domingo, 3 de dezembro de 2017

Dez Grandes Filmes sobre a Deficiência Física


Neste dia 3 de Dezembro é celebrado ao redor do mundo o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, uma data emblemática na luta por direitos como acessibilidade e um tratamento igual dentro da sociedade. No Cinema, aliás, alguns longas conseguiram revelar os dilemas dos portadores de deficiência, mostrando o esforço, os obstáculos e os dilemas de pessoas extraordinárias em obras de todos os estilos e para todos os gostos. Para celebrar esta importante data, portanto, no Cinemaniac uma lista com dez grandes filmes sobre a deficiência física. 


- Meu Pé Esquerdo (1990)


Numa performance capaz de transcender as barreiras da atuação, Daniel Day-Lewis colocou o seu nome na história da sétima arte no primoroso drama Meu Pé Esquerdo. Dando vida ao artista irlandês Christy Brown, um pintor e escritor com uma severa paralisia cerebral, o então promissor ator britânico arrebatou o público e a crítica com um desempenho único, um trabalho repleto de fisicalidade e expressão. Mais do que simular a atrofia do biografado, Lewis criou uma espantosa conexão com o seu personagem. O ator conseguiu interiorizar os sentimentos do artista, o misto de dor, esperança e criatividade presente na sua rotina diária, tornando a genialidade do retratado evidente aos olhos do público. Imerso no personagem, Lewis exibiu a sua reconhecida intensidade ao traduzir as emoções de Christy, ao torna-las completamente únicas e pessoais. Com um material vasto em mãos, ele se aprofundou como poucos na psique do complexo pintor, na maneira com que ele expressava a dor, a raiva, a felicidade, a esperança e o afeto, dando uma conotação própria a cada um destes sentimentos. O resultado é um trabalho singular capaz de capturar a personalidade deste inspirador artista com um grau de intimidade poucas vezes visto no cinema.

- Intocáveis (2011)


Uma aula de superação, o blockbuster francês Intocáveis nos brindou com uma das mais cativantes histórias de amizades do cinema atual. Inspirado numa incrível história real, o longa dirigido pela dupla Eric Toledano e Olivier Nakache conquistou uma legião de fãs ao contar a história de afeto e cumplicidade envolvendo um milionário tetraplégico e um extrovertido cuidador. Embora não seja tão detalhista quanto o livro, principalmente quando o assunto é o sofrimento do protagonista, a 'dramédia' é cuidadosa ao discutir os anseios de um homem em busca da autonomia perdida. Transitando habilmente entre o humor e o drama, a dupla de realizadores enche a tela de vigor ao discutir a situação do deficiente, ao abordar o tema sob um prisma humano e descomplicado, culminando numa história marcada pela troca de experiências e pela sinceridade. Estrelado pelos carismáticos François Cluzet e Omar Sy, o longa faturou mais de US$ 416 milhões nos mercados internacionais, conseguindo ainda uma indicação ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro. Um baita filme. Por falar em grandes histórias de amizade, o clássico da Sessão da Tarde Sempre Amigos (1998) merece uma inquestionável menção honrosa ao narrar a relação de cumplicidade entre dois garotos definidos por suas limitações. 

- Nascido em 4 de Julho (1989)


Dirigido por Oliver Stone, Nascido em 4 de Julho é, na minha humilde opinião, o melhor trabalho em toda carreira de Tom Cruise. Explorando o tom político presente nos longas de Stone, Cruise se entrega de corpo e alma a essa incrível história sobre as desilusões envolvendo a Guerra do Vietnã. No longa, o ator vive Ron Kovic, um entusiasmado soldado estadunidense que acredita plenamente na ideologia norte-americana. Ferido na guerra do Vietnã, Ron acaba paraplégico e só ai começa a conhecer a verdade por trás da política de seu país. Com uma impressionante evolução em cena, Tom Cruise nos apresenta uma atuação à altura desta impressionante história real, num dos mais precisos retratos envolvendo as mazelas da Guerra do Vietnã. Além disso, Stone mostra propriedade ao se debruçar sobre os dilemas de um homem recém-tomado pela paralisia. Rompendo com os estereótipos e o estigma de galã, Cruise convence ao absorver a dor do ex-militar, a sua inquietação, depressão e o esforço para encontrar o novo rumo na sua vida. Uma importante lição de vida que, em meio às questões políticas, se preocupa em mostrar as diversas etapas na luta de um deficiente para se reintroduzir na sociedade.

- Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (2014)


O representante brasileiro da lista, Hoje eu Quero Voltar Sozinho é uma das grandes surpresas de 2014. Baseado no curta-metragem Hoje eu Não quero Voltar Sozinho, o diretor Daniel Rezende ampliou o seu projeto inicial nos brindando com um belo trabalho. Também roteirizado por Daniel, o longa segue os passos de Leonardo (Guilherme Lobo), um jovem cego que vive a expectativa de ter o seu primeiro grande amor. Ao lado da amiga e fiel escudeira Giovana (Tess Amorim), o jovem divide o seu tempo entre a escola e a busca por independência. Em meio a esse vai e vem, Leonardo acaba conhecendo o jovem Gabriel (Fabio Audi), um novo e deslocado aluno que logo se aproxima dos dois. Não demora muito para que Leonardo desenvolva um grande laço de amizade com Gabriel, o que cria uma grande tensão na sua amizade com Giovana. Em cima deste triângulo amoroso juvenil, Daniel Rezende nos apresenta um interessante relato desta nova geração. Somado a isso, Rezende esbanja categoria ao traduzir os dilemas de um jovem deficiente visual dentro do ambiente escolar, realçando não só a cumplicidade e a independência do protagonista, como também o bullying e os problemas de acessibilidade, ampliando a relevância desta ótima película.

- Ferrugem e Osso (2012)


Pra quem gosta de um romance mais seco e intimista, Ferrugem e Osso pode ser uma baita pedida. Cinemão francês da melhor qualidade, o longa dirigido por Jacques Audiard (O Profeta) envolve ao narrar uma improvável história de amizade e companheirismo. Estrelado pela magnética Marion Cottilard (Piaf) e pelo intenso Matthias Schoenaerts (A Garota Dinamarquesa), o longa acompanha a rotina do instável Ali, um pai solteiro que retorna a casa da irmã após perder o emprego. Vivendo de bicos como segurança, o agressivo homem conhece a bela Stéphanie, uma mulher independente que se envolve em uma briga numa casa noturna. Construindo dois personagens absolutamente naturais, que se aproximam na tentativa de cicatrizar algumas das feridas da vida, Audiard nos conduz por uma trama envolvente e imprevisível, que se distancia completamente dos melodramas ao narrar uma história de amor nua e crua. Através da bela protagonista, Audiard esbanja sensibilidade ao discutir também a questão da deficiência na vida de uma mulher recém-amputada, mostrando a sua luta para recuperar o amor próprio e a independência.

- O Escafandro e a Borboleta (2007)


Baseado na obra de Jean-Dominique Bauby, O Escafandro e a Borboleta conta a história do próprio Jean, um homem de 43 anos, editor da revista Elle e apaixonado pela vida. Subitamente, porém, ele sofre um derrame cerebral, que ocasiona uma rara paralisia física: o único movimento que lhe resta no corpo é o dos olhos. Bauby se recusa a aceitar seu destino. Aprende a se comunicar piscando letras do alfabeto, formando palavras, frases e até parágrafos. Cria um mundo próprio, contando com aquilo que não se paralisou: sua imaginação e sua memória. Apesar da trama ser um dos pontos altos do filme, muito bem adaptada por sinal, eu destacaria primeiramente a grande sacada do diretor Julian Schnabel, que, com inovadores movimentos de câmera, nos coloca sob a perspectiva de vida de Bauby. Logo nos primeiros minutos, podemos perceber que o longa irá nos proporcionar novas sensações, novas experiências, o que nos leva a entrar cada vez mais no mundo de Bauby. Passamos então a sofrer junto com o personagem, a entender a sua clausura dele, um elemento potencializado pelo talentoso elenco. Impulsionado pelas grandes atuações de Mathieu Amalric, magnífico ao traduzir a clausura e o vigor de um homem inconformado com a sua condição, e do veterano Max Von Sydow, O Escafandro e a Borboleta encanta ao usar os simbolismos e o virtuosismo técnico para narrar uma "desconfortável" história de superação.

