sexta-feira, 2 de março de 2018

Top 10 (Vencedores do Oscar de Melhor Filme)


Neste domingo (04) acontece mais uma edição do Oscar, a premiação das premiações quando o assunto é a Sétima Arte. Ao longo das últimas semanas, eu tenho tentado dar o máximo de atenção possível ao evento, postando críticas, artigos e as nossas tão queridas listas sobre o celebrado prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Neste Top 10, porém, resolvi além do factual. Ao longo de 89 edições, o Oscar já premiou uma série de obras-primas da Sétima Arte, títulos que com o passar dos anos se mantiveram no imaginário dos fãs de cinema. O que falar de clássicos do quilate de ...E o Vento Levou (1939), A Um Passo da Eternidade (1953), Sindicato dos Ladrões (1954), Ben-Hur (1959) Lawrence da Arábia (1962) e Amadeus (1984), vencedores do Oscar de Melhor Filme que se tornaram referência dentro dos seus respectivos gêneros. Dito isso, neste Top 10 resolvi fazer a minha lista com alguns dos grandes vitoriosos na categoria mais importante desta premiação. Uma seleção dificílima que levará em consideração, apenas, o meu gosto pessoal. Simples assim. 

10º Sem Novidade no Front (1930) 


Um verdadeiro soco no estômago, Sem Novidade no Front adota um poderoso discurso antimilitarista ao revelar as consequências de uma guerra na rotina de um grupo de jovens e iludidos alemães. Inspirado no livro homônimo do escritor alemão Erich Maria Remarque, o longa dirigido pelo vencedor do Oscar Lewis Milestone (O Grande Motim) é contundente ao mostrar a degradação física e emocional dos combatentes, expondo os traumas, a dor e a incoerência por trás de um conflito do porte da 1ª Guerra Mundial. Lançado em 1930, pouco tempo antes do início da 2º Grande Guerra, o drama abre mão do maniqueísmo ao não escolher lados, escancarando a trágica realidade do confronto ao colocar em cheque os manipuladores discursos políticos e ideológicos. Um épico à frente do seu tempo, inclusive no que diz respeito ao aspecto tecnológico, Sem Novidade no Front se revela um daqueles dramas de guerra totalmente indispensáveis. No embalo da atuação do expressivo Lew Ayres, impecável ao compor um tipo ora bravo e idealista, ora frio e traumatizado, Lewis Milestone abdica do heroísmo ao propor um relato visceral, crítico e essencialmente humano sobre o impacto do conflito na rotina dos sobreviventes. Um relato memorável, marcado por seu forte tom crítico, por diálogos corajosos e por cenas naturalmente assombrosas. 

9º A Ponte do Rio Kwai (1958) 


Durante o processo de pesquisa para a confecção deste texto, me peguei surpreendido com o fato de A Ponte do Rio Kwai ter sido lançado em 1958. Isso porque hoje, seis décadas depois, é fácil enxergar a modernidade desta verdadeira pérola dos filmes de guerra. Com uma das trilhas sonoras mais marcantes da história da Sétima Arte, o longa dirigido por David Lean agitou as engrenagens do gênero ao investir numa abordagem humana e vibrante. Inspirado no romance de Pierre Boullie, este épico dramático privilegiou o micro em detrimento do macro ao narrar a desaventurada história de um grupo de prisioneiros ingleses obrigados pelo exército nipônico a construir uma gigantesca ponte. Numa abordagem totalmente multidimensional, Lean estreitou os laços entre aliados e inimigos ao se debruçar sobre uma série de questões inerentes ao conflito, se esquivando das velhas rixas dualísticas a discutir temas como a ética e a moral dentro de uma guerra. Impulsionado pelas brilhantes performances de William Holden e Alec Guinness, o realizador enche a tela de tensão ao contrastar a disciplina de um oficial britânico disposto a comprovar a superioridade da sua tropa, com a rebeldia de um militar americano inconformado com o esforço dos seus companheiros de campo de concentração, uma rixa íntima que culmina num dos clímax mais poderosos do segmento. Um desfecho potencializado pelo virtuosismo técnico de David Lean que, numa época em que os efeitos digitais nem sonhavam em existir, investiu pesado em recursos práticos, inclusive na construção de uma ponte real, o que torna tudo - ainda hoje - muito real aos olhos do público. Um esforço recompensado com justiça pelos membros da Academia, e isso num ano em que outros dois filmaços estavam na disputa, os instigantes Doze Homens e Uma Sentença e Testemunha de Acusação. 

