigido pelo
soviético Andrey Konchalovskiy (Expresso para o Inferno) conquistou o seu
espaço ao investir numa premissa um pouco mais elaborada do que o costume no
segmento. Contando com a invejável química da dupla Kurt Russell e Sylvester
Stallone, o filme narra as desventuras de Ray Tango (Stallone) e Gabriel Cash
(Russell), dois policiais 'badasses' e extremamente respeitados que caem numa
armadilha do chefão do crime organizado da região, o ardiloso Yves Parret (Jack
Palance). Numa improvável parceria, os dois resolvem sair a caça dos
responsáveis pelo crime, sem saber que terão que enfrentar também a corrupção
policial.
Com um ritmo ágil e soluções perspicazes, o processo do julgamento dos
policiais, por exemplo, é narrado com originalidade, Andrey Konchalovskiy
acerta ao construir um filme que não se leva a sério por um segundo sequer. No
auge das suas respectivas carreiras, Russell e Sly arrancam honestas risadas ao
dar liga a esta disfuncional parceria, se despindo de qualquer tipo de vaidade
ao abraçar a proposta bem humorada defendida pela película. Como se não
bastasse as impagáveis trocas de ofensas entre os dois, o longa flerta também
com o humor físico, como na hilária cena do banheiro ou na sequência em que
Russell surge travestido. Não se engane, porém, com a aura cômica da película.
Sem economizar na destruição, o realizador amplia o escopo da trama ao
construir momentos explosivos, fazendo um criativo uso de elementos como a
chuva, o fogo e a eletricidade ao compor as engenhosas cenas de ação. Em suma,
com dois astros à vontade, uma premissa bem resolvida e a radiante Teri Hatcher
enchendo a tela de beleza, Tango e Cash é uma comédia de ação com pedigree, um
filme com o padrão Kurt Russell de irreverência.
- Breakedown: Implacável Perseguição (1997)
Um suspense de ação de tirar o fôlego, Breakdown: Implacável Perseguição
é uma espécie de Encurralado (1971) versão 2.0. Sob a nervosa batuta do sumido
Jonathan Mostow (O Exterminador do Futuro 3: A Rebelião das Máquinas (2003), o
longa esbanja tensão ao narrar as desventuras de um casal diante de uma gangue
de misteriosos 'rednecks'. Com uma premissa simples, mas brilhantemente
executada, o realizador nos brinda com um thriller incisivo e naturalmente
instigante, uma obra capaz de sustentar os seus segredos sem esquecer de
oferecer angustiantes sequências de ação. Por mais que num primeiro momento o
argumento possa soar conveniente, Mostow é habilidoso ao justificar as soluções
mais forçadas, permitindo que o espectador cria uma crescente identificação com
o casal de protagonistas. Na verdade, no último grande trabalho da sua fase
áurea na década de 1990, Kurt Russell convence ao criar um herói humano e
amedrontado. Impulsionado pelo competente roteiro, o ator se transforma em cena
com enorme energia, indo do marido pacato ao homem sem nada a perder com
extrema desenvoltura.
Outro ponto que agrada, e muito, é a construção dos ameaçadores
antagonistas. Sem precisar de muito esforço, Mostow é criativo ao estabelecer o
poder de influência deles e o completo controle da situação, potencializando a
atmosfera de tensão ao realçar o isolamento do "forasteiro" dentro
deste cenário árido e pouco amistoso. Por fim, Breakdown é também um filme tecnicamente
impecável. Como se não bastasse a expansiva fotografia desértica de Douglas
Milsome (Robin Hood) e a pulsante trilha sonora de Basil Poledouris (Conan),
Jonathan Mostow mostra inspiração ao capturar a deterioração física e emocional
do personagem vivido por Russell, indo dos sufocantes planos fechados aos
opressivos enquadramentos abertos com rara desenvoltura. Em suma, recebido com
entusiasmo pela crítica na época do lançamento, Breakdown: Implacável
Perseguição é um suspense intenso e subestimado que não merece cair no
esquecimento. Um ótimo representante do gênero.
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