terça-feira, 9 de maio de 2017

Cinco Filmes... (Kurt Russell)


Como é legal ver o carismático Kurt Russell de volta aos holofotes. Um dos rostos mais populares do Cinema de Ação oitentista, o ator conquistou os fãs com personagens singulares em filmes bem particulares, construindo uma aclamada parceria com o cultuado John Carpenter. Numa época "dominada" pelos astros Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenneger, Russell roubou a cena ao encarnar figuras como o 'badass' Snake Pilsen, o galhofeiro Jack Burton, o indomável Wyatt Earp e o irreverente Gabriel Cash, imprimindo o seu estilo em produções irônicas, autorais e ainda hoje lembradas com entusiasmo pelos fãs do gênero. Após uma fase menos inspirada entre o final dos anos 1990 e início dos anos 2000, o ator reconquistou o seu espaço com títulos como Milagre no Gelo (2004), Poseidon (2006) e À Prova de Morte (2007). Para a nossa surpresa, entretanto, Kurt Russell parece ter sido "redescoberto" por Hollywood nos últimos anos, ganhando papéis de destaques em títulos como o arrasa quarteirões Velozes e Furiosos 7 (2015), o superestimado Os Oito Odiados (2016) e os recém-lançados Velozes e Furiosos 8 (2017) e Guardiões da Galáxia Vol. 2 (2017). Na pele do persuasivo Ego, Russell não só conquistou a oportunidade de dialogar com as novas gerações, como também voltou a interpretar um personagem de grande porte, se tornando uma peça importante do tão cobiçado Universo Cinematográfico da Marvel. Neste Cinco Filmes, portanto, iremos relembrar os principais trabalhos da fase áurea de Kurt Russell, um ator que tem muito a oferecer ao mundo do cinema.

- Fuga de Nova York (1981)


Segundo grande lançamento da carreira de John Carpenter, Fuga de Nova Iorque consolidou a prolífera parceria com o então jovem e pouco conhecido Kurt Russell. Na pele de um dos heróis do Cinema de Ação mais 'bad-asses' dos anos oitenta, o anárquico Snake Plissken, o ator mostrou a sua veia cult ao protagonizar este thriller, um filme recheado de predicados ainda hoje evidentes. Embora a película possa soar datada aos olhos do espectador mais desavisado, principalmente junto aos fãs do atualmente frenético Cinema de Ação, Carpenter mostra o seu pioneirismo ao introduzir um cenário distópico que se tornaria recorrente em algumas das mais aclamadas produções do gênero. Mesmo limitado pelos recursos da época, o realizador esbanja categoria ao construir um cenário sujo e destruído, uma Ilha de Manhattan ocupada por um bando de delinquentes. Impulsionado pelo primoroso trabalho da equipe de direção de arte, Carpenter criar um ambiente imersivo e sombrio, realçando o pior dos elementos urbanos ao construir um cenário que se torna quase um protagonista da película.


Impecável ao introduzir esta autoral visão de futuro, Fuga de Nova York conta também com um enredo prático e sucinto. Como se não bastasse o carisma natural de Kurt Russell, convincente na pele de um homem perigoso inserido numa missão praticamente suicida, o argumento é criativo ao reforçar a imagem 'bad-ass' do protagonista. Num recurso narrativo que se tornaria recorrente dentro do gênero, Carpenter é sagaz ao estabelecer o rótulo do personagem, ampliando o seu status ao apostar por diversas vezes em sentenças do tipo "eu já ouvi falar de você" e "achei que você estivesse morto". Em outras palavras, ele constrói o mito em torno do protagonista sem precisar se distanciar do cenário proposto ou apelar para os didáticos flashbacks. Com uma premissa simples em mãos, Carpenter é igualmente habilidoso ao arquitetar as furtivas sequências de ação. Mesmo limitado pelo baixo orçamento, o diretor mostra inspiração ao substituir a adrenalina pela tensão, nos brindando com cenas realmente atraentes. Contando ainda com um elenco de apoio recheado de nomes conhecidos, entre eles Lee Van Cleef, Ernest Borgnine, Donald Pleasence e Harry Dean Stanton, Fuga de Nova Iorque revela a faceta cult do cinema oitentista numa obra que, embora datada, traz consigo uma série de predicados ainda hoje autorais.