A Malvada (1950) 


Numa época em que filmes como O Artista (2011), Birdman (2014), Acima das Nuvens (2014) e O Último Ato (2015) se destacaram ao apresentar os bastidores da indústria do entretenimento, o clássico A Malvada (1950) é um daqueles preciosos trabalhos que merecem estar sob os holofotes. Contando com as espetaculares presenças de Bette Davis (A Rainha Tirana) e Anne Baxter (Os Dez Mandamentos), o drama vencedor de seis Oscars impressiona ao narrar o envolvente jogo de interesses entre uma grande dama do teatro e uma misteriosa e devotada fã. Mostrando os perigos em torno do egocentrismo e da ambição, o diretor Joseph L. Mankiewicz (Cleópatra) promove um relato cínico e extremamente atual sobre as questões morais envolvendo a incansável busca e a manutenção do estrelato. Um filme que, tal qual uma verdadeira estrela do Cinema ou do Teatro, sobreviveu ao tempo e segue como um dos relatos mais particulares sobre os bastidores de Hollywood. Muito em função, é verdade, da força do seu primoroso texto, um argumento envolvente que, apesar do seu refinamento, revela uma universalidade de fazer inveja a qualquer grande produção "popularesca" da TV. Pena que o preconceito com a fotografia em preto e branco seja um entrave para clássicos do quilate de A Malvada. 

7º O Franco Atirador (1979) 


Um dos relatos mais contundentes sobre os traumas impostos pela guerra do Vietnã, O Franco Atirador é uma obra completa. Um filme 3 em 1. Esbanjando realismo, o longa dirigido pelo talentoso Michael Cimino vai da comoção a revolta ao narrar o antes, durante e o depois de um soldado. Com a coragem para colocar o dedo na ferida, o diretor brilha ao acompanhar os passos dos amigos vividos por Robert De Niro, Christopher Walken e John Savage. Num primeiro momento, Cimino enche a tela de afeto ao narrar a rotina dos jovens (e ainda idealistas) aspirantes antes do embarque, realçando a paisagem bucólica do interior dos EUA ao capturar a unidade, a leveza e a conexão entre os personagens. Numa quebra marcante, o diretor troca a calmaria pela tensão ao acompanhar os passos do trio em território inimigo, investindo numa abordagem mais fria ao traduzir a desesperança, o desespero e a dor dos envolvidos. Na transição para o terceiro ato, porém, é que Cimino faz de O Franco Atirador uma poderosa crítica sobre os malefícios da guerra. Esqueça o clima de frieza. No último ato ele investe numa abordagem quente e nervosa, um relato sobre a instabilidade dos sobreviventes que culmina numa sequência chocante e desoladora. Um retrato corajoso sobre o destino de um grupo de jovens quebrados pelo conflitos, "fantasmas" de uma realidade caótica e destrutiva. Esse, aliás, foi o último filme de John Cazale, que, pouco tempo antes do término das filmagens, faleceu vítima de um câncer. Na época, inclusive, diante da fragilidade do ator, os produtores chegaram a cogitar o seu desligamento, mas, Meryl Streep, na época casada com ele, exigiu a sua manutenção afirmando que também deixaria o projeto caso a demissão fosse sacramentada. Felizmente, eles voltaram atrás e Streep, na pele do interesse romântico de um dos traumatizados militares, entregou uma das grandes performances da sua filmografia. 

