Íntimo e revelador, Gabriel e a
Montanha convida o espectador para uma reveladora viagem ao narrar os últimos
meses de vida do economista carioca Gabriel Buchman, um jovem idealista que foi
encontrado morto, em 2009, durante uma viagem pelo continente africano. Sob a
batuta de Felipe Barbosa (do irregular Casa Grande), amigo pessoal do biografado,
o longa causa um misto de sensações ao tentar mostrar a face mais humana e
contraditória deste idealista jovem, se distanciando das “lágrimas fáceis” ao
respeitar o espírito alegre e extrovertido do biografado. Ao trocar o luto da
tragédia pelo entusiasmo das transformadoras experiências vividas.
Impulsionado pela magnífica fotografia naturalista de Pedro Sotero (O Som ao Redor), o realizador é criativo ao transitar habilmente entre o tom documental e o ficcional, usando imagens de arquivo, depoimentos reais e não atores – costurados com fluidez à trama pela envolvente montagem - para recriar os determinados últimos passos de Gabriel por países como o Quênia, a Zâmbia e a República do Malawi. Disposto a dar voz aos anseios do protagonista, um acadêmico cansado da teoria que decidiu encarar (e expor) a paupérrima realidade de alguns países africanos, Felipe Barbosa não poupa esforços para reproduzir as experiências vividas pelo seu querido amigo. Mais do que simplesmente filmar no continente africano, o diretor decidiu recriar os laços do biografado, contar as suas histórias mais pessoais, mostrar as suas amizades, os seus percalços, encontrando alguns dos personagens que cruzaram o seu caminho num recorte denso, sóbrio e emocionante.
Através do olhar inexperiente dos
(dedicados) não atores percebemos o quão importante foi a jornada de Gabriel. O
quão sincera foi a relação e a troca de experiências durante este período. O
quão reconfortante pode ser o olhar de afeto estrangeiro numa região “esquecida”
pelo mundo. Tudo soa muito verdadeiro aos olhos do público. Sem a intenção de
tratar os locais como vítimas, Felipe Barbosa acerta ao não interferir nesta
linha narrativa, ao mostrar a rotina de muitos cidadãos sob uma ótica real e naturalista.
É interessante ver, por exemplo, o esmero do argumento em construir o elo entre
o biografado e os personagens, ao realçar tanto o esforço do ‘muzunga’ para ser
tratado como um local, quanto o misto de desconfiança e curiosidade dos africanos
para com este inusitado turista. Felipe Barbosa, porém, não parece interessado
em reverenciar a figura de Gabriel. Após entender a missão do biografado
durante o imersivo primeiro ato, o argumento é cuidadoso ao mostra-lo como um
homem comum, repleto de falhas e virtudes. No embalo da expansiva performance do
carismático João Pedro Zappa, o realizador se encanta não só pela persona
humanitária e altruísta do viajante, como também pela sua face mais teimosa,
incoerente e arrogante. A partir da franca relação entre ele e a sua namorada
Nina, interpretada com afinco pela magnética Carolina Abras, Barbosa consegue
evidenciar o melhor e o pior deste personagem, o tratando como uma figura do
mundo, um tipo independente com um perigoso espírito aventureiro. O que fica bem
claro no nebuloso último, quando o diretor, num desfecho frio e silencioso, parece
sofrer enquanto realça a ingênua inconsequência do biografado. Enquanto narra
as solitárias últimas horas de vida do seu querido amigo. Uma missão difícil
cumprida com um misto de melancolia e ternura.
No final das contas, embora pese
a mão em um ou dois momentos no que diz respeito aos deslocados debates teóricos,
Gabriel e a Montanha deixa o luto de lado ao encher a tela de vida, de energia,
pintando um retrato vibrante e visualmente expressivo sobre um viajante
destemido que buscou numa África resiliente o combustível necessário para lutar
pela igualdade e pelo bem-estar dos mais necessitados. E isso sem a pretensão
de transforma-lo numa espécie de herói, o que, indiscutivelmente, se revela um
dos maiores méritos desta valorosa produção nacional.
Nenhum comentário:
Postar um comentário