- O Enigma de Outro Mundo (1982)


O terceiro trabalho da parceria John Carpenter\Kurt Russell, O Enigma de Outro Mundo é um clássico do cinema de Terror\Sci-Fi. Tenso e extremamente ousado, Carpenter equilibra o melhor do suspense psicológico e do cine trash ao entregar uma película ainda hoje singular. Com um ritmo crescente e uma direção imersiva, O Enigma de Outro Mundo narra as desventuras de um grupo de cientistas isolados por uma perigosa ameaça espacial. Já na instigante sequência de abertura, uma perseguição num gélido cenário envolvendo um cão em fuga e um helicóptero, o realizador fisga a atenção do público com enorme naturalidade, realçando o aspecto mais misterioso em torno da figura do antagonista. Fazendo um primoroso uso dos recursos práticos, o aspecto mutante do alienígena é realmente nojento, Carpenter é igualmente habilidoso ao esclarecer os enigmas em torno desta figura. Impulsionado pelos desconfortáveis acordes do mestre Ennio Morricone, o diretor abraça o elemento 'gore' ao construir as sequências mais violentas, surpreendendo o público com momentos angustiantes e incômodos. A sequência da cela, por exemplo, é impactante, assim como a tão comentada cena da massagem cardíaca. O Enigma de Outro Mundo, porém, ganha contornos bem mais atuais no momento em que invade o terreno do suspense psicológico.


Inspirado por títulos como Os Vampiros de Alma (1956) e Invasores de Corpos (1978), John Carpenter brilha ao trazer a paranoia para o centro da trama, elevando o nível de nervosismo ao acompanhar a desconfiança entre os isolados cientistas. Com diálogos ágeis e arquétipos bem construídos, o realizador é categórico ao realçar o clima de mistério, a crescente instabilidade emocional dentro da instalação. Capitaneado pelo jovem Kurt Russell, impecável na pele de um piloto inteligente disposto a tomar as decisões mais complicadas, o diversificado elenco potencializa a crescente atmosfera de tensão ao traduzir a deterioração emocional imposta por esta criatura, tornando os conflitos interpessoais totalmente críveis aos olhos do público. O grande diferencial de O Enigma, entretanto, reside no virtuosismo técnico de Carpenter. Como se não bastasse os predicados em torno do asqueroso visual da "coisa", o realizador investe em estilosos enquadramentos, vide a sequência do bisturi, extraindo o máximo do suspense ao se concentrar nos detalhes, na expressão dos atores e no aspecto mais onipresente do antagonista. Contando ainda com a extraordinária fotografia gélida de Dean Cundey (Jurassic Park, De Volta para o Futuro), O Enigma de Outro Mundo é mais um 'hit' cult da filmografia de Kurt Russell, um filme intenso e autêntico que colocou este carismático ator no caminho das grandes produções.

- Os Aventureiros do Bairro Proibido (1986)


Com as suas carreira no auge, John Carpenter e Kurt Russell se reuniram novamente no inusitado Os Aventureiros do Bairro Proibido, um filme que resume a faceta mais extravagante do cinema oitentista. Na pele de um herói atrapalhado e relutante, Russell se despiu dos rótulos do gênero ao criar o icônico Jack Burton, um caminhoneiro convencido que se torna a última linha de defesa da Terra contra um perigoso feiticeiro asiático. Numa mistura realmente particular, Carpenter construiu uma aventura que não se leva a sério por um segundo sequer, equilibrando artes marciais, humor e fantasia com enorme originalidade Impulsionado pelos personagens exóticos, como não citar o afetado Lo Pan (James Hong) e a espevitada Gracie Law (Kim Cattrall), efeitos visuais de primeiro nível para época e uma premissa nonsense carregada de ironia, Os Aventureiros do Bairro Proibido se tornou um indiscutível clássico cult, uma produção autoral que ainda hoje se revela um entretenimento de altíssima qualidade. Como muitas produções do segmento, entretanto, o longa foi um estrondoso fracasso comercial, culminando no afastamento de John Carpenter do cinema blockbuster. Com o passar dos anos, porém, o filme se tornou referência dentro da cultura pop, se tornando um sucesso no mercado caseiro e nas populares sessões vespertinas. Além disso, o longa influenciou os criadores do popular game Mortal Kombat, já que os lutadores Raiden e Shang Tsung foram inspirados, respectivamente, no visual dos personagens Relâmpago e Lo Pan.