6º Os Imperdoáveis (1992) 


Um dos gigantes do Western, Clint Eastwood revisitou este gênero tão popular com sensibilidade e intimismo no extraordinário Os Imperdoáveis. Quase três décadas após protagonizar a icônica Trilogia dos Dólares, o veterano voltou ao gênero que o consagrou numa história de vingança seca e realista. Esqueça o glamour dos tempos passados. O pistoleiro sem nome envelheceu, se tornou solitário e errático, uma visão nada piedosa que ajudou no resgate deste segmento em Hollywood. Impulsionado pela direção delicada de Eastwood, magnífico ao contrastar a violência do velho oeste com as belas paisagens do interior dos EUA, o longa narra as desventuras de um caubói aposentado (Eastwood) que é contratado para vingar uma prostituta que teve o seu rosto retalhado por um abusivo cliente. Ao lado do seu fiel parceiro, o consciente Ned (Morgan Freeman), ele parte atrás do homem, sem saber que a sua jornada se tornaria muito perigosa no momento em que os dois cruzassem o caminho do nefasto xerife Little Bill (Gene Hackman). Com uma linha narrativa intensa, personagens brilhantemente escritos, uma fotografia poderosa e sequências memoráveis, Os Imperdoáveis se revela um Western à altura dos grandes clássicos do gênero. Um filme autoral comandado por um grande contador de histórias. 

5º Casablanca (1942) 


Uma verdadeira obra-prima do cinema norte-americano, Casablanca segue instigante após sete décadas do seu lançamento. Com um texto afiadíssimo, uma direção envolvente, atuações memoráveis e uma premissa naturalmente atraente, o longa dirigido por Michael Curtiz usou a Segunda Guerra Mundial como o pano de fundo para a construção de um vibrante thriller romântico. Embora a tensão seja evidente ao longo da trama, o realizador norte-americano brilha ao investir num memorável triângulo amoroso, realçando a essência dos seus personagens na composição de uma história de amor densa e magnética. De um lado temos o astuto Rick (Humphrey Bogart), um homem frio e charmoso que, no auge do conflito, lutava para manter o seu restaurante neutro numa confusa Casablanca. Do outro temos o revolucionário Victor Laslo (Paul Henreid), um tipo idealista que, após escapar de um campo de concentração, encontra nesta "pacífica" região a brecha que precisava para escapar imponência europeia das tropas Nazistas. No meio disso estava a bela Ilsa (Ingrid Bergman), uma mulher destemida que, após uma difícil decisão, se depara com um amor do seu passado. Impecável ao reforçar os contrastes (e a química) entre os personagens, Curtiz extrai o máximo do seu talentoso elenco no desenvolvimento destes icônicos personagens. Enquanto Bogart cria um tipo ardiloso e amargurado que, no seu olhar, esconde a humanidade dos dias passados, Henreid e Bergman capturam com o afinco a honradez dos seus respectivos papéis, um contraste soberbamente explorado ao longo da película. Recheado de diálogos e sequências memoráveis, o que dizer da arrepiante cena do bar ao som do hino francês, Casablanca é uma obra atemporal, um filme moderno e estiloso que insiste em não envelhecer. 

Um Estranho no Ninho (1975) 


Um dos três únicos filmes a levar para a casa as cinco principais estatuetas do Oscar, entre elas a de Melhor Filme e Direção, Um Estranho no Ninho (1975) é um drama com o selo de insanidade do extraordinário Jack Nicholson. Antes de brilhar na pele de um instável pai em O Iluminado (1980), como o icônico Coringa em Batman (1989), como um metódico vizinho em Melhor é Impossível (1997) e como um excêntrico mafioso em Os Infiltrados (2006), este inestimável nome do cinema americano abraça a loucura ao entregar uma das performances mais humanas da sua carreira. Sob a batuta do excelente Milos Forman, do épico musical Amadeus (1984), Nicholson enche a tela de energia ao dar vida a um homem capaz de enxergar toda a crueldade presente numa instituição para doentes mentais. Mais do que um grito de alerta envolvendo a maneira inacreditável com que os pacientes eram tratados na época, Um Estranho no Ninho é um longa sobre companheirismo e igualdade. Um relato comovente potencializado pelas extraordinárias atuações e pela honestidade com que aborda um tema tão delicado. Em sua mais pura essência, portanto, Um Estranho no Ninho se revela então um filme sobre o poder do diálogo, sobre a capacidade de compreender e ser compreendido. 

