sábado, 16 de dezembro de 2017

Star Wars: Os Últimos Jedi

O lado cinza da Força

Nostálgico e aventureiro, O Despertar da Força revitalizou o universo Star Wars numa continuação/reboot reverente à trilogia clássica. Embora com alma original, o longa dirigido por J.J Abrams não se fez de rogado ao replicar a estrutura do pilar da franquia, o marcante Uma Nova Esperança (1977), transitando por um terreno positivamente seguro ao estabelecer a junção entre os novos e os velhos personagens. Seguindo está lógica, era de se esperar que Os Últimos Jedi seguissem os passos do mais impactante filme da saga, o histórico O Império Contra-Ataca (1980). Ledo engano. Contrariando as expectativas, o promissor diretor Rian Johnson (Looper) ousa ao se distanciar dos dualismos, da velha batalha entre os Jedi e os Sith. Ao invés de se concentrar nos reconhecidos polos, o realizador se encanta pela face mais errática dos (agora) multifacetados personagens, pelo lado cinza da força, elevando o potencial dramático deste capítulo ao (finalmente) tratar os conflitos presentes neste universo sob um prisma denso e intimista. E isso, obviamente, sem sacrificar o senso de entretenimento da película, que se revela épica, imagética e esteticamente refinada. Em outras palavras, se O Despertar da Força reascendeu a chama do universo Star Wars, Os Últimos Jedi incendiou a saga e, das cinzas, nasce uma continuação autoral, imprevisível e genuinamente empolgante. Uma obra audaciosa. 


Com a liberdade criativa necessária para levar a franquia a um território praticamente inexplorado, o roteiro assinado pelo próprio Rian Johnson é cuidadoso ao romper com laços tão consolidados sem entrar qualquer tipo de contradição com o legado da heptalogia. Sem medo de lidar com as consequências em torno das suas decisões, o realizador não reluta em avançar a trama, em responder algumas das mais aguardadas perguntas em torno da saga Star Wars, encontrando um precioso meio termo entre o passado e o futuro, entre a reverência e o ineditismo. Embora construa o seu argumento com base numa estrutura reconhecível aos olhos dos fãs, Johnson fascina ao realçar os pormenores por trás da batalha entre a Aliança Rebelde e a Primeira Ordem, ao estreitar o elo entre os novos e os velhos personagens. Com um fantástico senso de coesão, ele extrai o máximo deste riquíssimo universo ao encarar com o mesmo peso e profundidade tanto as gigantescas batalhas espaciais, quanto os reveladores embates mais íntimos, reforçando o senso de urgência ao intercalar os inúmeros arcos com dinamismo e originalidade. Por mais que os dualismos sejam bem claros, Os Últimos Jedi esbanja maturidade ao entender que nem todos os conflitos precisam ser resolvidos na base da confronto de grandes proporções. Uma proposta, diga-se de passagem, já enfatizada na primorosa sequência de abertura, uma cena incisiva e poderosa que, no melhor estilo Rogue One, se preocupa em expor os dolorosos espólios de um combate deste nível. Até em cima disso, aliás, é interessante ver o esmero de Johnson ao colocar as peças do seu tabuleiro num mesmo patamar. Ao invés de se concentrar nos arquétipos, na velha rixa do bem contra o mal, o realizador é sagaz ao diminuir as lacunas entre os dois lados, ao embasar as decisões dos protagonistas com coragem e solidez narrativa. Sem querer revelar muito, o argumento é sutil valorizar a dubiedade dos desconstruídos personagens, ao introduzir gradativamente os seus segredos e intenções, envolvendo o espectador numa história complexa e recheada de nuances. 


Colado nos episódios de O Despertar da Força, Os Últimos Jedi segue a desesperada fuga da combalida Aliança Rebelde. Seguida da perto pela imponente frota do arrogante General Hux (Domhnall Gleeson), a general Leia Organa (Carrie Fisher) se vê cercada pela força do seu nefasto oponente. Apesar dos esforços do virtuoso comandante Poe Dameron (Oscar Isaac), a esperança dos resistentes recaia no poder de convencimento da inexperiente Rey (Daisy Ridley), que, após o violento duelo com o raivoso Kylo Ren (Adam Driver), decide partir para uma isolada ilha em busca do paradeiro de Luke Skywallker, da sua ajuda e dos seus ensinamentos. Pego de surpresa com tal visita, o Jedi se mostra relutante quanto o futuro de Rey, principalmente após a sua trágica experiência com Ben Skywallker\Kylo Ren. Nesse meio tempo, o recém-desperto Finn (John Boyega) percebe que terá de usar a sua habilidade de infiltração em prol da Aliança, se unindo a pró-ativa Rose (Kelly Marie Tran) e o cativante BB-8 numa perigosa incursão na nave do temido Supremo Líder Snoke (Andy Serkis, em mais um incrível trabalho com a técnica de captura de movimentos). 


