Mesmo com o 'status' possibilitado pelas quatro indicações ao Oscar,
entre elas a de Melhor Filme, Um Limite Entre Nós não ganhou a atenção merecida
no mercado nacional. Lançado em poucas salas na temporada das grandes
premiações, o longa dirigido e estrelado por Denzel Washington ficou
"preso" ao reduzido circuito de arte, faturando modestos US$ 472 mil
em solo brasileiro. Longe de ser uma produção fácil, Fences (no original),
verdade seja dita, realmente soa cansativo num primeiro momento. Os personagens
são verborrágicos, os diálogos são ocasionalmente expositivos e a atmosfera de
época não soa tão convidativa assim. Por trás destes "obstáculos",
porém, existe uma pequena pérola familiar, um drama denso e recheado de
sentimento que transita por temas espinhosos dentro de um contexto extremamente
humano.
Numa proposta quase naturalista, Denzel Washington esbanja maturidade ao
extrair a profundidade temática da peça de August Wilson em sua máxima potência,
construindo um intenso 'mise en scene' ao descortinar os conflitos de uma
família negra na década de 1950. Focado na figura paterna, o intransigente
Troy, o roteiro assinado pelo próprio dramaturgo é corajoso ao abraçar uma
vasta gama de temas com universalidade, criando uma gradativa conexão entre o
público e os pacatos personagens ao falar sobre a desigualdade, o casamento, a
infidelidade, a paternidade e as frustrações de uma vida marcada pela falta de
oportunidades. Longe de ser concessivo, o realizador encanta ao evidenciar o
melhor e o pior deste homem comum, revelando as suas convicções, os seus medos
e as suas falhas enquanto tenta justificar as suas atitudes. Aqui não há espaço
para a unidimensionalidade. Todos os personagens têm inúmeras camadas, as
relações possuem múltiplas nuances, uma leitura complexa que resulta em algumas
das sequências mais íntimas do ano. Além disso, o argumento é inteligente ao
propor um genuíno choque de gerações\mentalidades, usando o preconceito como o
agente catalisador ao mostrar que algumas cercas são difíceis de serem
derrubadas.
Em suma, sob a intimista batuta de Denzel Washington, Um Limite Entre
Nós se revela um drama sólido e realístico, um filme que, apesar dos seus
inegáveis predicados cênicos, encontra o seu coração na força do texto e nas
magistrais atuações dos protagonistas. E que atriz é a senhora Viola
Davis. Uma daquelas realizadoras que em uma cena, um desabafo visceral com os
dois pés na realidade, justificou o seu Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante.
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