A Lista de Schindler (1994) 


E como podemos esquecer do chocante A Lista de Schindler. Inspirado na fantástica história real de Oskar Schindler, um empresário astuto e oportunista que fez da sua influência uma poderosa arma na luta contra o holocausto, o longa estrelado por Liam Neeson se tornou um dos símbolos da filmografia de Steven Spielberg, principalmente pela forma como valoriza o fator humano por trás deste grande conflito. Numa obra com mais de três horas de duração, o realizador emociona ao expor não só a dor, a degradação e trágica rotina nos campos de concentração, como também a crueldade, a ignorância e a tirania dos nazistas. Brindando-nos com uma série sequências primorosas, vide a sutileza com que ele utiliza a cor em dois momentos dilacerantes, Spielberg é cuidadoso ao transitar também por temas como a manipulação da informação e a construção do discurso de ódio aos judeus, se esquivando a qualquer custo da unidimensionalidade ao construir um relato poderoso e indiscutivelmente abrangente. Contando ainda com as inspiradas atuações de Ben Kingsley e Ralph Fiennes, A Lista de Schindler é ainda um filme tecnicamente impressionante. Apesar da elegante roupagem em preto e branco, Steven Spielberg não poupa o espectador ao expor o lado mais conflito do sombrio, ao reproduzir a violência e o sofrimento imposta pelos nazistas, um teor realístico potencializado pela incrível direção de arte e pela expansiva fotografia de Janusz Kaminski. 

2º Titanic (1997) - Empate -


Ao longo dos quase dez anos de blog Cinemaniac, já manifestei diversas vezes o meu apreço por Titanic. Como se não bastasse a experiência cinematográfica que foi assisti-lo na tela grande, numa sessão abarrotada num dos mais tradicionais cinemas de rua do RJ na década de 1990, o longa dirigido por James Cameron atraiu a minha atenção para a cerimônia do Oscar. É por essas e por outras, aliás, que sempre vou me opor ao pretenso "elitismo" de certas premiações e questionar a incapacidade da Academia em reconhecer a qualidade (quando necessário) dos gigantescos blockbusters. Feito este pequeno adendo, Titanic está nesta seleta lista justamente por dar ao público o melhor que a Sétima Arte tem a oferecer. Ao longo das quase três horas de projeção, Cameron conquistou uma geração aos nos brindar com uma poderosa história de amor, nos conduzindo para uma outra época numa obra imersiva, emocionante e naturalmente envolvente. Usando como pano de fundo a tragédia envolvendo o naufrágio do navio Titanic, o realizador encontra os ingredientes necessários para a construção de um memorável triângulo amoroso. Fazendo um primoroso uso do duelo de classes, Cameron investe num daqueles romances impossíveis ao dar corpo a relação entre um jovem da classe C e uma dama da elite britânica. Com Kate Winslet e Leonardo Dicaprio esbanjando química em cena, o diretor revelou o seu reconhecido virtuosismo técnico ao tornar tudo tão verossímil aos olhos do público, resgatando a ousadia da velha Hollywood ao (re)construir este gigantesco navio em seus mínimos detalhes. O resultado foi uma película que se tornou sinônimo de recordes. Vencedor de 11 Oscars, Titanic foi durante um bom tempo a maior bilheteria da história, um retorno que sintetiza o impacto desta estrondosa película.

