quinta-feira, 30 de novembro de 2017

O Filme da Minha Vida

O (revigorante) fim, o (belo) início e o (problemático) meio

Uma produção brasileira com um pé (e meio) no cinema europeu, O Filme da Minha Vida é em sua essência mais pura um exercício estético poderosíssimo. Sob a refinada batuta de Selton Mello (O Palhaço), o longa atesta o fortalecimento visual das produções nacionais ao se revelar uma obra capaz de falar através das suas sensíveis imagens. Embora narrativamente falho, o afetuoso drama estrelado pelo talentoso Johnny Massaro encanta ao realçar os símbolos por trás de uma típica jornada de amadurecimento, reforçando a universalidade (e o viés cinematográfico) da trama ao nos brindar com uma poesia imagética, humana e indiscutivelmente bela. 

Adaptação do livro Un padre de película, do respeitado escritor chileno Antonio Skármeta (O Carteiro e o Poeta), o roteiro assinado pelo próprio Mello, ao lado de Marcelo Vindicato, esbanja sutileza ao, num primeiro momento, introduzir os fascinantes personagens. Fazendo um discreto uso do recurso da narração, que pontua a trama enfatizando a força do texto original, o realizador mostra inspiração ao capturar a personalidade dos protagonistas de maneira concisa e estritamente cinematográfica. Impulsionado pela suave montagem e pela beleza bucólica das locações na região sul do nosso país, Mello é cuidadoso ao estabelecer a timidez errática do ingênuo Tony (Massaro), a frustração afetiva da solitária Sofia (Ondina Clais), a maturidade nebulosa do sábio Paco (Mello), o vazio desconfortável da bela Petra (Bia Arantes) e a inquietude descolada da magnética Luna (Bruna Linzmeyer). Sem um pingo de pressa, Selton Mello enche a tela de sentimento ao entender os conflitos de um homem ainda preso à sua infância e à figura do ausente pai, o cativante Nicolas (Vincent Cassel). Curiosamente, porém, ao invés de simplesmente verbalizar os dilemas de Tony, ele se distancia do material fonte ao valorizar o poder das imagens. Entre espertas soluções visuais e refrescantes flashbacks familiares, o realizador é criativo ao traduzir visualmente o estado de espírito dos personagens, ao utilizar a extraordinária trilha-sonora, os espertos simbolismos e os detalhistas cenários em prol da trama. Obviedades à parte, elementos como a névoa, a fumaça dos cigarros e a chuva ajudam a refletir a emoção de Tony, um predicado valorizado pela texturizada fotografia em tons de sépia do respeitado Walter Carvalho. 


Nem só de beleza estética, porém, vive um grande filme. Apesar dos inegáveis trunfos visuais, vide os reveladores figurinos e a rica cenografia rústica, Selton Mello patina em torno das suas pretensões ao subaproveitar os tão bem introduzidos coadjuvantes. Por mais que o arco central funcione satisfatoriamente, principalmente quando o assunto é o processo de amadurecimento de Tony diante das descobertas envolvendo a figura do seu querido pai, o realizador peca ao se distanciar das pessoas que o cercam, ao desvalorizar os conflitos de tipos naturalmente interessantes. Tão bem estabelecida inicialmente, a fraternal relação entre Tony e o turrão Paco, por exemplo, perde força na transição para o último ato, esvaziando alguns interessantes conflitos em torno da figura de Nicolas. Outro ponto que incomoda é o descuido de Mello quanto ao desenvolvimento dos arcos da frustrada Sofia e da moderna Petra. Embora importantes para o rumo da trama, as duas personagens são explorada com superficialidade, reduzindo o peso de sequências plasticamente memoráveis e a força do oscilante segundo ato. Deslizes narrativos que, em contrapartida, são amenizados pelo virtuosismo estético do diretor Selton Mello. Com enquadramentos elegantes e minuciosamente pensados, o realizador fascina ao valorizar a expressão dos seus comandados, a relação deles com as belas paisagens naturais. Os seus planos são íntimos e naturalmente ternos. A luz (diurna ou não) compõe as cenas com enorme relevância, evidenciando os contrastes entre os personagens com sutileza e inspiração. Sem querer revelar muito, por mais que Johnny Massaro mostre a sua já reconhecida versatilidade ao trabalhar a transformação (entenda perda da inocência) de Tony, são nos revigorantes flashbacks que Mello extrai o melhor da relação entre pai e filho, graças principalmente a experiência de Vincent Cassel e a espontânea presença do pequeno Gabriel Reginato. 


Contando ainda com a marcante presença de Rolando Boldrin, magnífico na pele de um maquinista sábio orgulhoso da sua função, O Filme da Minha Vida faz jus ao pano de fundo cinematográfico ao dar contornos expressivos para uma história positivamente comum. Com sensibilidade e um indiscutível bom gosto, Selton Mello reafirma o potencial do cinema brasileiro num drama sincero e sentimental, uma obra esteticamente memorável que cativa ao transitar por temas tão universais com refinamento e estilo. Para um longa que logo nas suas primeiras cenas manifesta verbalmente a importância do meio dentro da narrativa, entretanto, fica claro que o roteiro merecia um desenvolvimento de personagens melhor e tão bem acabado quanto o aspecto visual da película. 

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