Com base numa premissa aparentemente simples, Rian Johnson surpreende ao, talvez pela primeira vez dentro da franquia, dar voz ao lado cinza da Força. Numa proposta genuinamente humana, o realizador é zeloso ao exaltar as falhas dos seus personagens, ao se concentrar nos seus dilemas mais íntimos em detrimento da batalha central. Enquanto em O Despertar da Força apenas Kylo Ren parecia ter um background mais atormentado, Johnson, aqui, amplia a carga dramática da continuação ao se debruçar também nos conflitos pessoais de uma destemida Rey e de um relutante Luke Skywallker. Sem um pingo de maniqueísmo, o diretor reforça o aspecto mais insinuante da trama ao se encantar pelos dilemas dos portadores da Força, pela sua constante busca por equilíbrio e pela relação deles com os seus respectivos traumas, medos e fantasmas. Embora não tente reinventar a roda, ele é astuto ao jogar uma elegante luz sobre questões até então subestimadas, as tratando com uma maturidade inédita dentro da franquia. Por mais que Leia e Snooke estejam no centro da história protagonizando a dualística rixa entre a Aliança e a Nova Ordem, Rian Johnson eleva o patamar do longa ao se aprofundar no inesperado vínculo entre Rey e Kylo, ao investigar as feridas do passado e ao desenvolver os (sólidos) motivos por trás deste crescente elo. Neste cenário, o amargurado Luke surge como um perspicaz contraponto, um mestre reticente quanto as intenções dos dois que parece ter perdido as suas próprias crenças no futuro dos Jedi. Com uma montagem ágil, diálogos instigantes e marcantes flashbacks, o longa é inteligente ao justificar as mudanças do protagonista, ao torna-las críveis aos olhos do público, contornando as soluções mais previsíveis ao transforma-lo na alma deste oitavo capítulo. Uma ênfase valorizada pela intensidade de Mark Hamill, que, na sua melhor atuação dentro da franquia, visita sentimentos inexplorados do seu Luke com sutileza e energia. Da tênue relação entre os três, inclusive, nascem os momentos mais espinhosos do filme, um arco singular marcado pela ousadia do longa em "mexer" com um dos personagens mais icônicos da cultura pop. Somado a isso, após Gareth Edwards tratar a Força no seu sentido mais religioso em Rogue One, Johnson mostra propriedade ao encara-la sob um prisma mais mundano, ao expor as consequências por trás de tamanho poder\responsabilidade, reduzindo a sua importância ao defender que, em tempos de guerra, um símbolo pode ser mais decisivo que um Jedi ou um Sith. 


Nem só de Rey, Luke e Kylo vive Os Últimos Jedi. No melhor estilo Marvel Studios, Rian Johnson impressiona ao lidar com tantos personagens de maneira simultânea, tirando o máximo de cada um deles ao longo das ritmadas 2 h e 30 min de projeção. Com uma particular vibe Han Solo, o destemido Poe Dameron, por exemplo, rouba a cena ao protagonizar alguns dos takes mais empolgantes do longa. Impulsionado pela charmosa presença de Oscar Isaac, o arrojado comandante ganha uma perigosa roupagem impulsiva, um viés inconsequente que ajuda a incrementar a arredia relação com a rígida Holdo (Laura Dern, um reforço luxuoso). A química entre a Vice Almirante e o piloto, aliás, é explorada com entusiasmo nesta continuação, se tornando um dos muitos pontos altos do núcleo Aliança Rebelde. Assim como Poe Dameron, Finn ganha um relevante arco envolvendo uma decisiva missão alternativa. Indo além do seu hilário senso de sobrevivência, o roteiro é eficaz ao trabalhar melhor a índole do ex-Stormtrooper, ao estabelecer a sua face mais corajosa e altruísta, encontrando na sua afetuosa relação com a determinada Rose os ingredientes necessários para preencher esta subtrama. Embora introduzida neste longa, a parceria "colorida" entre os dois cresce em cena com extrema naturalidade, comprovando a força dos novos (e já independentes) personagens de Star Wars e o poder de síntese de Johnson na construção dos seus respectivos backgrounds. Por falar nela, a mecânica vivida pela simpática Kelly Marie Tran cativa desde a sua primeira aparição e se torna uma das grandes novidades deste oitavo capítulo. Quando o assunto é o protagonismo feminino, entretanto, Leia Organa assume uma função quase onipresente ao revelar a sua faceta mais sensata cerebral. Reconhecida pelo seu carisma e pela energia cênica, a saudosa Carrie Fisher encanta ao entregar uma performance mais íntima e sentimental, realçando o aspecto dramático proposto por Johnson em sequências naturalmente marcantes. E isso não por se tratar por uma das últimas aparições em vida da atriz, mas também pelo impacto de algumas das suas cenas. Uma delas, em especial, tem tudo para causar um compreensível frisson junto aos fãs. Um momento impactante e plasticamente primoroso. 