2º Onde Os Fracos não tem Vez (2007) - Empate -


Facilmente um dos meus filmes favoritos, Onde os Fracos Não tem Vez trouxe a ferocidade do velho oeste para os atuais centros urbanos numa obra cínica sobre a efemeridade da vida. Sob a estilosa batuta dos irmãos Ethan e Joel Coen, o longa presta uma modernizada reverência aos clássicos Westerns num retrato amoral sobre o crime organizado atual. Troque o roubo de cargas pelo tráfico de drogas. Troque os donos de ferrovias pelos carteis mexicanos. Numa história imprevisível do primeiro ao último minuto, os Coen’s constroem o seu agressivo círculo vicioso ao narrar a jornada de um homem comum (Josh Brolin) que, na hora errada, no local errado, decide roubar o dinheiro de uma transação mal resolvida. O que era para ser o grande golpe de sorte da sua vida, entretanto, logo se torna o seu pior pesadelo quando o dono da fortuna decide colocar o seu pior assassino (Javier Bardem) no rastro do dinheiro. Com uma premissa aparentemente simples em mãos, a dupla de realizadores instiga ao se preocupar em valorizar o fator humano em meio ao caos, em dedicar o tempo preciso para que possamos criar identificação (ou repulsa) com cada um dos personagens. Impulsionado pela assombrosa performance de Javier Bardem, a face desta distorcida crônica moral sobre a ganância nos grandes centros urbanos, Onde os Fracos Não tem Vez se revela uma experiência angustiante, uma obra empolgante e genuinamente tensa que por méritos inquestionáveis alcançou a consagração ao levar o Oscar de Melhor Filme. O mais justo e indiscutível desde então.

1º O Poderoso Chefão (1973) e O Poderoso Chefão - Parte 2 (1975) 


Tecer elogios sobre O Poderoso Chefão é algo quase desnecessário. Um dos grandes nomes do movimento conhecido como a Nova Hollywood, Francis Ford Coppola capturou a essência da obra de Mario Puzzo, resgatando os filmes de máfia em duas obras inesquecíveis. Com glamour e intensidade, Coppola criou uma obra capaz de transitar entre os dois mundos, um filme adorado pela crítica, respeitado pelo público. Impecável ao retratar o 'modus operandi' de uma organização criminosa, o longa transformou a saga do clã Corleone numa modelo de sucesso dentro do segmento, extraindo a humanidade por trás da violência ao se encantar pela pluralidade dos seus personagens. Pelo senso de família de Don Corleone (Marlon Brando), pela impulsividade de Sonny (James Caan), pela fragilidade de Fredo (John Cazale), pela explosão do idealista Michael (Al Pacino), pela lealdade de Tom (Robert Duvall). Recheado de momentos memoráveis, potencializados pelo pulso narrativo de Coppola, pelas estrondosas atuações e pela força do texto de Puzzo, O Poderoso Chefão e Poderoso Chefão - Parte 2 são os meus filmes prediletos desta seleta lista. 

Hors concours 

- Aurora (1927) 


Uma verdadeira pérola do cinema mudo, Aurora (1927) resume em sua essência o poder da sétima arte. Dirigido por um dos "porta vozes" do Expressionismo Alemão, o aclamado F.W. Murnau (Nosferatu), o longa provoca os sentimentos do espectador ao acompanhar as desventuras de um casal atormentado pelo fantasma da traição. Numa virtuosa mistura de gêneros, o realizador germânico brinca com as nossas expectativas ao construir uma história ora sufocante, ora acolhedora, permitindo que o público experimente com absoluta intensidade o turbilhão de emoções enfrentado pelos protagonistas. O resultado é uma obra marcada por sequências poderosas, por pioneiros recursos estéticos e pelas primorosas atuações da dupla Janet Gaynor e George O'Brien. Inspirado no conto Viagem a Tilsit, do escritor Hermann Sudermann, o argumento assinado por Carl Mayer adota uma abordagem poética ao discutir o impacto da infidelidade na rotina de um jovem casal. Numa proposta humana e original, o roteiro disseca as emoções dos dois personagens com absurda honestidade, tornando as suas ações e reações naturalmente instigantes aos olhos do público. Na trama, durante as férias de verão, um fazendeiro casado (O'Brien) se apaixona perdidamente por uma moça da cidade (Margaret Livingston, impecável). Envolvido pelo charme da amante, ele é colocado contra a parede quando ela sugere um plano abominável envolvendo a sua adorável esposa (Gaynor). Torturado por esta nociva relação, o errático marido resolve dar início a este nefasto esquema, sem saber o quão surpreendentes seriam as consequências das suas atitudes. Embalado pela revolucionária trilha sonora do compositor Hugo Riesenfeld, que transita entre os gêneros com absoluta maestria, Aurora é uma obra completa. A perfeita união entre imagem e narrativa. Um filme que lá em 1929, na primeira edição do Oscar, levou a estatueta dourada de melhor produção cinematográfica única e artística. Um prêmio nunca mais concedido a qualquer outro filme. 

