quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Armas na Mesa

Jessica Chastain esbanja amoralidade num filme subestimado

Acostumada a dar vida a grandes personagens femininas, a incrível Jessica Chastain adicionou mais uma a sua seleta coleção no ótimo Armas na Mesa. Conduzido com pulso e elegância pelo experiente diretor John Maden (A Grande Mentira, O Exótico Hotel Marigold) é perspicaz ao, mesmo partindo de uma premissa ficcional, revelar a sujeira por trás do jogo de influências dos lobistas nos bastidores do congresso do EUA. Embora não tenha o cinismo do extraordinário Obrigado Por Fumar (2005), o longa alcança um resultado semelhante ao mostrar o 'modus operandi' dos responsáveis pela manutenção das engrenagens em torno da aprovação (ou não) de uma nova lei.

A partir de um tema naturalmente espinhoso, a amplamente debatida política armamentista norte-americana, o roteiro assinado pelo português Jonathan Pereira fascina ao se concentrar no aspecto micro da trama, mais precisamente nas ações da amoral lobista Elizabeth Sloane em prol da aprovação de uma emenda que visava regulamentar com maior rigidez a compra de armas de fogo em solo americano. Fazendo um interessante uso da montagem não linear, Madden costura o antes e o depois ao investigar as consequências dos atos de uma mulher disposta a tudo para alcançar os seus objetivos. Através de diálogos afiadíssimos, o realizador nos brinda com um envolvente 'mise en scene', valorizando a relevância dos bem desenvolvidos coadjuvantes ao tentar entender as motivações da enigmática protagonista.


Mesmo se escorando em algumas (apressadas) soluções menos inspiradas, principalmente dentro do edificante clímax, John Madden é incisivo ao não só construir a face mais imponente e destemida da protagonista, como também ao realçar as suas fragilidades, a sua dor e o vazio que permeia a sua rotina. Na verdade, mesmo nos momentos mais condescendentes, o roteiro é cuidadoso ao seguir o "distorcido" código de ética da personagem, ao expor o melhor e o pior da sua genialidade, dando a Jessica Chastain a possibilidade de construir uma fantástica protagonista. Com o seu usual magnetismo, a ruiva esbanja intensidade ao capturar a independência de Sloane, ao evidenciar a sua força, praticidade e a sua imprevisibilidade durante as fluídas 2 h e 10 min de projeção. São nos momentos mais íntimos, entretanto, que Chastain brilha ao valorizar a humanidade da lobista, a sua raiva e tristeza, transformando-a numa figura densa e multidimensional.


Dito isso, contando ainda com a refinada fotografia de Sebastian Blenkov, com a enérgica trilha sonora de Max Richter e com um talentoso elenco de apoio, capitaneado pelas sólidas interpretações de Mark Strong, Michael Stuhlbarg, Gugu Mbatha-Raw e John Lightow, Armas na Mesa transita habilmente entre o suspense e o drama ao reforçar os contrastes e a amoralidade em torno do jogo do poder. E isso sob um viés moderno e feminino, o que confere originalidade ao longa. 

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