- A Teoria de Tudo (2014)


Os opostos (definitivamente) se atraem. Ainda que a Lei de Coulomb não faça parte das teses concebidas por Stephen Hawking, ela diz muito sobre o belo e inocente A Teoria de Tudo. Inspirado no drama biográfico "Travelling to Infinity: My Life with Stephen", da ex-esposa e companheira de vida Jane Hawking, o longa deixa os feitos científicos deste físico teórico em segundo plano para se concentrar na relação amorosa entre o ateu Stephen e a religiosa Jane. Seguindo à risca a cartilha do Oscar, o diretor James Marsh (O Equilibrista) dá a esta história de amor contornos edificantes ao explorar de maneira elegante o esforço do casal em torno das limitações físicas impostas pela doença de Hawking, no caso a ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica). Por mais que a falta de contundência em torno dos dilemas desta relação seja um ponto destoante, a sublime entrega física de Eddie Redmayne, o apaixonante carisma de Fellicity Jones e a atmosfera fascinante criada por Marsh conseguem dar ao longa uma irresistível aura de conto de fadas. Somado a isso, o realizador é cuidadoso ao traduzir tanto a genialidade do protagonista, quanto a sua árdua luta contra a perda dos movimentos, permitindo que o público compreenda um pouco mais sobre a realidade do portador desta devastadora doença.

- A Família Bélier (2014)


Delicado e cativante, A Família Bélier mostra a capacidade do cinema francês de inovar até nos seus projetos mais comerciais. Um 'feel good movie' da melhor qualidade, a adorável comédia dirigida por Eric Lartigau (Os Infiéis) enche os olhos ao acompanhar a jornada de uma responsável adolescente que descobre um inesperado dom para a música. Recheado de personagens carismáticos, o argumento foge do lugar comum ao adicionar novos ingredientes a uma história aparentemente já contada, tornando os dilemas da jovem cantora naturalmente atraentes aos olhos do público. Afinal de contas, qual seria o impacto desta importante revelação dentro de uma família composta em sua maioria por deficientes auditivos? A partir desta premissa absolutamente original, o longa mostra inspiração ao traduzir os anseios da talentosa protagonista, expondo sob um ponto de vista humano e bem humorado as verdadeiras imperfeições por trás desta encantadora família francesa. Isso sem falar das excelentes atuações, em especial da promissora Louane Amera, brilhante ao tornar os singelos números musicais prazerosos aos olhos (e ouvidos) do espectador. Uma genial mudança de perspectiva. Quando o assunto são filmes sobre a relação entre músicos e a surdez, aliás, eu preciso lembrar também do excelente Mr. Holland: Adorável Professor (1995), um drama sobre um maestro talentoso (Richard Dreyfuss) tendo que conviver com a surdez do seu jovem filho.

- Homens de Honra (2000)


Numa época em que uma fratura poderia significar uma (hoje precipitada) amputação, Homens de Honra comove ao narrar as desventuras do primeiro mergulhador negro da marinha norte-americana. Com Cuba Godding Jr. num dos seus últimos (sabe se lá o porquê) grandes papéis, o longa mostra a superação de um homem precisando superar o preconceito e as suas próprias limitações na luta por uma chance de alcançar o seu sonho. Com uma performance intensa, Godding Jr. mostra uma invejável entrega física ao interiorizar os conflitos do marinheiro, ao traduzir não só a sua dor física, como também os dilemas emocionais, extraindo o máximo desta comovente história inspirada em fatos. Um predicado, diga-se de passagem, potencializado pela competente direção de George Tillman Jr. e pela presença rígida do excelente Robert De Niro.

- Mar Adentro (2004)



Talvez o filme mais polêmico da lista, Mar Adentro comove ao narrar a luta de um homem tetraplégico em busca da eutanásia. Vencedor do Oscar na categoria Melhor Filme Estrangeiro, o longa dirigido por Alejandro Amenábar levanta uma série de relevantes questões ao desvendar a mente do protagonista, um ex-marinheiro convencido do seu destino. Ao contrário do que a premissa poderia sugerir, entretanto, Mar Adentro foge do lugar comum ao realçar a serenidade do deficiente. Numa das melhores performances da sua rica filmografia, Javier Badem fascina ao interiorizar as nuances deste complexo personagem, um tipo erudito e esclarecido que, do alto da sua lucidez, decidiu lutar pelo "direito" de morrer. Flertando com elementos do cinema de tribunal, Amenábar preenche a trama com diálogos recheado de humanidade, refletindo sobre o passado, o presente e a perspectiva de futuro do personagem sob um viés indiscutivelmente complexo. Na verdade, Mar Adentro é um daqueles filmes que, ao não tomar lados, agrega muito a esta delicada discussão. 

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