Menções (Muito) Honrosas 

- Aconteceu Naquela Noite (1934) 


O avô das comédias românticas, Aconteceu Naquela Noite é o tipo de clássico ajudou a definir as engrenagens de um gênero. Dirigido pelo mestre Frank Capra, o adorável 'road-movie' estrelado pela dupla Clark Gable e Claudette Colbert estabeleceu a fórmula que ditaria a renovação dos tão populares romances de Hollywood, adicionando uma generosa dose de humor a uma mistura que viria a ser replicada mais a frente em clássicos do quilate de Núpcias de um Escândalo, Quanto mais Quente Melhor, Harry e Sally, Uma Linda Mulher, Quatro Casamentos e um Funeral, O Diário de Bridget Jones e muitos outros títulos do gênero. Numa obra a frente do seu tempo, Capra mostra a sua otimista (mas nunca ingênua) visão de mundo ao narrar as desventuras de uma jovem ricaça que, após ver o seu zeloso pai vetar o seu casamento com um milionário piloto, decide fugir anonimamente rumo a Nova Iorque. No meio do caminho ela cruza o caminho de um irônico jornalista, um homem de princípios que decide ajudá-la a cumprir a sua "missão". Não demora muito, porém, para que os dois entrassem em rota de colisão, iniciando uma conflitante e apaixonante relação. Numa abordagem "moderna" para a época, Frank Capra enche a tela de sentimento ao capturar a extraordinária química entre os Gable e Colbert, realçando a sensualidade da atriz e o charme do ator em uma enérgica história de amor. Uma obra envolvente e genuinamente engraçada que atinge o seu ápice na fantástica sequência final, um desfecho genial (e sofisticadamente safadinho para a época) que só reforça a assinatura atemporal de um dos gigantes de Hollywood. 

- Rocky: Um Lutador (1977) 


A 49ª edição do Oscar, a meu ver, trouxe a melhor safra de indicados ao prêmio de melhor filme. Diante de clássicos como Todos os Homens do Presidente, Rede de Intrigas e Taxi Driver, porém, a Academia surpreendeu ao consagrar o - até então - pequeno Rocky: Um Lutador com a tão cobiçada estatueta dourada. Muitos, inclusive, tratam o êxito do longa como uma injustiça. Discordo veementemente. Embora reconheça o êxito da trinca acima, três filmaços, Rocky é uma pérola do "faça você mesmo", o triunfo de um realizador que apostou todas as suas fichas na Sétima Arte. Num projeto autoral e decisivo para a carreira de Sylvester Stallone, o icônico pugilista Rocky Balboa ganhou vida na cabeça de Sly após o então aspirante a ator assistir a incrível performance do desconhecido Chuck Wepner diante do campeão mundial Muhammad Ali. Em apenas três dias, Stallone finalizou o projeto e partiu atrás de um produtor, sem saber que a grande maioria relutaria em aceitá-lo como o protagonista da sua própria trama. Sem o aporte financeiro dos grandes estúdios, o ator rodou o longa de maneira apertada em apenas 28 dias, gastando um pouco mais de US$ 1 milhão na produção. O resultado, porém, todos sabem, e Rocky - O Lutador se tornou um estrondoso sucesso de público e crítica. Vencedor do Oscar de Melhor Filme e Melhor Direção, para John G. Avildsen, o longa não só deu a Stallone a possibilidade de trilhar uma carreira com muitos mais altos do que baixos, mas também nos apresentou a uma das franquias mais respeitadas do cinema. 