Assim como O Despertar da Força, entretanto, Os Últimos Jedi tem alguns pontos que não funcionam tão bem. Longe de ser um almirante Tarkin, o general Hux, por exemplo, é novamente subaproveitado pelo roteiro. Apesar do esforço do ótimo Domhnall Glesson em extrair o humor por trás deste ardiloso antagonista, o oficial parece preso ao arquétipo do "assistente de Vader", o subalterno que sofre diante de uma missão fracassada. O mesmo, aliás, acontece com a 'badass' Capitã Pharma, o tipo de personagem que, graças ao seu visual, merecia um rumo melhor. Um equívoco, diga-se de passagem, que não é novo dentro da heptalogia, vide um certo mercenário espacial. Talvez o grande problema do longa, porém, resida no personagem vivido pelo experiente Benicio Del Toro. Embora não possa comentar muito sobre ele, o misterioso homem surge como o elo fraco da história e expõe a face mais apressada do argumento. É bom frisar, entretanto, que é dele um dos 'insights' sobre a guerra mais pertinentes (e realísticos) desta continuação. Enfim, deslizes minúsculos que, verdade seja dita, se perdem diante do inquestionável peso visual da continuação. Com um incrível bom gosto estético, Rian Johnson explora o melhor dos dois mundos ao investir não só na grandiosidade das 'space operas', como também na intensidade das cenas mais dramáticas. Transitando entre o marco e o micro com desenvoltura, o realizador faz jus aos melhores momentos da saga ao nos brindar com sequências de ação espaciais imponentes, engenhosas e emocionantes. O terceiro ato, como um todo, é magnífico, uma sucessão de situações tensas e extremamente impactantes.


Através de expressivos planos abertos\panorâmicos, Rian Johnson tira o máximo do verossímil CGI ao construir os arrepiantes combates aéreos, ao valorizar elementos como o virtuosismo, o altruísmo e a coragem dos pilotos, reforçando o senso de entretenimento do longa em cenas fluídas e naturalmente imagéticas. Por falar no aspecto diversão, o diretor é esperto ao usar os pontuais alívios cômicos, a interação entre os Porgs e o Chewbacca rende momentos bem divertidos, arrancando risadas pontuais sem prejudicar o tom da película. Um domínio que se repete nas cenas mais intimas. Com um elenco talentoso em mãos, Johnson mostra sensibilidade ao capturar a expressão dos seus protagonistas, ao traduzir a insinuante rixa entre eles em planos densos e inquietantes. O que falar do incrível "duelo" de sabres de luz envolvendo Rey e Kylo, uma cena magnificamente coreografada que está entre os melhores (senão o melhor) embates da franquia. Nem só de cinza, porém, vive Os Últimos Jedi. Quando necessário, o diretor presenteia o espectador com enquadramentos dignos de moldura, fazendo um inspirado uso do contraluz ao exaltar o vínculo entre os novos (e os velhos) personagens. Um predicado valorizado pela coloração fria da iluminada fotografia de Steve Yedlin (Looper) e pelo detalhista trabalho da equipe de direção de arte na concepção dos cenários. Além disso, fiel às origens da saga, Johnson faz também um primoroso uso dos efeitos práticos, presenteando os fãs com uma série de exóticas figuras alienígenas. 


Mais do que tentar ampliar\construir o mito em torno dos seus heróis\vilões, Os Últimos Jedi eleva o padrão da saga ao se preocupar em construir grandes personagens. Sem medo de tomar decisões arriscadas, um fato raro dentro do segmento blockbuster, Rian Johnson surpreende ao entregar um "filme do meio" com um forte senso de conclusão, rompendo cada vez mais com o passado da saga ao confiar plenamente no potencial das novas peças do universo Star Wars. Uma convicção embasada pelas estrondosas performances da dupla Daisy Ridley e Adam Driver que, com expressividade e força cênica, validam a proposta humana defendida pela continuação. No momento em decide reverenciar a trilogia clássica, entretanto, Johnson o faz com maestria, mostrando que alguns símbolos de esperança são difíceis de serem superados. 

2 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

O final marca um antes e depois, acho que será difícil imaginar o filme sem o Luke. Gostei de ver a Justin Theroux no elenco do filme, este ator nos deixa outro projeto de qualidade, de todas as suas filmografias Lego Ninjago, um dos melhores filmes de ação é a que eu mais gostei, acho que deve ser a grande variedade de talentos. A chave do sucesso é o bem que esta contada a historia e a trilha sonora, enfim, um dos meus preferidos e algo muito diferente aos que estávamos acostumados a ver.