Neste dia 3 de Dezembro é celebrado ao redor do mundo o Dia
Internacional das Pessoas com Deficiência, uma data emblemática na luta por
direitos como acessibilidade e um tratamento igual dentro da sociedade. No
Cinema, aliás, alguns longas conseguiram revelar os dilemas dos portadores de
deficiência, mostrando o esforço, os obstáculos e os dilemas de pessoas
extraordinárias em obras de todos os estilos e para todos os gostos. Para
celebrar esta importante data, portanto, no Cinemaniac uma lista com dez
grandes filmes sobre a deficiência física.
- Meu Pé Esquerdo (1990)
Numa performance capaz de transcender as barreiras da atuação, Daniel
Day-Lewis colocou o seu nome na história da sétima arte no primoroso drama Meu
Pé Esquerdo. Dando vida ao artista irlandês Christy Brown, um pintor e escritor
com uma severa paralisia cerebral, o então promissor ator britânico arrebatou o
público e a crítica com um desempenho único, um trabalho repleto de
fisicalidade e expressão. Mais do que simular a atrofia do biografado, Lewis
criou uma espantosa conexão com o seu personagem. O ator conseguiu interiorizar
os sentimentos do artista, o misto de dor, esperança e criatividade presente na
sua rotina diária, tornando a genialidade do retratado evidente aos olhos do
público. Imerso no personagem, Lewis exibiu a sua reconhecida intensidade ao
traduzir as emoções de Christy, ao torna-las completamente únicas e pessoais.
Com um material vasto em mãos, ele se aprofundou como poucos na psique do
complexo pintor, na maneira com que ele expressava a dor, a raiva, a
felicidade, a esperança e o afeto, dando uma conotação própria a cada um destes
sentimentos. O resultado é um trabalho singular capaz de capturar a
personalidade deste inspirador artista com um grau de intimidade poucas vezes
visto no cinema.
- Intocáveis (2011)
Uma aula de superação, o blockbuster francês Intocáveis nos brindou com
uma das mais cativantes histórias de amizades do cinema atual. Inspirado numa
incrível história real, o longa dirigido pela dupla Eric Toledano e Olivier
Nakache conquistou uma legião de fãs ao contar a história de afeto e
cumplicidade envolvendo um milionário tetraplégico e um extrovertido cuidador.
Embora não seja tão detalhista quanto o livro, principalmente quando o assunto
é o sofrimento do protagonista, a 'dramédia' é cuidadosa ao discutir os anseios
de um homem em busca da autonomia perdida. Transitando habilmente entre o humor
e o drama, a dupla de realizadores enche a tela de vigor ao discutir a situação
do deficiente, ao abordar o tema sob um prisma humano e descomplicado,
culminando numa história marcada pela troca de experiências e pela sinceridade.
Estrelado pelos carismáticos François Cluzet e Omar Sy, o longa faturou mais de
US$ 416 milhões nos mercados internacionais, conseguindo ainda uma indicação ao
Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro. Um baita filme. Por falar em grandes histórias de amizade, o clássico da Sessão da Tarde Sempre Amigos (1998) merece uma inquestionável menção honrosa ao narrar a relação de cumplicidade entre dois garotos definidos por suas limitações.
- Nascido em 4 de Julho (1989)
Dirigido por Oliver Stone, Nascido em 4 de Julho é, na minha humilde
opinião, o melhor trabalho em toda carreira de Tom Cruise. Explorando o tom
político presente nos longas de Stone, Cruise se entrega de corpo e alma a essa
incrível história sobre as desilusões envolvendo a Guerra do Vietnã. No longa,
o ator vive Ron Kovic, um entusiasmado soldado estadunidense que acredita
plenamente na ideologia norte-americana. Ferido na guerra do Vietnã, Ron acaba
paraplégico e só ai começa a conhecer a verdade por trás da política de seu
país. Com uma impressionante evolução em cena, Tom Cruise nos apresenta uma
atuação à altura desta impressionante história real, num dos mais precisos
retratos envolvendo as mazelas da Guerra do Vietnã. Além disso, Stone mostra
propriedade ao se debruçar sobre os dilemas de um homem recém-tomado pela
paralisia. Rompendo com os estereótipos e o estigma de galã, Cruise convence ao
absorver a dor do ex-militar, a sua inquietação, depressão e o esforço para
encontrar o novo rumo na sua vida. Uma importante lição de vida que, em meio às
questões políticas, se preocupa em mostrar as diversas etapas na luta de um
deficiente para se reintroduzir na sociedade.
- Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (2014)
O representante brasileiro da lista, Hoje eu Quero Voltar Sozinho é uma
das grandes surpresas de 2014. Baseado no curta-metragem Hoje eu Não quero
Voltar Sozinho, o diretor Daniel Rezende ampliou o seu projeto inicial nos
brindando com um belo trabalho. Também roteirizado por Daniel, o longa segue os
passos de Leonardo (Guilherme Lobo), um jovem cego que vive a expectativa de
ter o seu primeiro grande amor. Ao lado da amiga e fiel escudeira Giovana (Tess
Amorim), o jovem divide o seu tempo entre a escola e a busca por independência.
Em meio a esse vai e vem, Leonardo acaba conhecendo o jovem Gabriel (Fabio
Audi), um novo e deslocado aluno que logo se aproxima dos dois. Não demora
muito para que Leonardo desenvolva um grande laço de amizade com Gabriel, o que
cria uma grande tensão na sua amizade com Giovana. Em cima deste triângulo
amoroso juvenil, Daniel Rezende nos apresenta um interessante relato desta nova
geração. Somado a isso, Rezende esbanja categoria ao traduzir os dilemas de um
jovem deficiente visual dentro do ambiente escolar, realçando não só a
cumplicidade e a independência do protagonista, como também o bullying e os
problemas de acessibilidade, ampliando a relevância desta ótima película.
- Ferrugem e Osso (2012)
Pra quem gosta de um romance mais seco e intimista, Ferrugem e Osso pode
ser uma baita pedida. Cinemão francês da melhor qualidade, o longa dirigido por
Jacques Audiard (O Profeta) envolve ao narrar uma improvável história de
amizade e companheirismo. Estrelado pela magnética Marion Cottilard (Piaf) e
pelo intenso Matthias Schoenaerts (A Garota Dinamarquesa), o longa acompanha a
rotina do instável Ali, um pai solteiro que retorna a casa da irmã após perder
o emprego. Vivendo de bicos como segurança, o agressivo homem conhece a bela
Stéphanie, uma mulher independente que se envolve em uma briga numa casa
noturna. Construindo dois personagens absolutamente naturais, que se aproximam
na tentativa de cicatrizar algumas das feridas da vida, Audiard nos conduz por
uma trama envolvente e imprevisível, que se distancia completamente dos
melodramas ao narrar uma história de amor nua e crua. Através da bela
protagonista, Audiard esbanja sensibilidade ao discutir também a questão da
deficiência na vida de uma mulher recém-amputada, mostrando a sua luta para
recuperar o amor próprio e a independência.
- O Escafandro e a Borboleta (2007)
Baseado na obra de Jean-Dominique Bauby, O Escafandro e a Borboleta
conta a história do próprio Jean, um homem de 43 anos, editor da revista Elle e
apaixonado pela vida. Subitamente, porém, ele sofre um derrame cerebral, que
ocasiona uma rara paralisia física: o único movimento que lhe resta no corpo é
o dos olhos. Bauby se recusa a aceitar seu destino. Aprende a se comunicar
piscando letras do alfabeto, formando palavras, frases e até parágrafos. Cria
um mundo próprio, contando com aquilo que não se paralisou: sua imaginação e
sua memória. Apesar da trama ser um dos pontos altos do filme, muito bem
adaptada por sinal, eu destacaria primeiramente a grande sacada do diretor
Julian Schnabel, que, com inovadores movimentos de câmera, nos coloca sob a
perspectiva de vida de Bauby. Logo nos primeiros minutos, podemos perceber que
o longa irá nos proporcionar novas sensações, novas experiências, o que nos
leva a entrar cada vez mais no mundo de Bauby. Passamos então a sofrer junto
com o personagem, a entender a sua clausura dele, um elemento potencializado
pelo talentoso elenco. Impulsionado pelas grandes atuações de Mathieu Amalric,
magnífico ao traduzir a clausura e o vigor de um homem inconformado com a sua
condição, e do veterano Max Von Sydow, O Escafandro e a Borboleta encanta ao
usar os simbolismos e o virtuosismo técnico para narrar uma "desconfortável"
história de superação.