- Coração Valente (1996) 


"Freeedommm!" Com Mel Gibson no melhor estilo Mel Gibson, O Coração Valente mostrou as sequelas da guerra sob um prisma violento, imponente e naturalmente sujo. Idealismo, força, traição, honra, transitando por temas naturalmente espinhosos, o longa estrelado pelo próprio Gibson conquistou o público e a crítica ao pintar um retrato particular sobre a luta dos escoceses pela independência do Reino Unido. Embora derrape aqui ou ali quando o assunto é a fidelidade histórica, o versátil realizador conseguiu capturar a essência do confronto, traduzindo o forte senso de estratégia e o poder de retórica de William Wallace ao investir numa obra recheada de gigantescas batalhas, inúmeros figurantes e sequências de ação brilhantemente orquestradas. É quando se concentra no aspecto micro, porém, que Mel Gibson revela a intensidade da sua obra. Com uma forte carga humana, ele se debruça sobre as falhas dos seus personagens, as relações, os laços mais estreitos e o instigante jogo de poder, reforçando o argumento com um plot tenso e instigante. O resultado é um épico completo, um filme de guerra à moda antiga que ainda hoje se faz muito presente no imaginário dos fãs da Sétima Arte. Um status valorizado pela poderosa trilha sonora James Horner, pela imagética fotografia campestre de John Toll e pelas fantásticas atuações do talentoso elenco. 

- Gladiador (1999) 


"Meu nome é Maximus Decimus Meridius, comandante dos exércitos do North, General das Legiões de Felix, um servo leal do verdadeiro imperador, Marcus Aurelius. Pai de um filho assassinado, marido de uma esposa assassinada. E eu terei a minha vingança, nesta vida ou na próxima." Que frase, que cena! O Spartacus do novo milênio, Gladiador é um espetáculo que de tempos em brotam em Hollywood. Vencedor do Oscar na categoria de Melhor Filme, o longa estrelado por Russell Crowe reúne o melhor da filmografia de Ridley Scott. Fazendo um primoroso uso dos recursos digitais, o realizador elevou o nível da brincadeira ao recriar alguns dos mais icônicos monumentos históricos, entre eles o Coliseu, dando ao longa um cenário grandioso e extremamente realístico. Indo além das magníficas sequências de ação, Scott investe também numa história robusta, uma jornada de redenção envolvendo um ex-comandante obrigado a se tornar escravo após perder toda a sua família. Impulsionado pelas excelentes atuações do trio Russell Crowe, Joaquin Phoenix e Djimon Hounsou, Gladiador reinaugurou o gênero épico dentro do formato digital, se tornando o primeiro numa safra que teve O Senhor dos Anéis, Troia, Cruzada e o popular 300. 

- Os Infiltrados (2007) 


Um thriler de ação vibrante e visceral, Os Infiltrados (2007) prova que alguns remakes não são apenas úteis, mas necessários. Refilmagem do suspense Conflitos Internos (2002), uma obra de Hong Kong que foi pouco assistida do lado de cá do ocidente, o longa estrelado por Leonardo DiCaprio, Matt Damon e Jack Nicholson é um daqueles títulos vigorosos e imprevisíveis. Com uma premissa recheada de sufocantes reviravoltas, Scorsese eleva a escala de tensão à última potência ao criar um jogo de gato e rato instigante e surpreendente. Contando com um experiente elenco de apoio e uma enérgica trilha sonora, o veterano nos brinda ainda com repentinas sequências de ação, daquelas que chegam a hipnotizar tamanho realismo e força. Sem medo de errar, um dos trabalhos mais marcantes deste aclamado realizador. 

- Guerra ao Terror (2010) 


Um relato incisivo sobre a guerra do Iraque, Guerra ao Terror colocou o espectador no meio do conflito ao acompanhar a tênue situação de um militar do esquadrão antibombas. Sob a intensa batuta de Kathryn Bigelow, que, graças a esse filme, se tornou a primeira mulher a levar o Oscar de Melhor Direção, o longa estrelado por Jeremy Renner propôs um magnifico estudo de personagem, um relato provocante sobre a pressão, o desespero, a angústia e a adrenalina experimentada por um soldado em (um instável) território inimigo. Inspirado na rotina deste grupo de abnegados soldados, Mark Boal fincou os dois pés na realidade ao capturar a vulnerabilidade dos militares num conflito em que o inimigo não tem rosto, transitando habilmente entre a crítica e o entretenimento ao mostrar a realidade como ela era. Mesmo limitada pelo baixo orçamento, aliás, Bigelow elevou a escala de tensão ao investir pesado no recurso da super câmera lenta, nos presenteando com uma obra tecnicamente e narrativamente impactante.

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