
Impulsionado pela magnífica fotografia naturalista de Pedro Sotero (O Som ao Redor), o realizador é criativo ao transitar habilmente entre o tom documental e o ficcional, usando imagens de arquivo, depoimentos reais e não atores – costurados com fluidez à trama pela envolvente montagem - para recriar os determinados últimos passos de Gabriel por países como o Quênia, a Zâmbia e a República do Malawi. Disposto a dar voz aos anseios do protagonista, um acadêmico cansado da teoria que decidiu encarar (e expor) a paupérrima realidade de alguns países africanos, Felipe Barbosa não poupa esforços para reproduzir as experiências vividas pelo seu querido amigo. Mais do que simplesmente filmar no continente africano, o diretor decidiu recriar os laços do biografado, contar as suas histórias mais pessoais, mostrar as suas amizades, os seus percalços, encontrando alguns dos personagens que cruzaram o seu caminho num recorte denso, sóbrio e emocionante.
Através do olhar inexperiente dos
(dedicados) não atores percebemos o quão importante foi a jornada de Gabriel. O
quão sincera foi a relação e a troca de experiências durante este período. O
quão reconfortante pode ser o olhar de afeto estrangeiro numa região “esquecida”
pelo mundo. Tudo soa muito verdadeiro aos olhos do público. Sem a intenção de
tratar os locais como vítimas, Felipe Barbosa acerta ao não interferir nesta
linha narrativa, ao mostrar a rotina de muitos cidadãos sob uma ótica real e naturalista.
É interessante ver, por exemplo, o esmero do argumento em construir o elo entre
o biografado e os personagens, ao realçar tanto o esforço do ‘muzunga’ para ser
tratado como um local, quanto o misto de desconfiança e curiosidade dos africanos
para com este inusitado turista. Felipe Barbosa, porém, não parece interessado
em reverenciar a figura de Gabriel. Após entender a missão do biografado
durante o imersivo primeiro ato, o argumento é cuidadoso ao mostra-lo como um
homem comum, repleto de falhas e virtudes. No embalo da expansiva performance do
carismático João Pedro Zappa, o realizador se encanta não só pela persona
humanitária e altruísta do viajante, como também pela sua face mais teimosa,
incoerente e arrogante. A partir da franca relação entre ele e a sua namorada
Nina, interpretada com afinco pela magnética Carolina Abras, Barbosa consegue
evidenciar o melhor e o pior deste personagem, o tratando como uma figura do
mundo, um tipo independente com um perigoso espírito aventureiro. O que fica bem
claro no nebuloso último, quando o diretor, num desfecho frio e silencioso, parece
sofrer enquanto realça a ingênua inconsequência do biografado. Enquanto narra
as solitárias últimas horas de vida do seu querido amigo. Uma missão difícil
cumprida com um misto de melancolia e ternura.
No final das contas, embora pese
a mão em um ou dois momentos no que diz respeito aos deslocados debates teóricos,
Gabriel e a Montanha deixa o luto de lado ao encher a tela de vida, de energia,
pintando um retrato vibrante e visualmente expressivo sobre um viajante
destemido que buscou numa África resiliente o combustível necessário para lutar
pela igualdade e pelo bem-estar dos mais necessitados. E isso sem a pretensão
de transforma-lo numa espécie de herói, o que, indiscutivelmente, se revela um
dos maiores méritos desta valorosa produção nacional.
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