Jessica Chastain esbanja amoralidade num filme subestimado
Acostumada a dar vida a grandes personagens femininas, a incrível
Jessica Chastain adicionou mais uma a sua seleta coleção no ótimo Armas na
Mesa. Conduzido com pulso e elegância pelo experiente diretor John Maden (A
Grande Mentira, O Exótico Hotel Marigold) é perspicaz ao, mesmo partindo de uma
premissa ficcional, revelar a sujeira por trás do jogo de influências dos
lobistas nos bastidores do congresso do EUA. Embora não tenha o cinismo do
extraordinário Obrigado Por Fumar (2005), o longa alcança um resultado semelhante
ao mostrar o 'modus operandi' dos responsáveis pela manutenção das engrenagens
em torno da aprovação (ou não) de uma nova lei.
A partir de um tema naturalmente espinhoso, a amplamente debatida política armamentista norte-americana, o roteiro assinado pelo português Jonathan Pereira fascina ao se concentrar no aspecto micro da trama, mais precisamente nas ações da amoral lobista Elizabeth Sloane em prol da aprovação de uma emenda que visava regulamentar com maior rigidez a compra de armas de fogo em solo americano. Fazendo um interessante uso da montagem não linear, Madden costura o antes e o depois ao investigar as consequências dos atos de uma mulher disposta a tudo para alcançar os seus objetivos. Através de diálogos afiadíssimos, o realizador nos brinda com um envolvente 'mise en scene', valorizando a relevância dos bem desenvolvidos coadjuvantes ao tentar entender as motivações da enigmática protagonista.
Mesmo se escorando em algumas (apressadas) soluções menos inspiradas,
principalmente dentro do edificante clímax, John Madden é incisivo ao não só
construir a face mais imponente e destemida da protagonista, como também ao
realçar as suas fragilidades, a sua dor e o vazio que permeia a sua rotina. Na
verdade, mesmo nos momentos mais condescendentes, o roteiro é cuidadoso ao
seguir o "distorcido" código de ética da personagem, ao expor o
melhor e o pior da sua genialidade, dando a Jessica Chastain a possibilidade de
construir uma fantástica protagonista. Com o seu usual magnetismo, a ruiva
esbanja intensidade ao capturar a independência de Sloane, ao evidenciar a sua
força, praticidade e a sua imprevisibilidade durante as fluídas 2 h e 10 min de
projeção. São nos momentos mais íntimos, entretanto, que Chastain brilha ao
valorizar a humanidade da lobista, a sua raiva e tristeza, transformando-a numa
figura densa e multidimensional.
Dito isso, contando ainda com a refinada fotografia de Sebastian
Blenkov, com a enérgica trilha sonora de Max Richter e com um talentoso elenco
de apoio, capitaneado pelas sólidas interpretações de Mark Strong, Michael
Stuhlbarg, Gugu Mbatha-Raw e John Lightow, Armas na Mesa transita habilmente
entre o suspense e o drama ao reforçar os contrastes e a amoralidade em torno
do jogo do poder. E isso sob um viés moderno e feminino, o que confere
originalidade ao longa.
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