- Tango e Cash (1989)


No rastro dos bem sucedidos 48 Horas (1983) e Máquina Mortífera (1987), Tango e Cash: Os Vingadores explorou o melhor do escapista gênero 'buddy cop movie'. Equilibrando ação e humor com enorme precisão, o longa dirigido pelo soviético Andrey Konchalovskiy (Expresso para o Inferno) conquistou o seu espaço ao investir numa premissa um pouco mais elaborada do que o costume no segmento. Contando com a invejável química da dupla Kurt Russell e Sylvester Stallone, o filme narra as desventuras de Ray Tango (Stallone) e Gabriel Cash (Russell), dois policiais 'badasses' e extremamente respeitados que caem numa armadilha do chefão do crime organizado da região, o ardiloso Yves Parret (Jack Palance). Numa improvável parceria, os dois resolvem sair a caça dos responsáveis pelo crime, sem saber que terão que enfrentar também a corrupção policial.


Com um ritmo ágil e soluções perspicazes, o processo do julgamento dos policiais, por exemplo, é narrado com originalidade, Andrey Konchalovskiy acerta ao construir um filme que não se leva a sério por um segundo sequer. No auge das suas respectivas carreiras, Russell e Sly arrancam honestas risadas ao dar liga a esta disfuncional parceria, se despindo de qualquer tipo de vaidade ao abraçar a proposta bem humorada defendida pela película. Como se não bastasse as impagáveis trocas de ofensas entre os dois, o longa flerta também com o humor físico, como na hilária cena do banheiro ou na sequência em que Russell surge travestido. Não se engane, porém, com a aura cômica da película. Sem economizar na destruição, o realizador amplia o escopo da trama ao construir momentos explosivos, fazendo um criativo uso de elementos como a chuva, o fogo e a eletricidade ao compor as engenhosas cenas de ação. Em suma, com dois astros à vontade, uma premissa bem resolvida e a radiante Teri Hatcher enchendo a tela de beleza, Tango e Cash é uma comédia de ação com pedigree, um filme com o padrão Kurt Russell de irreverência.

- Breakedown: Implacável Perseguição (1997)


Um suspense de ação de tirar o fôlego, Breakdown: Implacável Perseguição é uma espécie de Encurralado (1971) versão 2.0. Sob a nervosa batuta do sumido Jonathan Mostow (O Exterminador do Futuro 3: A Rebelião das Máquinas (2003), o longa esbanja tensão ao narrar as desventuras de um casal diante de uma gangue de misteriosos 'rednecks'. Com uma premissa simples, mas brilhantemente executada, o realizador nos brinda com um thriller incisivo e naturalmente instigante, uma obra capaz de sustentar os seus segredos sem esquecer de oferecer angustiantes sequências de ação. Por mais que num primeiro momento o argumento possa soar conveniente, Mostow é habilidoso ao justificar as soluções mais forçadas, permitindo que o espectador cria uma crescente identificação com o casal de protagonistas. Na verdade, no último grande trabalho da sua fase áurea na década de 1990, Kurt Russell convence ao criar um herói humano e amedrontado. Impulsionado pelo competente roteiro, o ator se transforma em cena com enorme energia, indo do marido pacato ao homem sem nada a perder com extrema desenvoltura.


Outro ponto que agrada, e muito, é a construção dos ameaçadores antagonistas. Sem precisar de muito esforço, Mostow é criativo ao estabelecer o poder de influência deles e o completo controle da situação, potencializando a atmosfera de tensão ao realçar o isolamento do "forasteiro" dentro deste cenário árido e pouco amistoso. Por fim, Breakdown é também um filme tecnicamente impecável. Como se não bastasse a expansiva fotografia desértica de Douglas Milsome (Robin Hood) e a pulsante trilha sonora de Basil Poledouris (Conan), Jonathan Mostow mostra inspiração ao capturar a deterioração física e emocional do personagem vivido por Russell, indo dos sufocantes planos fechados aos opressivos enquadramentos abertos com rara desenvoltura. Em suma, recebido com entusiasmo pela crítica na época do lançamento, Breakdown: Implacável Perseguição é um suspense intenso e subestimado que não merece cair no esquecimento. Um ótimo representante do gênero.

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