- A Teoria de Tudo (2014)
Os opostos (definitivamente) se atraem. Ainda que a Lei de Coulomb não
faça parte das teses concebidas por Stephen Hawking, ela diz muito sobre o belo
e inocente A Teoria de Tudo. Inspirado no drama biográfico "Travelling to
Infinity: My Life with Stephen", da ex-esposa e companheira de vida Jane
Hawking, o longa deixa os feitos científicos deste físico teórico em segundo
plano para se concentrar na relação amorosa entre o ateu Stephen e a religiosa
Jane. Seguindo à risca a cartilha do Oscar, o diretor James Marsh (O
Equilibrista) dá a esta história de amor contornos edificantes ao explorar de
maneira elegante o esforço do casal em torno das limitações físicas impostas
pela doença de Hawking, no caso a ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica). Por mais
que a falta de contundência em torno dos dilemas desta relação seja um ponto
destoante, a sublime entrega física de Eddie Redmayne, o apaixonante carisma de
Fellicity Jones e a atmosfera fascinante criada por Marsh conseguem dar ao
longa uma irresistível aura de conto de fadas. Somado a isso, o realizador é
cuidadoso ao traduzir tanto a genialidade do protagonista, quanto a sua árdua
luta contra a perda dos movimentos, permitindo que o público compreenda um
pouco mais sobre a realidade do portador desta devastadora doença.
- A Família Bélier (2014)
Delicado e cativante, A Família Bélier mostra a capacidade do cinema
francês de inovar até nos seus projetos mais comerciais. Um 'feel good movie'
da melhor qualidade, a adorável comédia dirigida por Eric Lartigau (Os Infiéis)
enche os olhos ao acompanhar a jornada de uma responsável adolescente que
descobre um inesperado dom para a música. Recheado de personagens carismáticos,
o argumento foge do lugar comum ao adicionar novos ingredientes a uma história
aparentemente já contada, tornando os dilemas da jovem cantora naturalmente
atraentes aos olhos do público. Afinal de contas, qual seria o impacto desta
importante revelação dentro de uma família composta em sua maioria por deficientes
auditivos? A partir desta premissa absolutamente original, o longa mostra
inspiração ao traduzir os anseios da talentosa protagonista, expondo sob um
ponto de vista humano e bem humorado as verdadeiras imperfeições por trás desta
encantadora família francesa. Isso sem falar das excelentes atuações, em
especial da promissora Louane Amera, brilhante ao tornar os singelos números
musicais prazerosos aos olhos (e ouvidos) do espectador. Uma genial mudança de
perspectiva. Quando o assunto são filmes sobre a relação entre músicos e a
surdez, aliás, eu preciso lembrar também do excelente Mr. Holland: Adorável
Professor (1995), um drama sobre um maestro talentoso (Richard Dreyfuss) tendo que
conviver com a surdez do seu jovem filho.
- Homens de Honra (2000)
Numa época em que uma fratura poderia significar uma (hoje precipitada)
amputação, Homens de Honra comove ao narrar as desventuras do primeiro
mergulhador negro da marinha norte-americana. Com Cuba Godding Jr. num dos seus
últimos (sabe se lá o porquê) grandes papéis, o longa mostra a superação de um
homem precisando superar o preconceito e as suas próprias limitações na luta
por uma chance de alcançar o seu sonho. Com uma performance intensa, Godding
Jr. mostra uma invejável entrega física ao interiorizar os conflitos do marinheiro,
ao traduzir não só a sua dor física, como também os dilemas emocionais,
extraindo o máximo desta comovente história inspirada em fatos. Um predicado,
diga-se de passagem, potencializado pela competente direção de George Tillman
Jr. e pela presença rígida do excelente Robert De Niro.
- Mar Adentro (2004)
Talvez o filme mais polêmico da lista, Mar Adentro comove ao narrar a
luta de um homem tetraplégico em busca da eutanásia. Vencedor do Oscar na
categoria Melhor Filme Estrangeiro, o longa dirigido por Alejandro Amenábar
levanta uma série de relevantes questões ao desvendar a mente do protagonista,
um ex-marinheiro convencido do seu destino. Ao contrário do que a premissa
poderia sugerir, entretanto, Mar Adentro foge do lugar comum ao realçar a
serenidade do deficiente. Numa das melhores performances da sua rica
filmografia, Javier Badem fascina ao interiorizar as nuances deste complexo
personagem, um tipo erudito e esclarecido que, do alto da sua lucidez, decidiu
lutar pelo "direito" de morrer. Flertando com elementos do cinema de
tribunal, Amenábar preenche a trama com diálogos recheado de humanidade,
refletindo sobre o passado, o presente e a perspectiva de futuro do personagem
sob um viés indiscutivelmente complexo. Na verdade, Mar Adentro é um daqueles
filmes que, ao não tomar lados, agrega muito a esta delicada discussão.
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